Blog do Inácio Araújo

Arquivo : May 2012

O Mistério dos Mistérios de Lisboa
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Inácio Araújo

Deve haver uma explicação, é claro, mas a primeira notícia é quase chocante.

“Mistérios de Lisboa” entra em cartaz, sim. Mas numa sessão apenas, no CineSesc.

Uma sessão, ok. Mas a sessão de duas da tarde. 14h.

Se fosse das 16 às 20h. Se fosse das 20h às 24h, fazia sentido.

Mas sessão das duas para um dos filmes mais bonitos dos últimos anos…

Eu, que não sou Raoulruizista fiquei de boca aberta, é um filme impressionante, o melhor da Mostra de 2010, junto com “Carlos” (que não entrou em cinemas até agora).

Não é que o filme merecesse sorte melhor. Nós é que merecíamos. Não somos tão ruins assim.

Um Bandido, dois Bandidos

Estréia finalmente “Luz nas Trevas”.

Não se pode esperar um filme do Rogério Sganzerla. Não é isso. Não poderia ser.

E a coisa mais certa que fez Helena Ignez foi tomar o filme a si, quase como uma obrigação, mas não tentar ser Rogério.

E o resultado é a defender.

Gosto da aproximação entre os dois bandidos, ainda que fique um tanto a meio de caminho, um tanto na psiquê do filho, o Tudo-ou-Nada.

E Tudo-ou-Nada ser nada, ser uma insignificância, uma imitação barata do pai, me pareceu um achado, porque está bem de acordo com os nossos tempos.

Nada do sensacionalismo que fazia de um pobre coitado, como o Luz, o grande inimigo público.

Hoje a enganação é mais engalanada. O buraco é mais em cima.

Os pés de chinelo morrem em silêncio. Têm o direito de berrar enquanto são torturados.

Detlef, Douglas

É quarta-feira que começa em São Paulo.

Voltarei ao caso. A retrospectiva Douglas Sirk é de uma completude esmagadora.

Tirando os filmes que fez com os alunos, depois que voltou à Alemanha, acho que tem tudo.

Há do óbvio ao raro.

Com a ressalva de que até o óbvio é raro, isto é, não se vê em cinema.

Os filmes que eu conheço feitos na Alemanha, “La Habanera” e “Recomeçar”, aqueles da Zarah Leander, são muito bons (e há um quê nazi bem sutil no roteiro, mas convém esclarecer que Douglas, então Detlef Sierck, era antinazista já então: um dia conto a história se for preciso).

A fase da Columbia, até onde conheço, é mais fraca um pouco.

Mas quase tudo é bom depois que ele vai para a Universal.

“Thunder on the Hill” é uma beleza, “Sinfonia Prateada” e “Mulher de Fogo” são comédias muito, muito interessantes.

O que me enche são uns filmes já mais para o fim, como “Sinfonia Interrompida” e “Hino de uma Consciência”.

Ainda assim, gostaria de rever, para ver se os filmes mudaram ou mudei eu.

Enfim, um ciclo a não perder.

Como disse, voltaremos.


São Paulo: Virada 2012, Metrô, Tinoco
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Inácio Araújo

É bem impressionista, o que vou dizer, mas o passeio da Virada Cultural paulistana, este ano, me pareceu muito, mas muito menos interessante do que o dos anos recentes.

Não sei se isso tem relação com a Virada carioca, no mesmo dia, que estabelece certa concorrência. Mas acho que não.

Por outro lado, não sei se o investimento muito alto do Sesc acaba tirando da Virada sua principal virtude, que é o restabelecimento do Centro como espaço de convívio democrático.

Com desculpas pelo uso da palavra “democrático”, que serve para mais ou menos qualquer coisa. Tento dizer que ali aparecem e aproveitam das mesmas atrações os ricos e os pobres, os que vêm de longe e os de mais perto. O Centro nos iguala, no sentido em que mostra que somos muito mais parecidos uns com os outros do que às vezes imaginamos.

Isso é que eu vi pouco. Vi pouco passeio e muito ajuntamento. Vi muito artesão espalhando suas produções chatas na calçada. Vi muito show paralelo, ou que nome se queira dar a isso, mas são basicamente caça-níqueis.

Talvez a Virada esteja muito grande, talvez um pouco dispersa… Não sei, este não foi um ano de encantamento para mim.

Metrô

Esperando o Metrô tive o “insight” terrível: o Metrô de SP nunca vai dar certo.

Ele precisaria de trens muito maiores para comportar a demanda de uma cidade deste tamanho.

Por isso os trens se apinham de gente, embora a rede seja ridiculamente pequena.

Não sei se nas linhas novas os trens são maiores. Mas as ainda principais (Norte-Sul e Leste-Oeste) sofrem de pequenez.

Ou seja, não são concebidas como transporte público, mas como “transporte de pobre”.

E haja carro na rua.

