West Salad by Quentin Tarantino
Inácio Araújo
Bela salada do Oeste, esta de “Django Livre”. Me pareceu melhor do que o filme anterior do Tarantino, porque a questão da guerra exige algum rigor na imaginação e o fim do “Bastardos Inglórios” tomava liberdades digamos excessivas com os fatos históricos.
Quer dizer, nada contra, mas aqui se tratava de uma facilitação: juntar a Joana D’Arc filme mais a garota queimando, em Paris, com o cinema queimando e toda a hierarquia nazista lá dentro impressiona bem (a mim ao menos impressionou) na hora, mas depois o entusiasmo arrefece. O filme vale por outras cenas (a da taverna, a do Christopher Waltz procurando pessoas escondidas numa casa no campo, etc.), mas essa em que estou pensando hoje em dia já não me seduz nem um pouco. A guerra não acabou em Paris, por mais fotogênico que pudesse ser.
Com o Oeste tudo é diferente. A saga histórica foi largamente encoberta pelos episódios ficcionais criados em cima dela.
E, para além do cinema americano, houve o italiano, de onde aliás vem o primeiro Django, o original, devido a Sergio Corbucci, de que não me lembro mais, embora me lembre que gostava do Sergio Corbucci, que tinha idéias.
O que mais me fascina no Tarantino é esse gosto pelo cinema popular.
Ele não faz nada tradicional. Tudo é ao gosto do dia. Mas o sentimento popular permanece.
Qualquer espectador daqueles que tomava o Marabá nos anos 60 do século do cinema se reconheceria nesses personagens, torceria, vibraria e tudo mais.
Depois, ele tem um talento louco. Tem noção da grandeza que um épico requer, mas ao mesmo tempo sabe que o tempo é da paródia. O verdadeiro bang bang não pode mais existir. Mas a partir da paródia, partindo dali, ele lhe dá existência. É um pouco como o Clint Eastwood com “Os Imperdoáveis”: há um sentimento de fim, de arremate, de concluir alguma coisa, ao mesmo tempo em que traz alguma coisa de novo. Acho que o Clint trouxe mais, é mais profundo, mas isso é outra história.
Ouço reclamações contra o Leonardo DiCaprio, mas não sei, tenho a impressão de que isso virou já uma espécie de esporte, odiar o Leonardo DiCaprio, como aqueles grupos antigos de orkut.
Toda a sequência dele é muito forte, com aquela irmã imbecilizada e, sobretudo, o Samuel L. Jackson, que faz uma personagem excepcional, a do negro que leva sua submissão ao máximo completo, ao amor a seu patrão e à sua terra. Um pouco como em certos velhos filmes do Sul, mas elevado ao cubo. Não vou dizer que lembro o Shock Corridor, mas tem alguma coisa daquela demência ali, numa sequência em que tudo é demente. E todos.
Uma coisa apenas me incomoda ali: é que é nítido que os diálogos do DiCaprio e do Waltz foram escritos pela mesma pessoa. Ou, se não foram, se houve margem de improviso ali, um se espelhou no outro, então ficam muito parecidos, inclusive no jeito de fingir e no cinismo.
Por outro lado, que idéia excelente, essa de botar uma Brunhilde escrava no Oeste… É isso que faz o alemão se interessar por Django e sua história. Até ali é só um caçador de recompensa a mais. Dali por diante já está na mitologia alemã, misturada com western spaghetti, saga sulista, western americano, enfim essa salada tarantinesca bem característica, bem interessante.
E essa história do Spike Lee dizer que não ia ver o filme porque lá se fala em “nigger”? Me parece uma bela palhaçada. Queria que falasse como? Afro-american? Às vezes parece que se perde o senso de medida…