Blog do Inácio Araújo

Arquivo : January 2012

O cinema da Boca do Lixo, visto de Rotterdam – parte 2
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Inácio Araújo

Dois destinos

Dois veteranos e histórias opostas. João Silvério Trevisan tem um filme em 40 anos, “Orgia ou o Homem que Deu Cria”. Julio Bressane tem um filme por ano, mais ou menos, há 40 anos. Trouxe aqui o memorialístico “Rua Aperana 42”.

“Orgia” é um manifesto geracional. Gritado, desesperado, não raro histérico. Também no ataque, nada sutil, ao cinema novo. Um filme que para ver, isto é, para apreender o sentido, é preciso se situar no tempo.

Bressane vai ao passado pessoal, às fotos de infância, e depois aos seus próprios filmes, em três tempos: Fotograma, Fotodrama e Fototrama.

Podia também ter uma seção Fonograma.

Duas coisas chamam a atenção: a presença da musica, indissociável das imagens do Rio, por um lado. E, por outro, as imagens quase sempre voltadas ao mar, ao exterior, como a justificar esse olhar tão característico de Julio Bressane, dentro voltado para fora, e fora voltado para dentro. A cultura não se busca na raiz, mas na viagem.

Dois outros destinos

“Sudoeste” e “Girimunho” são estréias. Rio e Minas respectivamente.

Joao Callegaro e eu concordamos numa coisa rara: achamos “Alphaville” a melhor ficção cientifica já feita.

Mas ele viu “Girimunho”, de Clarissa Campolina e Helvécio Marins Jr. e ficou deslumbrado. Eu, longe disso. Um filme contemplativo. Não me dou muito bem com eles, em geral.

Joao diz que esse filme mineiro é um dos grandes de todos os tempos. Eu simplesmente não entendi aonde eles querem chegar.

Toca o barco.

Quase a mesma coisa para o também elogiado “Sudoeste”, de Eduardo Nunes, do Rio.

Aqui me parece que a proposição, a invasão do cinema fantástico, com a história de uma vida que se desenrola no espaço de um dia e transtorna inteiramente o tempo, me parece ótima.

Mas por que todo mundo só fala da fotografia? Lembro (de novo), a historia do grande fotógrafo americano. Dizia ele: “Quando eu saio do filme e elogiam a fotografia eu me pergunto o que foi que fiz de errado”.

Ha um hipertecnicismo que me parece consentido em boa parte do cinema brasileiro recente. Nesses dois filmes isso me parece acontecer.

Mas são cineastas com propostas encaminhadas, que parecem bem capazes de dar nascimento a algo.


O cinema da Boca do Lixo, visto de Rotterdam – parte 1
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Inácio Araújo

A sensação é estranha em Rotterdam. No primeiro momento podia-se pensar que trazer filmes da Boca do Lixo de 1967 a 1987 seria uma salada. Havia desde os ditos marginais dos 60, ao cinema comercial dos 70 até o sexo explicito de uma parte dos 80 em diante.

O conjunto, no entanto, mostra uma surpreendente continuidade. O cinema que evocava as questões sexuais misturadas com banditismo, ou que criticava a política e o próprio cinema novo com escracho foi banido a partir de certo momento. Era uma maneira de combater a impossibilidade de fazer cinema.

Nasceu um cinema comercial que manteve a tradição do filme barato, de, com frequência, humor ácido. Era um cinema possível, que de certa forma havia surgido do anterior, apesar de todas as distâncias.

Afinal, o que dizia Rogério Sganzerla era que queria fazer filmes para encher os poeiras e serem esquecidos. Bem, a grande maioria dos filmes da dita pornochanchada cumpriu exatamente esse programa, embora Rogério e outros estivessem fora.

O pornô, bem, eu ainda não vi nenhum dos que estão passando aqui, mas vi uns fragmentos, e em relação ao que conheço da indústria internacional se notabilizam por certo humor. Mas é aquela coisa horrível, de todo modo.

O que eu quero dizer é que temos de novo, naquele momento, novamente, um cinema da impossibilidade.