Tinoco

É incrível que, tendo morrido Tinoco – com a devida comoção nacional – não tenha sido exibido um mísero filme que tenham estrelado.

E eles foram feitos.

Onde estão? Em que estado estão? Há restauro em andamento?

Caminhamos um tanto nesse sentido, mas falta um monte.

Se o cinema ficar nesse conformismo, se a preocupação continuar sendo apenas a mesma de sempre (mercado, dinheiro para produção e tal) é bom indagar logo qual o sentido disso tudo.


Bórgia, Corleone, Cachoeira
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Inácio Araújo

Sou um observador distante da política. Por exemplo, para prefeito de São Paulo voto no primeiro que se dispuser a pôr um fim nessa lei que numera os lugares dos cinemas.

Por todos os motivos: acho as filas um lugar legal para fazer amizades (que acabam no momento seguinte, de preferência) e para encontrar amigos antigos. Lugares marcados só servem para tornar o cinema um lugar mais solene e para beneficiar firmas de venda de ingresso pela internet.

Mas não é disso que eu queria falar. Sou observador distante da política. Observo as imagens um pouco mais atentamente.

O que está acontecendo no Brasil, hoje, com essa história de Cachoeira, me remete a duas obras: “Os Bórgias”, cuja segunda temporada ainda não entrou aqui na TV, mas já está rolando, e “O Poderoso Chefão”.

Os Bórgia valiam-se do envenenamento como método principal de construção de seu poder.

Já Vito Corleone era um cara da conversa. Podia agir com violência, mas esse não era o seu método.

Minha impressão dessa história de Carlinhos Cachoeira é que as pessoas (Congresso, jornais, etc.) estão lendo os fatos na linha da velha intriga política (uma propina aqui, prejudicar o adversário ali etc.).

Mas não é isso o que estavaem marcha. Naminha opinião estamos diante de um fenômeno perto do qual toda a corrupção que se possa ter detectado no passado no Brasil é coisa de criança.

Mensalão, privatização, Collor, o que se quiser: tudo coisa de amadores.

Cachoeira é um profissional. É a isso que se precisa atentar. Não importa nada se tal deputado pegou uma graninha aqui, se um governador fez um favor ali. Essas são apenas as decorrências.

O método, isso é o que conta. Cachoeira tem negócios legais e ilegais. Vai do bicho aos laboratórios. Isso é um ponto. Mas não se sabe a real extensão desses negócios. Ou seja, essa construtora Delta, seria dele ou não?

Pode ser que fosse. Mas me parece que o negócio de Cachoeira era, como o de Vito Corleone, tecer uma rede de influência que envolve:

– congressistas,

– juízes,

– industriais,

– imprensa.

A parte de imprensa é muito relevante. Assim como Bórgia usava veneno, o negócio de Cachoeira, pelo que se pode ver, era passar informações, filmes, grampos, essas coisas. O veneno de Cachoeira é a intriga.

Para bem colocá-lo em funcionamento, contava com uma rede de subalternos operacionais, tipo policiais e ex-policiais, os chamados arapongas.

Cachoeira não podia aparecer muito. Havia as figuras públicas do grupo, entre políticos (o senador lá) e industriais.

O método era o de Vito Corleone: eu te faço um favorzinho hoje, você me faz outro amanhã. Padrinho.

Cachoeira estava profissionalizando o apadrinhamento, que é um velho modo da política brasileira. O que Sarney faz quase romanticamente com o Maranhão ele estava reproduzindo em Goiânia, e já espalhando ramificações, de um modo ou de outro, para o Brasil inteiro.

Em outras palavras, estamos diante de um caso de Máfia em formação.

Reduzi-la a intrigas políticas a favor de A ou B, não compreender a natureza do caso, será apenas fazer um favor para essa gente.

Quem vai ao cinema sabe que a questão, ali, não é comer pipoca e se encher de Coca-Cola.


O Homem que Não Dormia
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Inácio Araújo

Numa cabine de imprensa encontro o amigo Egypto e ele me pergunta sobre “O Homem que Não Dormia”. E, antes mesmo que eu possa responder ele acrescenta que foi um dos quatro abnegados que permaneceu até o fim da sessão.

Nada contra sair no meio dos filmes. Ficar até o final não proporciona uma visão melhor e, eventualmente, se não se está agüentando aquilo, ela pode ser até pior.

De minha parte, só posso discordar do Egypto em relação a esse filme. Não posso falar dos demais colegas, porque não tive a chance de conversar com eles.

É um filme fragmentário, concordo. Mas isso não é necessariamente um defeito. É um hábito da geração de Edgard Navarro, não apenas no Brasil.

E, até pude entender, o filme tem uma coerência interna muito forte, é balizado por um fabulário (mula sem cabeça etc.), pela crônica política (o torturado da ditadura, transformado em louco da cidadezinha), pela permeabilidade do real pelo fantástico (os deuses nativos, tão presentes que contaminam até o padre), pela crônica de costumes (a maledicência e a tragédia familiar do coronel, que é um outro lado da repressão e da dominação econômica).

