Blog do Inácio Araújo

Arquivo : July 2013

Um abraço na Cinemateca
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Inácio Araújo

Como pedi aqui uma resposta da gente de cinema (inspirado em grande parte, aliás, pela indignação da Carol) à situação ridícula em que Marta Suplicy jogou a Cinemateca, aqui está a animadora resposta do Daniel Chaia:

“Em março foi criada uma comissão interna para acompanhar a situação da Cinemateca, da qual fazem parte eu, Thiago Mendonça, Carol Ghidetti e Paula Pripas. No nível que a situação chegou em junho, decidimos pelo envio ao ministério e publicação de uma carta aberta sobre a situação da Cinemateca, com conteúdo que foi consenso na ABD-SP. Está aqui, se puder divulgar no seu blog:

https://www.facebook.com/abdsaopaulo?ref=ts&fref=ts

Vamos também realizar um ato público em defesa da Cinemateca, um grande abraço de todos, que queremos que seja realmente impactante, durante o festival de curtas em fim de agosto, quando estarão aqui cineastas de todo Brasil. Estamos ainda bolando minimamente o ato, e em avaliação sobre o melhor dia, quando tivermos o dia e hora definidos te escrevo para que nos ajude divulgando no blog. Devemos definir essa data até o começo dessa semana, para que dê tempo de tudo.”

Bem, podemos esperar de outras entidades, paulistas ou não, de grupos esparsos, de pessoas e tal uma bela adesão a esse abraço. Embora eu, pessoalmente, ache mais eficaz parar o trânsito de qualquer lugar. Se tem gente parando a av. Paulista até para apoiar quem é contra o governo do Rio…


Um julho para não esquecer
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Inácio Araújo

O que se passou? Onde estamos? Houve a retrospectiva Jacques Rivette, do Francis Vogner e do LCO Junior, a invasão do Sesc pelo Festival de Tiradentes e por fim o Hawks completo no CCSP. E ainda teremos uma retrospectiva Oscar Micheaux, também no CCBB (a partir da próxima semana), que o Thiago Stivaletti comanda.

Não me queixo de ter estado fora esse tempo todo, no entanto, porque estava em Bologna, onde fico dedicado inteiramente aos filmes, e depois conheci enfim a nova Cinemateca Francesa e seu ciclo Raffaelo Matarazzo.

(De passagem, lembro aos amigos que estarei no Centro Cultural São Paulo nos dias 24, 25 e 27 de julho, com um curso sobre Howard Hawks. É gratuito, basta se inscrever no local até o dia 20).

Mas São Paulo está excelente, e tudo aquilo que vimos como um trabalho que parecia insano, da crítica jovem na internet, agora aparece com força. Infelizmente, existe essa situação insana na Cinemateca. Os cineastas deviam estar na ponta da luta, exigindo um tratamento decente – apenas isso, decente – para a instituição.

A resposta que Marta Suplicy deu ao Ismail, quando ele foi, presidente do Conselho, a Brasília, e se é que foi essa mesmo, é inacreditável: disse que a coisa vai ficar assim mesmo até que a Corregedoria estude as contas da gestão passada e tal.

Ou seja, uma conversa fiada sob a cortina de fumaça da probidade (ah, eu detesto os puritanos e seu moralismo, isso me ensinou John Ford: o mal está inscrito em suas faces). Se fosse parar cada instituição onde há suspeita de corrupção e contas furadas… bem, o país ia parar inteiro.

Então, a única consequência disso é mesmo de dar à Cinemateca uma existência vegetativa: interromper trabalhos, dispensar pessoal que (contratado direito ou não é outra história) já tinha treinamento etc.) é um crime de lesa imagem que extrapola os limites do razoável e, mais, do perdoável.

(Leio já em algum lugar: cineastas se mobilizam para obter dinheiro – a grana, no jargão – para fazer filmes. Não movem um milímetro para defender a preservação de imagens que eles próprios já fizeram ou farão, o que é tão vergonhoso quanto o que faz a Suplicy no MinC, e talvez tão destrutivo).

Limões e Limonadas

Bem, é o que se diz: do limão fazer uma limonada.

O Conselho da Cinemateca é uma gentil reunião de gente ligada a cinema: professores, cineastas, veteranos em geral.

Ele reflete esse tipo de isolamento que o cinema conhece em relação à cultura em geral. Claro, existe no Conselho a Lygia Fagundes Telles. Mas porque ela é a viúva de Paulo Emílio. Existe Zulmira, mas não pela sua ficção, e sim por seu pertencimento ao cinema. O próprio Bresser está lá porque é um cinéfilo, não por sua importância como economista e político.

O cinema se isola, assim, a partir de seu órgão que mais intensamente reflete um elo entre prática e teoria. Não vejo escritores, nem psicanalistas (no entanto, eles promovem aproximações com o cinema e mostram-se dispostos a compreender o cinema como modo de conhecimento autônomo, não um apêndice ilustrativo de outros conhecimentos), historiadores etc.