O publico de Rotterdam encheu uma sala grande para ver “Oh! Rebuceteio!”, do Cláudio Cunha. E ficou até o fim, segundo relatos (eu tinha outra coisa a fazer, desculpem os amigos, mas quero ver na segunda chance). De todo modo, o que eu quero ver do Cunha é “Snuff , Vítimas do Prazer”, que é mesmo muito bom, ao menos até onde eu me lembro.

No mais, há descobertas. “O Pornográfo”, do João Callegaro, emplacou com força. As pessoas aplaudiram muito na primeira exibição e houve muitas perguntas. Callegaro respondia à la Hawks: sem dizer quase nada.

É só o começo. Há vários filmes brasileiros aqui, inclusive o do Kléber Mendonça, de Pernambuco, que é uma esperança. Vamos ver ele e os outros que der para ver.


Um beijo gay
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Inácio Araújo

Cada vez que se anuncia, no Brasil, que haverá um beijo gay na TV é aquela comoção nacional, com gente contra e a favor, discussões sobre se deve ou não deve, uma patacoada sem fim.

E o que se pode esperar do beijo gay da novela é sempre aquilo: iluminação completa, escancarada. Porque o tal beijo, aconteça ou não, será sempre um manifesto e não um gesto dramático.

Por isso mesmo ele pode acontecer ou não, tanto faz. Trata-se de saber se o bispo vai gostar e se ele tem mais influência do que o movimento gay, essas coisas. No fundo, estamos testando um pouco mais essa tremenda capacidade de invasão de privacidade que a TV reflete, demonstra e incentiva, tanto nas novelas como em programas tipo BBB.

Já o que acontece em “J. Edgar” é de outra ordem. Sabemos hoje que Hoover era homossexual e teve uma longa ligação com Clyde Tolson. Eram inseparáveis e Clyde era uma das poucas pessoas em quem o paranóico Hoover confiava inteiramente, ou quase.

Bem, era quase impossível elidir o início da relação sexual entre eles. E isso se vê no filme, mas de forma tão natural (e, no mais, discreta) que nunca pensamos no “beijo gay”. É um beijo apaixonado que marca o início daquela relação para a vida.

Há outros momentos fortes em “J. Edgar”, poucos tratando da sexualidade do personagem. Mas o momento em que, após a morte da mãe, ele coloca seu vestido é uma obra-prima, até porque não se trata de expor um travesti, mas de demonstrar a força da ligação entre Hoover e a mãe.

Um momento, mais no final, especialmente belo pela ternura é aquele em que Hoover beija um já velho Tolson na testa. É muito forte porque, embora assexuado, o beijo é carregado de sentimentos que atravessaram uma vida (isto é, duas).


Thatcher e Hoover: duas biografias
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Inácio Araújo

Nós, jornalistas, costumamos caçar erros e omissões em filmes biográficos. Mas esse aspecto é, na verdade, irrelevante.

Um biógrafo literário, para ser produtivo, deve esquadrinhar a vida do biografado. O biografado literário é uma pessoa real, ao menos vemos a coisa assim. É evidente que o autor criará uma imagem de seu biografado, mais ou menos épica, mais ou menos infame.

Na biografia filmada o que se pode criar é não a imagem final do personagem, mas “uma certa imagem”. Ele deixa de ser “pessoa real” para se tornar um personagem, objeto de manipulação daquele que cria a imagem.

Daí a diferença entre “J.Edgar” e “A Dama de Ferro”. Não importa que sejam ambos admiráveis ou odiáveis na vida real. Pode-se achar Margaret Thatcher o máximo ou o mínimo, isso não importa em termos de cinema: o problema é que sua biografia, oficial até onde isso é possível, tão preocupada em engrandecê-la (parece financiada por algum partido conservador, no mais), termina por criar uma imagem pobre, desprovida de relevo, de contradição, que apenas se torna enfadonha.

J. Edgar Hoover não é menos controverso, sabe-se. Aliás, é personagem mais grosseiro, e Clint Eastwood não deixa de vê-lo assim. No entanto, ali convivem o chantagista e o patriota; o idealista e o malfeitor. Ele é malfeitor porque precisa manter o poder, não por outra razão. Ele forja dossiês contra presidentes. Ele mantém arquivos secretos que desafiam os próprios presidentes. Ele é agente de uma ruína moral, de um esquecimento dos valores que o desespera, porque não era isso que havia imaginado ao criar o FBI.

