Para diretor de “O Império dos Sentidos”, não existia Japão autêntico
UOL Interação
Dos diretores japoneses com quem estive – de maneira sumária, esclareço – Nagisa Oshima era o que se pode chamar de prima dona gentil.
Em Cannes, quando entrevistado por um grupo de jornalistas e cinéfilos que insistiam em valorizar Mizoguchi em detrimento de Kurosawa, que seria um ocidentalizado, ele explicava com paciência que essa história do Japão autêntico (aqui seria “de raiz”) é uma cascata. O Japão, dizia, não tem cultura própria. Ele se apropria de outras culturas.
Aí ele pegou um papel e desenhou um ideograma. Estão vendo? Isso não é do Japão. Vem da China. Da mesma maneira, e talvez por isso, o Japão pôde se apropriar da cultura americana tão rapidamente no pós-guerra.
E se Kurosawa é ocidentalizado, por gostar de Shakespeare e Dostoiewski, que dizer de Ozu, que se inspirava em Chaplin (agora sou eu falando), que em 1959 usava música inspirada no Jacques Tati… Etc….
O que é próprio do Japão, dizia Oshima, é o sentido do detalhe. A atenção às coisas mínimas, que em seus filmes (e não só) parecem se tornar fundamentais.
O que não significa que Oshima fosse um conformista diante desse Japão. Quem viu seus filmes sabe.
No livro da Lucia Nagib sobre a nouvelle vague japonesa – ele escvreve o prefácio – ele se refere aos sete samurais da NV: Shoei Imamura, Susumu Hani, Teshigahara, Yoshishige Yoshida, Masumura, Seijun Suzuki e ele proprio.
Foi o pessoal que rompeu com o sistema de estúdios, que, parece, no Japão era tão sufocante (mas à sua maneira) quanto o francês.
Essa geração se impôs em grande parte porque havia uma mudança geracional no próprio país, e sobretudo a Shochiku e a Nikkatsu se abriram para isso.
Oshima ficou célebre na cinefilia por filmes como “Garoto Toshio”, “O Enforcamento”, “A Cerimônia”, obras-primas, mas ficou famoso mesmo foi com o escândalo de “O Império dos Sentidos”.
Notável pornografia. Atrevidíssima. Um filme inteiro na cama. Todo o amor do mundo resvalando na morte. Parecia livro do Georges Bataille. O amor toca a morte, quanto mais intenso, mais se aproxima dela. É uma companheira de viagem.
E que companheira: no fim, Sada, a mulher, arranca o pênis do amante morto e sai pela rua enlouquecida…
Que coisa admirável!
É verdade, acho eu, que essa celebridade não fez muito bem a Oshima. Seu fim de carreira é um pouco melancólico. O sucesso pode ser um problema na vida de um diretor de filmes.
Mas, caramba, quando a gente olha, com exceção do Imamura, que depois dos anos 80 apareceu mundialmente mais, os seus companheiros de geração ainda são pouco conhecidos aqui, exceto pelo que passava na Liberdade.
Há um ou outro Suzuki nas locadoras. O Yoshida teve uma retrospectiva na Mostra há alguns anos. O Masumura tem um filme dele em DVD tambem. Agora, Susumu Hani, acho até que Teshigahara, neca. Nadinha. Uma pena.
Ah, eu ia me esquecendo… Numa viagem em 1995, em que a Fundação Japão, Jo Takahashi à frente, levou um bando de brasileiros até Tóquio e Kyoto, houve uma recepção, e Oshima apareceu com um quimono tão imponente que parecia Madame Butterfly. Acho que nessa altura ele estava meio que pirando. A gente nem chegou perto dele.
Pouco depois viria o derrame que o depauperou de vez.
É um desses grandes nomes do cinema da segunda metade do século passado. Desses que não se pode passar ao largo, um ponto forte dessa cinematografia tão notável como é a japonesa.
Que ele descanse em paz, mas que seus filmes sejam muito vistos.