Primeiras impressões sobre o novo Oscar
Inácio Araújo
Mas antes uma palavra para “Amor, Palavra Prostituta”, que passou sexta-feira, dia 25, na retrospectiva Reichenbach.
Não reparei direito em quem fez a pergunta, mas o sentido era: o filme resistiu ao tempo?
E eu disse: melhorou.
Não foi bazófia. Acho que aconteceu isso de fato. Os filmes do Carlão tendem a melhorar com o tempo, a maior parte deles.
No “Amor” o que se vê é uma torrente de relações falsas, de pessoas fora de si mesmas, incapazes de chegar a si: reagem ao mundo exterior, como Luis Carlos ou Rita, buscando aquilo que lhes é prometido (ascensão social, conforto, etc.). É um jogo de que o professor está fora: subir na vida, ganhar dinheiro, são coisas que não fazem sentido para ele. Assim como expressar-se ou fazer sexo. Ele é o negativo de Rita ou Luis Carlos. E Lilita não tem história, nem relação, nem nada: apenas uma vontade de viver meio larvar.
Um estranho grupo, nota-se.
Um grupo que se desfaz ao longo da história. Se desfaz pelo sangue, se poderia dizer: depois do aborto mal-sucedido de Lilita: evento radical que obriga cada um a buscar seu destino.
E o destino dos sem destino, Lilita e o professor, não é outro senão estabelecer uma relação humana entre ambos.
Nada senão isso. Nem se abre a hipótese de um amor futuro, ou de uma amizade, nada… É um instante, talvez. Talvez não. Mas nesse instante esses dois seres atingem uma espécie de plenitude, são sujeitos de seus atos. É muito bonito, como uma viagem a si mesmo.
É algo que, para mim ao menos, só virou evidência agora.
Adorei o filme todo.
“Amor” e “O Mestre”
Acho que não entrei no Oscar pelo melhor pé.
“Amor”, que me diziam ser o máximo dos máximos, é um filme incontestável. Tem uma maestria ali, nos tempos, na direção dos atores, nas elipses, que não se pode dizer nada.
Aliás, que atores. E que beleza ver Emmanuelle Riva de novo. Vez por outro ela fala e parece que estamos em “Hiroshima Meu Amor”.
Aliás, o Alcino Leite diz, sim: diz que ele é muito acadêmico.
Pensei e acho que ele está bem certo, como sempre: é o cinema moderno, nada mais. Longos planos, audácias sobretudo no tratamento da mulher e tal. Mas ficamos por aí. Repetem-se os grandes mestres modernos, sobretudo os psicológicos.
E, diz A.L., tudo está no lugar certo.
Penso naquele sonho do Trintignant. Está lá para dar um susto no momento em que o filme pode ficar sem assunto, mas é um tempo forte arbitrário que ele introduz.
Isso, no entanto, me parece secundário: o problema é que Michael Haneke despreza a espécie humana com tal intensidade que se a gente der uma soprada na retórica da compaixão que é a face mais ostensiva do filme, o que vemos é uma espécie condenada à degenerescência.
Há atrevimento, sim, em filmar a morte. E, entre tantas elipses, me pareceu repulsiva a maneira como mostra aquele assassinato. É uma coisa de uma crueldade sem fim.
Sob a delicadeza aparente está lá o Haneke de sempre: pronto a mostrar o pior de nós.
“O Mestre” tem um aspecto interessante: em vez de ficar na condenação dessas seitas absurdas que proliferam pelo mundo, tem seu foco na relação entre mestre (Philip Seymour Hoffman) e discípulo (Joaquin Phoenix). Ambos viciados na beberagem assassina que Phoenix é capaz de produzir. Iguais e diferentes. Phoenix traz inscritos os desequilíbrios da guerra (e talvez também os hereditários). Hoffman é sua face racional, produtiva, americana: aquela seita tem algo do radicalismo dos anos 1950, aquela solenidade de Politbureau do PC e tal.
Mas, para além disso tudo, me parece um filme de performance.
Performance de Phoenix. Espero que ganhe o Oscar. Merece (ele já ganhou um? Acho que não, não tenho certeza). Merece por se parecer tanto com outro e com ele mesmo.
Merece porque faz tudo que o Oscar e a arte dramática querem: representação, performance.
Hoffman, que já ganhou com performance, e que é o melhor ator do mundo hoje, faz qualquer coisa, serve muito bem de escada.
Foi menos do que eu esperava.