Blog do Inácio Araújo

Em busca do cinema marginal (2)

Inácio Araújo

O marginal é multifacetado. Ele indaga sobre o que é o cinema, seu sentido, seu significado na sociedade, no preciso momento em que se torna mais terrível a ditadura.

Esse é um dos aspectos, que envolve descrença no processo político (armado ou não) e indagação simultânea sobre a cultura (que restos, que traços ela deixa em nossas vidas que torna tão essencial conhecê-la?).

Talvez seja o aspecto em que mais claramente insistiu Julio Bressane nos primeiros filmes. ''Matou a Família e Foi ao Cinema'' todo o tempo opõe a poesia da tradição musical à violência.

A rejeição da tradição nacionlista marioandradiana também é muito presente. O enigmático ''Dezenove virou Vinte'' no final de ''O Anjo Nasceu'' talvez queira se referir a essa passagem.

Nisso estão registradas, também, as divergências, ou, digamos, logo, a oposição ao cinema novo, evidentemente, a impossibilidade de convivência entre eles.

Daí talvez decorra a substituição da revolução pelo banditismo: não há esperança de transformação política sem transformação cultural, sem que o modo de ver o mundo mude.
Os anti-heróis de ''Luz Vermelha'', ''Anjo Nasceu'', ''Mulher de Todos'', ''O Pornógrafo'' apontam para isso: não são pessoas em busca da realização individual contra a coletiva, como se poderia pensar num primeiro olhar: o banditismo é percepção da impossibilidade de ser, de viver.

Por isso o cinema marginal rejeitou tanto ''Macunaíma''. Da mesma forma que o cinema novo rejeitava ''O Pagador de Promessas''.

''Macunaíma'' era Mário revestido de uma capa oswaldiana. Não era o nacionalismo que era posto em questão, isso ficava intacto, sob uma forma mais ousada, mais tropicalista, digamos. Mas o filme está longe de ser ruim, se tirarmos fora os parti-pris.

O aspecto posterior, o segundo momento do marginal, implica impossibilidade, certeza ou quase de censura, certeza e mais certeza de não ter lugar no stablishment cinematográfico.

Pensar o cinema, o lugar do espectador, significa questioná-lo. questioná-lo significa, de certa forma, agredi-lo. Talvez seja o aspecto mais perecível desses filmes.

Há os menos ou nada perecíveis, ''malgré eux-mêmes''.  Como um filme praticamente incompreensível racionalmente como ''Bang Bang'' pode seduzir um número sempre crescente de espectadores?

Meu chute: ele é de uma sinceridade absoluta. Há ali de tudo um pouco que tentei notar acima, salvo agressão ao espectador.

Ha algo ali que não se compõe, que se recusa a compor, a contar, a revelar. Como se revelar, como se contar, fosse sempre contar no vazio, integrar uma farsa, fingir que afinal tudo estava normal. Há apenas cenas, momentos, capturas, intuições, enfeixadas numa recusa…

Acho.

Por tudo isso, creio, que ''Câncer'', o filme que Glauber supunha inaugurar o marginal não era, não podia ser marginal.

Para começo de conversa era inteiramente político.

Isso não faz de Glauber menos notável, menos genial. Mas essa mania brasileira da moda é pesada: para não perder nenhum bonde, o cara quer ser o que é e seu contrario.