Será “O Capital” capital ?
Inácio Araújo
Ainda bem que não escrevi antes sobre O Capital.
Antes de rever o filme, sobretudo.
Acho que ando no que médicos chamam de “processo de regressão cognitiva”, que é quando o sujeito deixa de ter interesse em adquirir novos conhecimentos.
Assim com o Costa-Gavras e seu Capital.
Tenho uma ideia feita sobre o diretor francês. Greco-francês, dirão alguns. Comuno-francês, prefiro eu.
Mas é um pouco essa ideia mesmo, a do cineasta excessivamente político, sempre atrás de uma causa justa, que criei dele. Gorilas gregos, déspotas tchecos, milicos chilenos. Costa-Gavras tem uma inclinação para correr o mundo atrás de boas causas. E elas existem, são mesmo justas etc.
Mas a eficácia de seu cinema me parecia reduzida.
Mesmo o célebre “Z” era um impacto incrível, mas perdia-se: o aspecto thriller acabava triunfando, de maneira que a postulação de “verdade” para aqueles fatos, por verdadeiros que fossem, acabava um pouco escorrendo pelo ralo.
Bem, O Capital:
Para começar: ainda bem que existe alguém para fazer um filme sobre isso, no momento em que o triunfo do capital financeiro é considerado não mais um triunfo histórico, mas quase biológico.
Por mais que a turma da direita se ache colocada contra um muro e tal, é preciso dizer logo e com franqueza: eles é que venceram. Eles é que fazem a maior parte das pessoas acreditar que essa é uma verdade eterna. Já devidamente naturalizada.
Estamos longe de “Z”. Atualmente se erigem estátuas, se fazem filmes à glória de Thatcher…
Então é bom, para começar, que surja a contradita. O Costa-Gavras.
Mas, se eu relutei em me atualizar, ele o fez muito bem.
Ao contrário de outras ocasiões, em que reconstituiu fatos com paixão realística, desta vez Costa-Gavras buscou ser demonstrativo.
Também numa grande tradição da esquerda.
Assim, uma coisa que me irritou na primeira visão foi o fato de o presidente do banco, Tourneuil, ser ele mesmo e seu contrário.
É um banqueiro e a consciência do que faz um banqueiro – o que é impossível.
A menos… claro, que o filme não se pretenda realista.
E ele não se pretende.
Passemos por aquelas cenas em que Tourneil imagina situações. São muito ruins, mas são felizmente poucas.
E pouco para invalidar a maneira cristalina como as operações “Robin Hood dos Ricos” (que fazem os ricos mais ricos e os pobres mais pobres) podem se desenvolver.
Ele não finge que aquilo se passe daquele jeito. Ele organiza uma hipótese. E o faz bem.
Mas é do ponto de vista da mise en scène que o filme se sai muito bem.
Não falo da música, que é usada para envolver o espectador, bem classicamente. Talvez até exageradamente.
Funciona.
Mas me interessou mais o controle das coisas. O acúmulo de detalhes por vezes insignificante que dão aos personagens uma vida bem realisticamente, mas que depois o filme desmente, e não só quando o presidente dialoga com a câmera.
Me parece que Costa-Gavras joga muito bem, da maneira mais sólida que já o vi fazer, com o espectador.
Ele constrói seu presidente, seu Tourneuil, como um cara que vê tudo, que está num jogo e tem que ser melhor que todos os adversários. Tem que ver melhor.
Mas, ao mesmo tempo, ele nos dá sempre a esperança (bem à maneira clássica) de que evoluirá para o lado “do bem”.
Só para em seguida novamente nos decepcionar e fazer dele um executivo implacável.
É essa forma de distanciamento e aproximação filme/plateia que C-G desenvolve aqui com muita desenvoltura.
Sim, no fim me parece que O Capital é capital. Por que não?