Mostra está boa, mas meio óbvia
Inácio Araújo
Pelo menos para mim, que não pude ver “Barbie”, por exemplo, porque estava na cama.
Até agora só os suspeitos de sempre me encantaram: Oliveira, Bellocchio, Kiarostami.
Não, estou sendo injusto com Miguel Gomes, de “Tabu” e de toda a retrospectiva. E o Kleber Mendonça, cujo “O Som ao Redor” já conhecia.
Isso não é uma restrição. Hoje existe um mercado de novidades no setor “filme de arte” que é quase tão selvagem quanto Hollywood.
O cara é lançado em Cannes ou coisa parecida. Se dá certo comercialmente, vaiem frente. Casocontrário é rifado. Não é inteiramente assim, mas quase.
Então, fiquei muito feliz de poder rever Raros Sonhos Flutuantes, do Eizo Sugawa. É o último filme dele, de 1990, extraordinário. Me fez lembrar do “Benjamin Button”, que concorreu ao Oscar de 2008, que é uma espécie de “Raros Sonhos” sem graça.
Aqui quem regride de idade é uma mulher. E isso não acontece desde o nascimento, mas a partir do divórcio. Ela começa o filme com 67 anos, jogando-se diante de um trem. É no hospital que conhecerá seu amante, que havia tentado se suicidar.
Eles têm uma transa verbal, separados por um biombo. Só ao final notamos a idade dela.
Mas depois ela reaparece, já bem mais nova.
O que a terá feito regredir?
Talvez o amor novo.
Só que ela não pára de rejuvenescer.
E o cara não deixa de amá-la.
A ama como mulher madura, como jovem, como adolescente e, por fim, quando criança, quase bebê.
Quando acontece a cena mais memorável do filme: aquela menininha caminhando entre adultos grandões, os passos incertos da idade, mas levando a experiência de vida de 67 anos…
É uma coisa fantástica mesmo.
Não entendo como Sugawa, fora do Brasil, ninguém dá bola para ele.
Não me interessou “A Caça”, de Thomas Vinterberg, de que ouvi falar muito bem.
Acho que ele tem mais fascínio pelo perverso do que outra coisa. Parece o Haneke, o austríaco.
Até agora não entreiem nenhum Tarkovskie pretendo continuar assim. Me basta o cartaz. Me bastam as fotos do cartaz. O pior do comunismo acho que foi essa geração de russos tristes que o Tarkovski comanda, ele, o rei do monocromatismo macambúzio.
É respeitável, admito. Mas que seja respeitável longe de mim.
Ah, ia quase esquecendo do ''Alma Corsária'', do Carlos Reichenbach, que passou logo antes do Sugawa, pois tratava-se de uma homenagem da Mostra ao Carlão, que sempre sugeriu muitas retrospectivas e visitas que a Mostra realizou.
Não vou comentar, pelos motivos óbvios. Mas me impressionou, sobretudo no começo do ''Raros Sonhos'' a proximidade espiritual, digamos assim, entre Carlão e Sugawa.
É uma bela oportunidade para conhecer o cinema, no fundo pouco conhecido, de Carlão.
Quero um dia parar um pouco e escrever sobre ele. Vamos ver.
Acho que é isso por enquanto…