Isso está no filme, note-se.

Ora, com Thatcher algo semelhante ocorre. Também ela despreza o tempo em que vive seus últimos anos, pautados pela vulgaridade, pelo apego à matéria, pelo desprezo das idéias. No entanto, ela tem muito a ver com a construção desse mundo, da qual é uma agente privilegiada, malgrado ela. O problema é que isso nunca está no filme. O mal do mundo ocorre à revelia dela e apesar dela.

O sombrio Hoover é, visto por Clint Eastwood, uma personalidade fascinante. A combativa Thatcher é, vista por não importa quem, algo como uma estátua eqüestre.


Tintim por Tintim
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Inácio Araújo

Spielberg gostava de Tintim. Reservou os direitos para filmagem ainda nos anos 1980. Hergé gostava de Spielberg, pelo que li, e adorava “Encurralado”.

O resultado é que o primeiro exemplar de “As Aventuras de Tintim” é bastante fiel ao personagem, aos seus comparsas (Milu, sobretudo, mas também os investigadores idiotas, Dupont e Dupond, e mesmo o capitão Haddock).

Ele se preserva de certas besteiras, como a atualização das histórias, por exemplo. E, sendo uma história européia, acentua um lado meio britânico em vez de pender para o americano.

No mais, Tintim continua a ser um herói adolescente, ou seja, algo bem a caráter para Spielberg: há nele essa vitalidade que SS gosta de ver em seus heróis. E a trama cheia de reviravoltas também é à caráter para o cineasta, não precisou trair o original para fazer um filme com bastante ação.

O que li de mais interessante sobre a transposição foi numa entrevista com Benoît Peeters, um especialista em Hergé, publicada pelos “Cahiers”.

Ele entende que o estilo de Hergé lembra o melhor do classicismo, pela economia das linhas, pela clareza do traçado. Nisso, o filme se distingue bastante, porque o estilo de Spielberg supõe uma sobrecarga de movimentos que ele aproxima do barroco.

Há outras sobrecargas importantes. Peeters vê no processo “motion capture” (filma-se o ator sobre o qual é criada a imagem digitalizada), assim como na direção de arte, um efeito hiperrealista, o que de fato acontece.

Isso é mostrado claramente como opção de imagem logo no início, quando um artista desenha o nosso herói e, no desenho, vemos exatamente o Tintim de Hergé, mais leve, de linhas simples e claras.

Se essa opção é compreensível, a da movimentação muito grande da câmera não me parece se justificar tanto. É verdade que vi o filme na sala Imax e com legendas. O 3D me parece que funciona melhor dublado.

Mas se lembro de “Avatar”, digamos, existe uma suavidade maior nos movimentos, enquanto em Spielberg, barroco ou não, há algum desconforto para a vista. Não sei como a garotada reage a esse tipo de imagem, mas ainda sinto certo desconforto com o 3D quando vem muito agitado, e mais ainda em filmes longos, como este.

“As Aventuras de Tintim” lembra em vários aspectos os filmes de Indiana Jones. Há, inclusive, esse partido da ação muito cerrada, com reviravoltas contínuas etc. É bem o espírito do Spielberg juvenil, de aventura contínua, que não desmente o original.

No entanto, eu gostaria de ver no filme um tanto mais um personagem muito interessante que aparece no início, é referido mais tarde e depois esquecido: o velhinho batedor de carteira. Num filme em que tirar um pedaço de papel da mão dos outros é tão fundamental, penso que ele poderia ter um papel interessante e acrescentar um humor que falta ao final, agitado demais.

Uma outra coisa: não me entendo muito bem, ao menos por enquanto, com essa nova geração dos “Cahiers”. Mas algo que o crítico que escreveu sobre o filme, Jean-Sébastien Chauvin, é interessante. Ele diz que o fundamento de Tintim é uma vida sem destino, sem parada. Ele identifica no herói spielberguiano a ação como saída para a impotência de sua própria condição. Isso o leva a agir. Tintim seria assim. É um ponto de vista digno de reflexão, me parece.


