Blog do Inácio Araújo

Em defesa dos motoboys (e mais Som ao Redor)

Inácio Araújo

Bem, todo mundo odeia os motoboys. São chatos que ficam acelerando no sinal vermelho, que ultrapassam pela direita a 100 por hora, que chutam os carros, que não entendem patavina de trânsito ou antes, acham que as leis de trânsito foram feitas para lhes dar passagem. Etc.

Por isso me parece certo que exista uma legislação mais exigente, não só para defender a vida deles (são três mortes por dia, não sei se apenas em SP ou no Brasil todo, de qualquer maneira é um absurdo).

Tudo muito bem. Concordo até que eles paguem pelos equipamentos agora exigidos, que, afinal, protegem a vida deles antes de qualquer outra coisa.

Mas tem uma coisa: exige-se deles um curso que 1) não tem quase vagas; 2) é caríssimo.

Me parece muito injusto que o rapaz pague R$ 400 ou R$ 500 pelo curso. Isso é quase o que eles ganham por mês.

Não seria possível as instâncias tipo DSV ou Detran, sei lá, bancarem esses cursos?

Porque esses chatos são explorados até a raiz, e essa é uma das razões deles correrem que nem malucos pelas avenidas: têm de fazer uma montanha de corridas para faturar algum.

E, a propósito, sendo algo de interesse geral, me parece que a profissão poderia, então, ser regulamentada e ganhar salários decentes.

Já que nós, em casa, somos os que queremos o documento no dia, a pizza quentinha e tudo mais. Somos os que exigimos esses serviços rápidos.

Enfim, multar e multar os caras sem oferecer nada em troca não está certo.

Não me parece uma categoria cheia de gênios. O que eles vão fazer é parar a avenida Paulista e 23 de Maio e tal. Tenho a impressão de que seria necessário haver uma negociação decente, digo, pós-escravagista, nesse caso.

Globo Filmes vs. Som ao Redor

Abaixo, a resposta de Kleber Mendonça Filho ao diretor da Globo Filme que o desafiou a fazer um filme com mais de 200 mil espectadores. Isso por conta de uma entrevista na Folhaem que KMFdiz que se o vizinho dele filmar o churrasco de sábado e isso for distribuído pela GF chegaria a uns 200 mil espectadores.

Claro, isso era puramente hipotético, não era nem um ataque à GF, que, claro, não distribuiria qualquer filme capaz de incomodar a sua freguesia, ou susceptível de escapar a um certo padrão que todos conhecem, para o bem ou para o mal, não importa.

Seja como for, KMF produziu uma resposta irretocável, e que merece ser lida, pela elegância, pela inteligência, pelo humor. Aí vai:

“Estava em trânsito o dia inteiro, cheguei em Istambul onde O Som ao Redor será exibido nos próximos dias. O Facebook e a imprensa fervilham com nosso embate. Preciso lhe agradecer pelo desafio, mas sua proposta associa a não obtenção de uma meta comercial (200 mil espectadores) como prova irrefutável de que eu não seria um cineasta. Isso não me parece correto, pois o valor de um filme, ou de um artista, não deveria residir única e exclusivamente nos número$. Sobre ser crítico ou cineasta, atuei como ambos e meu discurso permanece o mesmo, e sempre foi colocado publicamente, e não apenas em mesas de bar: o sistema Globo Filmes faz mal à idéia de cultura no Brasil, atrofia o conceito de diversidade no cinema brasileiro e adestra um público cada vez mais dopado para reagir a um cinema institucional e morto. Devolvo eu um outro desafio: Que a Globo Filmes, com todo o seu alcance e poder de comunicação, com a competência dos que a fazem, invista em pelo menos três projetos por ano que tenham a pretensão de ir além, projetos que não sumam do radar da cultura depois de três ou quatro meses cumprindo a meta de atrair alguns milhões de espectadores que não sabem nem exatamente o porquê de terem ido ver aquilo. Esse desafio visa a descoberta de novos nomes que estão disponíveis, nomes jovens e não tão jovens que fariam belos filmes brasileiros que pudessem ser bem visto$, se o interesse de descoberta existisse de membro tão forte da cadeia midiática nesse país, e cujos produtos comerciais também trabalham com incentivos públicos que realizadores autorais utilizam. Não precisa me incluir nessas novas descobertas, gosto do meu estilo de fazer cinema. Ainda estou no meio de um grande desafio com O Som ao Redor, 9 cópias 35mm, mais algumas salas em digital, chegando aos 80 mil espectadores em 8 semanas, e com distribuição comercial em sete outros países. A maior publicidade de O Som ao Redor é o próprio filme. Para finalizar, esses embates são importantes, fazemos cinemas diferentes, em geografias diferentes. Obrigado, tudo de bom. Kleber”