Flores Raras
Inácio Araújo
Ponto 1 – Logo na abertura, antes ainda do filme, aparece o brasão do governo do Rio de Janeiro (será do Estado? acho que sim) e a frase: “Juntando Forças”. Sério? Só se for juntando forças contra si.
Ponto 2 – Bruno Barreto sempre perseguiu um ideal clássico de cinema que, quase sempre, deu em cinema acadêmico. Aqui, no início, ele consegue chegar a algo realmente forte. Até o momento em que se manifesta o amor entre Lota de Macedo Soares e Elizabeth Bishop, inclusive com uma cena de amor bem ousada para os dias de hoje.
Embora se trate do amor entre duas mulheres ilustres, trata-se sempre de homossexualidade. E Bruno não amacia, não.
Depois, o filme se torna com efeito um filme “baseado em fatos reais”. Existe uma seleção no mínimo desigual (e no máximo de doer) das cenas de vida familiar envolvendo as duas mulheres e mais Mary, a ex-amante de Lota e amiga de Bishop desde quase a infância.
Ponto 3 – “História real” ou não, seria mais interessante mostrar uma Lota menos masculinizada, menos agressiva. Fiquei com impressão, no início, de que era apenas uma mulher agressiva, decidida etc. Parece que à medida que o tempo passa a concepção vai mudando um pouco, e “força” vira um atributo masculino.
Ponto 4 – Penso que o final é bem infeliz, com aquelas frases todas. O que justifica o filme (dramaticamente) é o amor entre duas mulheres, não o fato de Elizabeth Bishop ser quem é. Comercialmente é outra história. O filme é sincero o bastante para que se possa dizer que é preconceituoso por causa desse final, claro. Mas fica a impressão de uma imposição comercial, de um vamos limpar a barra delas porque são excepcionais, etc. etc. Melhor esquecer aquelas coisas. Parece a abertura do “Scarface”, o primeiro.
Ponto 5 – Bruno Barreto não devia ter chamado Glória Pires, e Glória Pires nunca devia ter aceito o papel. A maior parte do tempo a gente fica vendo ela fazer o papel de Tony Ramos em “Se Eu Fosse Você”. Isso independe da qualidade de interpretação. De todo modo penso que ela era a atriz menos indicada para o papel.
Ponto 6 – Mas tudo isso é secundário. É o inferno da representação que assalta o filme. É a “vida real”. É aquele bebê chorando. São as bebedeiras de Bishop, os pitis de Lota, o gato, o bebê, os móveis do escritório e os prêmios de Bishop. A vida real não precisa da arte para existir. Ela existe e ponto. Fico pensando: digamos que, em vez daquela cena bestaem que Bishopescova os cabelos de Lota, Bruno imitasse o que faz Godard no “Alphaville”, e a cena irradiasse poesia. Fosse poesia. Seria muito mais fiel à realidade amorosa e poética das duas mulheres (e do cinema).
Ponto 7 – O filme ganha de novo no momento de ruptura das duas, quando Bishop decide dar aulasem Nova York.Arelação entre a lua e a iluminação do parque no Flamengo é boa, mas poderia ser melhor se não fosse tão manchada de “vida real”.
De todo modo, a parte final do filme é mais forte, chega a lembrar a inspiração do início, que foi abatida pela sensaboria posterior.
Ponto 8 – Dito isso, é um filme a ver. Não digo por condescendência. Me parece bem mais interessante do que as coisas no circuito comercial.