Seria importante e oportuno o conselho se abrir neste momento de crise absoluta.


O cego e o elefante
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Inácio Araújo

(ou Allan Dwan e eu)

Com o pedido de perdão pelo sumiço, o problema é o seguinte: o teclado francês de computador, mais que o italiano, é infernal.

Para nós, claro: o A fica no lugar do Q, por exemplo, e vice-versa. Eu escrevia e, quando ia ver, estava uma maçaroca inacreditável.

Então parei. E, de Bolonha, volto atrasado apenas para re-registrar o encontro com o cinema de Allan Dwan, de que eu só conhecia um Ali Babá mudo (1922, se não me engano) e “The Sands of Iwo Jima”, já sonoro.

No mudo ele teve prestígio realmente grande, que se estendeu para o começo do sonoro. O filme dele com a Gloria Swanson, “Manhandled”, é muito, muito forte, mas não é o único entre os que eu vi

Algo que se repete com frequência em parte de seus filmes: a presença ou ausência do pai como proteção. Por vezes, como em “While Paris Sleeps”, o pai deve se esconder (era um forçado, a filha não pode saber) para protegê-la. Ela acredita que ele, também herói de guerra, está morto. A cena final, com Victor McLaglen explodindo um prédio, morrendo junto, não sem antes berrar que “os mortos devem continuar mortos”, é uma obra-prima.

Em “Manhandled”, o noivo faz papel de pai, e quando se afasta a moça faz besteira. Belíssimo o início: os pés das funcionárias de uma grande loja descendo as escadas, no fim do expediente. E, logo em seguida, Gloria Swanson no metrô cheio: notável. Mas não a única coisa notável da história.

Me pareceu interessante os anos 40, fim dos 30: primeiro, fim dos 30, ele parece ter menos prestígio na Fox. O que vi em seguida, anos 40, tem produções pequenas, da Republic, com momentos fortes, mas um pouco acanhados.

Dos 50, pude ver “Silver Lode” (Homens Indomáveis), o filme de que o Scorsese tanto fala, o filme anti-McCarthy. Gostaria de rever sem essa injunção (que por si só é extraordinária…), porque o filme me parece superar esse episódio específico. Assim como “Tennessee’s Partner” (A Audácia É Minha Lei”), que se passa disso: John Payne é um jogador de bom caráter que só tem por amigo Ronald Reagan: o resto da cidade o tem como criminoso.

“O Mais Perigoso dos Homens”  é um filme, também, de homem solitário contra um mundo corrupto. Mas me pareceu (não pude ver  inteiro) que a produção desse seu último filme era muito, muito deficiente). Coisa de fazer falta mesmo.

Lendo agora a filmografia no IMDb vejo que vi alguns outros filmes dos anos 50, mas só agora, acredito, me fiz uma ideia de sua personalidade: uma abordagem muito direta da cena, sem nenhuma firula, é seu hábito. Essa cena ele faz habitar por homens de grande pureza numa sociedade que se corrompe facilmente. Esse me parece o tom dos 50: a solidão do herói é quase delirante. Trata-se de um mundo onde não há lugar para justiça, onde os ideais do jovem Dwan, de “nobre primitivo” parecem enterrados, assim como as esperanças dos anos 40 em uma renegeração.

Digo isso depois de ver uns oito filmes (sem contar os primeiros, rápidos, onde a ideia de pessoas impolutas na alma triunfando sobre um mundo já um tanto pestilencial se impõe).

Diante de um cara que fez tantos filmes é como a história do cego apalpando o elefante.

Mas o que mais se pode fazer? – como pergunta a heroína do “Hiroshima”, aliás outro belo restauro que se pôde ver no Ritrovato deste ano.


Bologna: o passado e o futuro
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Inácio Araújo

Pensa que eu falo de Bologna e do Cinema Ritrovato por nostalgia? Ou esnobismo?

Não é nada disso. As velhas imagens valem dinheiro: grana no dialeto cinematográfico.

No cinema aprendemos como num momento determinado a humanidade viveu, fumou, amou, odiou, como sonhou e como se vestiu. Como eram seus gestos, sua maneira de chorar e de rir, de ser simples ou intelectual.

E quanto mais passa o tempo, mais o tempo atribui a esses testemunhos não só um valor artístico ou de conhecimento como econômico (grana…).

E por isso me parece insuportável que os estudantes se mobilizem, os caminhoneiros, os gênios, os idiotas, mas não vejo notícia de os cineastas se mobilizando para exigir do MinC que a Cinemateca volte q funcionar como Cinemateca.

