Como Fazer um Filme de Amor
Inácio Araújo
Ou como falar de amor sem ser uma coisa totalmente tola e fora do mundo.
É mais ou menos o que propõe “A Febre do Rato”.
Pois ali existe um poeta e sua poesia. Ele vive, anárquico, numa Recife pobre e vital.
Há bons versos e, sobretudo, bons diálogos.
Aspira-se à liberdade com libertinagem.
Publica-se um jornalzinho de mimeógrafo para quase ninguém, mas que importa?
Tudo isso, o poeta trocará por uma renitente musa.
Sua alegria, seu espírito, suas palavras, sua rudeza e doçura deixam praticamente de ser compartilhadas com os amigos.
Tudo é para ela.
Mas ela mantém-se renitente.
Talvez porque as musas devam ser enigmáticas. Ou porque esse seja o destino do nosso poeta.
Não importa: eis aí um belo filme de amor, esse de Claudio Assis (como o francês “Um Verão Escaldante”, diga-se), em que não é preciso ser alienado ou bobo para ser de amor.
Só uma coisa: essa imagem em branco-e-preto, esse maneirismo hanekiano, essa péssima herança que vai nos deixando “A Fita Branca” e a Palma de Ouro que lhe deram, isso atrapalha, sim. Primeiro porque não deixa ver direito, de tanto que uma coisa se interpõe entre nosso olhar e a cidade, e o cenário, e os personagens. Segundo, porque esse toque esteta não combina com o agreste (e nos filmes anteriores de Assis, também com fotografia de Walter Carvalho, tudo andava junto).