Serão os games uma arte do futuro?
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Inácio Araújo

Esse novo sistema de blog dificulta a entrada para comentários e tal. Acho que dificulta. Eu, em todo caso, não consigo entrar.

Mas, voltando de férias, dou uma lida nos comentários todos. Alguns vão sendo naturalmente respondidos, à medida que vou escrevendo novos posts. Os do pessoal dos games, no entanto, talvez mereçam uma reflexão à parte.

No post anterior dizia que me parecia meio chutada a opinião de um cara para quem só falta um Chaplin para os games serem vistos como arte.

A minha opinião também é meio chutada, já vou avisando. Não vejo games desde que meus filhos desencanaram deles e não vou julgar o trabalho de ninguém, mesmo porque é uma categoria toda à parte.

Minha dúvida toda na história é se a arte pode ser uma coisa interativa como os games.

Não é com os games a minha encrenca, mas com essa idéia de que a interação vai salvar o mundo, ou a arte, ou o que quer que seja.

Eu sou um pouco antiquado nessas coisas. Os mobiles vieram, viraram moda, mas os mobiles não marcaram porque eram mobiles, nem porque eu podia encostar neles, mas porque seus autores originais eram inventivos.

Por isso falei dos bichos da Lygia Clark: hoje em dia ficam expostos numa redoma, a dois metros da gente, ninguém chega perto. Mas não perderam a importância por isso.

Enfim, alguém pergunta “o que é arte”. Não sou eu que vou limitar o que seja ou não arte. O mundo definirá isso, e não posso ter posição fechada a respeito de algo que desconheço.

Só penso que essa história de interação, de livro com cinco finais, essas coisas supostamente democráticas, uma bobagem.

Sobre o que é arte vou dar a resposta que uma vez o Borges deu: “arte é o que nos dá felicidade”. Mas nem tudo que dá felicidade é arte, claro.


La China È Vicina – cap. 2
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Inácio Araújo

Tomo de empréstimo o título do célebre (justamente célebre, é bom dizer) filme de Marco Bellocchio, mas o resto tem mais a ver com Hu Jintao, o que ele chama de programas de entretenimento e influência Ocidental na China e, por fim, o canal chinês que está sendo lançado em Nova York e, esperemos, logo chegue por aqui.

Primeiro: se a China é o segundo país do mundo, em riqueza e mais um monte de coisas, é desejável que a gente receba imagens de lá. Quer dizer, espero que elas cheguem logo por aqui, assim como gostaria de ver um canal argentino ou venezuelano. Pessoalmente, não agüento mais fazer zapping e ver todo o tempo a mesma coisa, os mesmos filmes, os mesmos EUA. Mas tenho a impressão de que do ponto de vista cultural isso é uma desgraça.

Por falar em desgraça, Hu Jintao está criando, com sua hostilidade à presença ocidental na China, a mais recente versão da “cultura socialista”. Como se sabe, cada vez que se tentou acrescentar um adjetivo à palavra cultura chegamos a um par de botas. Certamente Dante Alighieri não sabia que estava pondo fim ao medievo, quando escrevia. Apenas escrevia. Se alguém dissesse que era preciso substituir a “cultura medieval” pela “cultura renascentista” me parece provável que ela já nasceria acadêmica.

Mas Hu Jintao e eu temos algo em comum, que é considerar a maior parte dos programas de entretenimento da TV uma emanação do inferno. Não é que o Ocidente queira destruir a China, talvez seja, antes, um movimento autodestrutivo.

Mas o que Hu Jintao tem a oferecer em troca? Sabemos que a censura feroz vigora na China. É isso que virá no lugar dos shows? Um show da censura? Não seria má idéia, com aqueles caras vestidos iguais explicando porque tal e tal coisa prejudicam a nação chinesa. Ou aqueles discursos de dirigente comunista? (Ah, não, Hu, você está falando com um cara que já tentou ler os discursos sublimes de Enver Hocha – não lembro se se grafa assim – o sublime condutor da Albânia. Francamente, não dá pé).

O que seria um entretenimento que a China poderia nos oferecer? Talvez algo que viesse não do Partido ou similares, mas de sua população. Livremente. Mas, claro, seria pedir demais.