Porque eu penso que seja impossível engolir a desculpa de que um órgão cesse, na pratica, sua atividade, por suspeita de corrupção. Se isso fosse verdade a única coisa que existiria no Brasil seriam ministérios, empresas e sei mais o que fechados.

Não entendo o que querem os cineastas (fora grana, claro), pois daqui a uns anos tudo que restará como memória de imagem deste pais estaria nos filmes que apodrecem na instituição que existe para preservá-los.

E os filmes de Bolonha? Estou cheio: espero em breve falar de Allan Dwan, de quem fizeram uma bela mostra.


Bologna: apenas o início
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Inácio Araújo

A primeira lição de Bologna, do Cinema Ritrovato em todo caso, é que não se pode ter tudo nessa vida.

Logo no primeiro dia algumas escolhas tem de ser feitas: Allan Dwan ou Vittorio de Sica, Olga Preobrajennka ou os pioneiros do falado no Japão?

Não é das coisas mais fáceis.

Em todo caso fiquei com o Dwan. E apesar disso perdi por enquanto os seus últimos filmes dos 40 em diante.

While Paris Sleeps, de 1932, é o que vi de excepcional dele até agora.

Vou ver uns mudos. Vi os primeiros, anos 11, 12 do século passado, muito interessante para perceber a evolução em um ano apenas. Dele, por certo, mas é um momento de mudança do próprio cinema.

Dwan: ele conta que chegou ao cinema quando era funcionário de uma companhia e foi fazer um serviço no Oeste. Lá, encontrou a equipe de filmagem perdida na locação. O diretor tinha tomado um porre e fugido com a atriz. Ele ligou para a companhia e os caras disseram: – Então você dirige. Ele reuniu a equipe e disse: – É o seguinte, ou eu dirijo o filme ou não tem mais filme. Topam? E a equipe: – Claro, você é o melhor diretor do mundo! E ele: – Então voces me dizem mais ou menos o que fazer…

E eles fizeram.

Qual a diferença, afinal? Tirando um ou outro nesse tempo ninguém sabia muito bem o que fazer.

O nome da sessão Dwan aqui é: O Nobre Primitivo.

Fiquemos com o nobre. A idéia de nobreza, nobreza da alma, é, com efeito, central no cinema dele.

While Paris Sleeps: Victor McLaglen é um forçado foragido e, ao mesmo tempo, um soldado condecorado. Tem uma filha, que fica orfã quando morre a mãe. Do pai ela só sabe que foi um grande herói etc. e tal. Bem, ela se encontra em Paris, na pior, sem casa para morar, quase nas mãos de um gigolô bem safado. E McLaglen a encontra. Fica perto dela, mas não pode nunca dizer que é seu pai: seria terrível para ela descobrir quem é de fato o pai, um condenado… Mas ele fica agindo como anjo da guarda, contra tudo e contra todos, com aquele corpanzil de McLaglen.

Essa intriga tipo Os Miseráveis é levada com extraordinária leveza.

Por falar em leveza, é preciso lembrar da “Carmen” do DeMille, de 1915, que passou na Praça Maggiore. Pesadona, bem De Mille. Por sorte, passou também a paródia feita por Chaplin logo em cima. Na bucha: genial. O filme do De Mille só vale por ter inspirado a gozação do Chaplin.

 Japoneses

Ou, por enquanto, Naruse: Duas Mulheres, de 1935, é a cara de Naruse. A história é a de um homem com duas famílias e o sofrimento das mulheres, de certo modo das suas famílias. O outro, Cinco Homens no Circo, também de 35. É curioso: meio comédia e meio musical, pouco Naruse na verdade, mas como sempre tem momentos de invenção e brilho. Não vale Duas Mulheres, que tem maior profundidade de observação, reiterada plano a plano. Domínio do sonoro: estava em casa.

Por falar em japoneses, a Cinemateca Japonesa fez um belo restauro de A Rotina Tem Seu Encanto. Estranho filme: em cada país tem um título diferente: O Gosto do Sakê (França e Itália), Tarde de Outono (EUA). Será que o nosso é o mais fiel ao original? Em todo caso é o título que menos tem a ver com o filme. Que por sinal, confirme-se, é uma maravilha, obra-prima completa. Parece que Ozu acompanha a evolução dos costumes no país ano a ano. Aqui pela primeira vez, que eu me recorde, as mulheres levantam mesmo a cabeça.

De todo modo é o anti-Naruse. Nem psicologia, nem movimentos de câmera, nem um lamento que sugere transformação. Apenas a observação apaixonada do mundo.

Falta muita coisa. Fico por aqui: nem corrigi o fuso horário direito.

Alemão é primeiro mundo!

Para quem vive se queixando do caos aéreo brasileiro: pela segunda vez fico sem mala por causa da Lufthansa e em Frankfurt. Bem, pelo menos eles acham e entregam no dia seguinte. Alemão é tão organizado…


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