Blog do Inácio Araújo

O retorno do reprimido

Inácio Araújo

Por acaso, ligo na TV “Total Recall”, “O Vingador do Futuro”, que eu não via há alguns séculos. Fiquei com a impressão de que o cinema deu pra trás enormemente.

Era um filme de aventura, ficção científica de aventura, e Schwarzenegger é um operário que vai a uma empresa em busca de férias em outro planeta, Marte no caso.

Mas não há outro planeta. A firma implanta uma memória nele. E lá vai ele, já com um problema logo de saída.

E houve problema? Quando? Ele está viajando em um sonho (ou memória implantada?) ou está de fato? É um agente ou apenas imagina que é?

Mais: na ação ele se coloca ao lado dos terroristas de Marte contra o ditador que controla (e vende) todo o ar do planeta.

Então temos um filme para massas, nada de “filme de arte”, mas em que a dúvida sobre a existência mesmo do real é proposta com todas as letras, em que a experiência do cinema e a do sonho (e/ou memória implantada) é esmiuçada, portanto a imagem é posta em questão.

E há, no mais, ditaduras que podem ser combatidas por terroristas, como ocorreu ao longo de toda a história (o poder os chama de terroristas, eles se chamam de Resistência, guerrilha ou algo assim).

Ou seja, é fácil notar um enfraquecimento quase doentio da ficção que nos é dada ver.

Segundo, há que se constatar a vitória da linguagem de direita, que impôs, por exemplo, a expressão “terrorista”, a partir do 11 de setembro, como algo intrinsecamente ilegítimo (ah, até os ditadores árabes chamam os seus rebeldes de “terroristas”).

O mundo é de direita hoje, até as esquerdas são de direita. Quem manda é o discurso, muito do mais do que os votos.

Mas por vezes o reprimido retorna, como a nos lembrar que já andamos um pouco melhor.

O procurador de miolo mole

O que é isso, companheiro? A coisa está preta. Um procurador de Minas propõe suspender um dicionário, o Houaiss, porque dele consta a acepção pejorativa da palavra “cigano”.

Mas o que fazer? Limpar o dicionário? Estamos chegando nesse ponto de jurisdicismo?

O Hélio Schwartsman, na Folha, escreveu contra essa insanidade. Citou alguns exemplos.

Acho o melhor o “judiar”. Vamos extirpá-la? Seria justo.

Mas quem judia? Os judeus? Ou eles são judiados tão frequentemente? Não sei.

E nós, canhotos? Poderão nos chamar impunemente de sinistros?

E nós de esquerda? Somos sinistros?