Bórgia, Corleone, Cachoeira
Inácio Araújo
Sou um observador distante da política. Por exemplo, para prefeito de São Paulo voto no primeiro que se dispuser a pôr um fim nessa lei que numera os lugares dos cinemas.
Por todos os motivos: acho as filas um lugar legal para fazer amizades (que acabam no momento seguinte, de preferência) e para encontrar amigos antigos. Lugares marcados só servem para tornar o cinema um lugar mais solene e para beneficiar firmas de venda de ingresso pela internet.
Mas não é disso que eu queria falar. Sou observador distante da política. Observo as imagens um pouco mais atentamente.
O que está acontecendo no Brasil, hoje, com essa história de Cachoeira, me remete a duas obras: “Os Bórgias”, cuja segunda temporada ainda não entrou aqui na TV, mas já está rolando, e “O Poderoso Chefão”.
Os Bórgia valiam-se do envenenamento como método principal de construção de seu poder.
Já Vito Corleone era um cara da conversa. Podia agir com violência, mas esse não era o seu método.
Minha impressão dessa história de Carlinhos Cachoeira é que as pessoas (Congresso, jornais, etc.) estão lendo os fatos na linha da velha intriga política (uma propina aqui, prejudicar o adversário ali etc.).
Mas não é isso o que estavaem marcha. Naminha opinião estamos diante de um fenômeno perto do qual toda a corrupção que se possa ter detectado no passado no Brasil é coisa de criança.
Mensalão, privatização, Collor, o que se quiser: tudo coisa de amadores.
Cachoeira é um profissional. É a isso que se precisa atentar. Não importa nada se tal deputado pegou uma graninha aqui, se um governador fez um favor ali. Essas são apenas as decorrências.
O método, isso é o que conta. Cachoeira tem negócios legais e ilegais. Vai do bicho aos laboratórios. Isso é um ponto. Mas não se sabe a real extensão desses negócios. Ou seja, essa construtora Delta, seria dele ou não?
Pode ser que fosse. Mas me parece que o negócio de Cachoeira era, como o de Vito Corleone, tecer uma rede de influência que envolve:
– congressistas,
– juízes,
– industriais,
– imprensa.
A parte de imprensa é muito relevante. Assim como Bórgia usava veneno, o negócio de Cachoeira, pelo que se pode ver, era passar informações, filmes, grampos, essas coisas. O veneno de Cachoeira é a intriga.
Para bem colocá-lo em funcionamento, contava com uma rede de subalternos operacionais, tipo policiais e ex-policiais, os chamados arapongas.
Cachoeira não podia aparecer muito. Havia as figuras públicas do grupo, entre políticos (o senador lá) e industriais.
O método era o de Vito Corleone: eu te faço um favorzinho hoje, você me faz outro amanhã. Padrinho.
Cachoeira estava profissionalizando o apadrinhamento, que é um velho modo da política brasileira. O que Sarney faz quase romanticamente com o Maranhão ele estava reproduzindo em Goiânia, e já espalhando ramificações, de um modo ou de outro, para o Brasil inteiro.
Em outras palavras, estamos diante de um caso de Máfia em formação.
Reduzi-la a intrigas políticas a favor de A ou B, não compreender a natureza do caso, será apenas fazer um favor para essa gente.
Quem vai ao cinema sabe que a questão, ali, não é comer pipoca e se encher de Coca-Cola.