O cinema da Boca do Lixo, visto de Rotterdam – parte 2
Inácio Araújo
Dois destinos
Dois veteranos e histórias opostas. João Silvério Trevisan tem um filme em 40 anos, “Orgia ou o Homem que Deu Cria”. Julio Bressane tem um filme por ano, mais ou menos, há 40 anos. Trouxe aqui o memorialístico “Rua Aperana 42”.
“Orgia” é um manifesto geracional. Gritado, desesperado, não raro histérico. Também no ataque, nada sutil, ao cinema novo. Um filme que para ver, isto é, para apreender o sentido, é preciso se situar no tempo.
Bressane vai ao passado pessoal, às fotos de infância, e depois aos seus próprios filmes, em três tempos: Fotograma, Fotodrama e Fototrama.
Podia também ter uma seção Fonograma.
Duas coisas chamam a atenção: a presença da musica, indissociável das imagens do Rio, por um lado. E, por outro, as imagens quase sempre voltadas ao mar, ao exterior, como a justificar esse olhar tão característico de Julio Bressane, dentro voltado para fora, e fora voltado para dentro. A cultura não se busca na raiz, mas na viagem.
Dois outros destinos
“Sudoeste” e “Girimunho” são estréias. Rio e Minas respectivamente.
Joao Callegaro e eu concordamos numa coisa rara: achamos “Alphaville” a melhor ficção cientifica já feita.
Mas ele viu “Girimunho”, de Clarissa Campolina e Helvécio Marins Jr. e ficou deslumbrado. Eu, longe disso. Um filme contemplativo. Não me dou muito bem com eles, em geral.
Joao diz que esse filme mineiro é um dos grandes de todos os tempos. Eu simplesmente não entendi aonde eles querem chegar.
Toca o barco.
Quase a mesma coisa para o também elogiado “Sudoeste”, de Eduardo Nunes, do Rio.
Aqui me parece que a proposição, a invasão do cinema fantástico, com a história de uma vida que se desenrola no espaço de um dia e transtorna inteiramente o tempo, me parece ótima.
Mas por que todo mundo só fala da fotografia? Lembro (de novo), a historia do grande fotógrafo americano. Dizia ele: “Quando eu saio do filme e elogiam a fotografia eu me pergunto o que foi que fiz de errado”.
Ha um hipertecnicismo que me parece consentido em boa parte do cinema brasileiro recente. Nesses dois filmes isso me parece acontecer.
Mas são cineastas com propostas encaminhadas, que parecem bem capazes de dar nascimento a algo.