Um tira e um Prata
Inácio Araújo
Li o artigo do Antonio Prata na Folha de domingo apenas depois de ler a espantosa, antológica coluna de cartas ao leitor da segunda-feira.
Não é apenas o direitismo agora atrevido das pessoas que assusta.
Somos um povo de direita, ao menos nós da classe média, marcados profundamente pela ditadura e pelo rancor (não sei se um e outro vêm juntos) – isso é sabido.
Queremos lei e ordem, sobretudo aparência de lei e ordem contra os fracos, contra os pobres. Penso nisso cada vez que vejo um desses carrões de vidros escuros fazendo conversões absolutamente proibidas, ou subindo na faixa de pedestres como quem entra em casa… Estamos construindo um novo Brasil, dizem. Ok.
Mas o que mais me espantou foi essa incapacidade tão paulista para o humor.
Quer dizer: de quatro pessoas que escreveram, três ao menos não perceberam que se tratava de um texto inteiramente sarcástico, uma paródia do que fazem os colunistas de direita.
Quem me ensinou a gostar do Antonio Prata foram os meus filhos. Eu sou da geração do pai, que é um grande e bem humorado sujeito.
Acho mais difícil a vida do jovem Prata.
Lida com uns caras que, num parágrafo, gritam contra o que chamam de politicamente correto e no momento seguinte se queixam de bullying
Mas, como dizia, o problema não são os escribas. São os leitores.
Essa gente que emporcalha a internet com sua bela ausência de cérebro, por exemplo.
Eles é que mantêm o debate ao rés do chão e se deleitam que ele esteja ali, onde acreditam poder entender alguma coisa.
Mas não entendem nem um humor um pouco mais sofisticado.
Sim, só lhes resta o Pânico. Em todos os sentidos.
Quero dizer: essa crônica de tantos méritos do Prata tem seu maior mérito fora dela. Vem desses boçais, desses bárbaros que compõem a classe semi-alfabetizada de São Paulo.
A meritocracia
Ele apareceu domingo no TV Folha. E hoje apareceu numa bela entrevista.
Um homem muito inteligente. Não esperava isso de um ex-PM.
Mas é justamente a questão da polícia que ele aborda em sua tese, que vai ser lançada em livro, que foi orientada por Celso Lafer.
Em resumidas contas diz: o espírito policial é herdado da ditadura (eu diria que vem de muito antes, vem de Canudos pelo menos, mas isso é detalhe); diz que o criminoso suposto é visto como inimigo, portanto deve ser morto (por isso ele fala de ditadura: é da guerra contra a guerrilha); diz que a polícia incentiva os assassinatos, isso é bem visto e premiado pela direção; diz que quando a coisa esquenta, sai na mídia, dá rolo, as chefias tiram o corpo fora e falam de “falha individual”; diz que se há tantas falhas individuais o sistema policial é perfeito.
Diz muitas outras coisas, que traduzo no meu estilo tacanho: a polícia foi feita para perseguir, prender e eventualmente matar, ou seja foi feita para oprimir pobres e pretos por todos os meios disponíveis.
Isso que alguns dos meus colegas favoritos chamam de meritocracia.