Virada à paulista
Inácio Araújo
Não acredito, francamente, que seja obra do governador a produção de eventos policiais durante a Virada Cultural.
Tendo a acreditar (é uma crença, apenas), sim, que a PM tenha feito corpo mole na vigilância, até porque leio vários testemunhos nessa direção.
A PM teoricamente é responsabilidade do governador, assim como a segurança pública. O problema é que na prática a PM age como melhor lhe convém. Isso não é de agora, vem dos tempos da chamada “gloriosa Força Pública”.
A PM não só pratica como patrocina indiretamente a violência, de cujo combate vive (e em cujo combate não raro morre, pois enfrenta reações cada vez mais organizadas e mortais).
Dito isso, a PM pode não ter combatido efetivamente os arrastões, mas também não os promoveu, isso é certo.
Mas quem teria promovido esses arrastões? Seria o crime organizado? Parece improvável: a Virada não afeta seus interesses, até onde se pode perceber.
Apenas como exercício de ficção não me parece impossível pensar que isso se organize a partir de grupos tipo neofascista, para quem a cidadania é a primeira inimiga. Pois arrastão na Virada, do ponto de vista econômico (e a menos que houvesse mesmo acordo com a PM) não creio que compense o risco.
Na Virada quase tudo é de graça. As pessoas não levam dinheiro, a não ser para alimentação ou uma comprinha no camelô, essas coisas. Não é um lugar de reunião de ricos. Um arrastão numa praia do Guarujá, em janeiro, de acordo, pode compensar os riscos. Mas na Virada?
Sim, porque o mais interessante da Virada não é que seja uma reunião de eventos gratuitos, mas que durante 24 horas todos possam desfrutar de uma igualdade de direitos e deveres diante das coisas. Vamos todos de metrô ou similar. Caminhamos pelas mesmas ruas. Podemos ver a Gal ou lá quem seja, os ricos e os pobres. Não faz diferença. Que tudo isso se dê em torno de eventos culturais, tanto melhor.
A Virada é uma conquista da cidadania, criada, aliás, num governo do PSDB. Apesar de serem evidentes as tendências suicidas desse partido tenho dúvidas de que seria tão suicida assim.
Já uma quase insignificante questão me parece, sim, de responsabilidade de alguma instância do governo estadual. A falta de luz por quase quatro horas bem na região onde estava a alimentação poderia ter gerado tumultos sérios. E isso sim podia cair como veneno no colo do governador.
Em suma, não vejo como partidarizar sucessos e problemas da Virada Cultural. Vejo esse evento como uma espécie de guerra, onde todo mundo fica junto independentemente de visões divergentes.