Aqui no Brasil isso seria possível, se em algum momento os canais tivessem algum interesse em elevar a população. Mas parece que seu objetivo é imbecilizá-lo (mais do que já faz o sistema educacional).

Hollywood é outra que não parece disposta a contribuir para a civilização chegar a alguma parte. Então, vamos resumir: a única coisa relevante disso tudo, além do surto de “cultura nacional” substituindo a “cultura socialista” é que o camarada Hu Jintao tem razão em acreditar que é necessário um contra-ataque. Mas não vejo com o que ele poderia contra-atacar. Há uns bons cineastas por lá, servem para uso externo, mas não estou seguro de que veiculem a imagem que Hu pretende difundir.

Daquelas óperas insuportáveis do tempo da Revolução Cultural nem ele quererá lembrar. O que vai, então?

A cultura sempre foi o calcanhar de Aquiles dos países socialistas, muito antes que todo o resto se mostrasse tão claramente putrefato quanto se mostrou. A China, com progresso e tudo, não se sabe no que vai dar. O camarada tem razão de pensar que não há país dominante sem cultura própria (ou, no caso, invadido pelo Ocidente). Mas que cultura se produzirá para o mundo num país meio comunista, meio ditatorial, meio capitalista? A China é (ainda? de novo?) um enigma. Mas, com toda franqueza, não acredito que dessa mistura algo de muito interessante venha a se revelar a nós.

Ainda assim, quero ver o canal chinês.


Imagem é tudo
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Inácio Araújo

“A Tomada do Poder por Luís 14”, que tem no Brasil um nome meio estrambótico e de que eu não me lembro (em todo caso, saiu numa boa cópia pela Versátil), é talvez o grande filme político do século passado, justamente por mostrar o processo que leva um rei jovem e quase desprotegido (por causa da morte de seu conselheiro, Mazzarino) a controlar uma nobreza cheia de ambições.

O que acontece em “Tudo pelo Poder”, o novo filme de George Clooney é mais cheio de reviravoltas, claro, já que se trata de um thriller político, mas expõe de certa forma esse princípio: mesmo numa campanha política há que tomar o poder quem quiser ter algum poder.

Me pareceu um filme guiado pela palavra, o que não significa que a imagem seja desimportante. É que a imagem segue a palavra, e não o inverso. O filme já começa com o ensaio de um discurso (o assessor de imprensa da campanha fala o mesmo que o candidato deve falar mais tarde).

Depois, esse mesmo assessor manterá, incauto, uma conversa com o chefe de campanha do candidato adversário, o que o coloca em sérias dificuldades. Por fim, toda a chave da intriga se baseará em ligações telefônicas dadas ou recebidas por um certo celular.

O que é interessante e faz ver em Clooney um cineasta que se destaca bem no panorama americano atual é a percepção que temos, no início e no final, de uma campanha do Partido Democrático nos EUA. Isso supondo, claro, que o Republicano é aquela baixaria.

Os democratas, ao contrário, são dignos, e ninguém poderia ser mais digno do que o próprio Clooney como candidato em disputa das primárias.

No entanto, ao sair, nossa percepção sobre o processo político mudou substancialmente: é uma coisa suja, indigna. E o próprio candidato toma decisões que o apequenarão substancialmente.

Estou falando pouco para não atrapalhar o prazer de quem ainda não viu o filme, naturalmente.

O fato é que a transformação se faz suavemente, quase sem que a gente sinta, como se a expressão de Clooney só mudasse como reflexo da mudança que atinge o rosto de seu assessor de imprensa.

Temos o costume de achar a política uma coisa suja, sentimento que a visão desse filme pode eventualmente reforçar. O fato, no entanto, é que as coisas que se passam lá dentro, na campanha, não são em nada diferentes, como substância, daquelas que se dão em empresas e até em nossas casas.

A diferença substancial é que políticos precisam a todo custo preservar uma imagem, pois é isso que vendem. E Clooney sabe manter todo o tempo, como candidato, a expressão cândida de garoto-propaganda da Nespresso. Mas o mundo, que fazer?, de cândido não tem nada.


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