Essas séries, tenho a impressão, se articulam muito bem e criam um exemplar de filme fantástico bem raro no Brasil e que foge do interminável prato pronto que em geral nos é servido.

Há um ponto obscuro no filme e o Egypto manifestou seu desagrado: é quanto a certa escatologia, àquela gente que fica urinando em cena, essas coisas.

Bem, para os padrões Navarro é uma delicadeza. Ainda assim, acho que esses momentos, sim, são dispersivos. Raramente se justificam.

No geral, no entanto, um filme que me pareceu muito vivo, atrevido, inteligente. Espero que os colegas lhe dêem uma segunda chance.


Supremo na TV
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Inácio Araújo

O poder da TV, que apesar de todas as revoluções tecnológicas é assustador, hoje se manifesta de maneira mais que clara no Supremo Tribunal Federal, dito STF.

Até alguns anos não conhecíamos sequer o rosto dos ministros. Desde que abriu a TV Justiça, que não é nenhuma campeã de audiência, isso mudou de maneira radical.

No bar da esquina ou no barbeiro, discutem-se as decisões como se cada um de nós fosse um jurista consumado. O futebol, desde sempre terreno preferencial dessas conversas fiadas, cedeu lugar à discussão sobre o posicionamento de cada juiz, etc.

Talvez sejamos um pouco juristas consumados mesmo. Tirando o vasto blablablá do jargão jurídico, com o costume de ver as caras dos juízes, todo mundo percebe que, atrás do palavrório (e, cá pra nós, do narcisismo reinante) existem posições muito claras, maneiras de ver o mundo que se abrem ao público. Isso é bom.

A Justiça deixou de ser, penso que graças à TV em boa parte, um território secreto, insondável e, sobretudo, impenetrável..

Vejo na internet que não faltam esses caras que lamentam o surgimento da corrupção até na Justiça, essas besteiras.

Não é isso. É o contrário: agora sabemos melhor que existe corrupção. Começam a existir meios de combatê-la. Tudo isso vem envolto em muitas nuvens, que surgem de todas as partes. Mas hoje, quando um político ou um juiz nomeia um amigo todo mundo fica sabendo. Conforme o caso se faz vista grossa.

Mas, no geral, quando se pensa em tempos passados, a coisa era assim: não havia poderoso que não nomeasse parentes (ou mesmo os fizesse passar em concursos, como uma amiga que entregou a prova em branco e foi aprovada – depois renunciou ao cargo e mandou a família plantar batatas, assinale-se).

(Li até um dizendo que precisavam voltar os militares para dar o poder às pessoas honestas… Ah, nada como uma boa censura para dar a impressão de que o mundo é perfeito… Especialmente para nostálgicos da ditadura.)

Acho bem bacana os juízes se mostrarem humanos, quebrarem o pau. Isso os retira desse pedestal togado e um tanto ridículo, que aliás não orna mesmo com o mobiliário do Supremo.


De volta aos clássicos
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Inácio Araújo

Para quem já viu tudo que é visível (não é tanta coisa assim) no circuito comercial de São Paulo, uma bela opção será visitar o cine Olido, que de hoje ao dia 29 estará com o programa “Clássicos Revisitados”.

O Olido (que pertende à Secretaria Municipal de Cultura) no ano passado fez uma dobradinha com o Cinema Ritrovato de Bolonha, do qual exibiu alguns filmes bem importantes.

Este ano retoma alguns filmes que há uma pá de tempo não se viam em tela razoavelmente grande.

Entre eles, há dois Hawks, “Os Homens Preferem as Loiras” e “Scarface, a Vergonha de uma Nação”.

Há essa jóia tão pouco reconhecida que é “O Portal do Paraíso”, de Michael Cimino, num restauro de 2004.

Há ainda “Uma Aventura na África”, um dos bons John Huston, o formidável “Cantando na Chuva”, de Stanley Donen e Gene Kelly, e “Kes”, de Ken Loach.

Todos em cópias com restauro relativamente recente, segundo o release.

Há ainda o recém-restaurado “Viagem à Lua”, de Méliès. A imagem é impecável, mas a verdade é que alguém deveria logo acoplar a ela a música com que a orquestra de Bolonha ilustrou o filme. A música colocada na cópia é de uma chatice sem fim.

Dois complementos:

A entrada custa R$ 1,00 (e tem meia-entrada). Uma bagatela. A Secretaria Municipal de Cultura torna o acesso aos filmes a coisa mais democrática do mundo. Espero apenas que não vire um lugar barato, onde os caras entram para dormir.

O Olido foi uma sala de ponta nos tempos de Cinelândia. Sua reforma foi excessivamente modesta, no meu entender. Não ruim, mas modesta. Um pouco mais de ambição não lhe faria mal, para a gente não ficar com a impressão de que está entrando numa “sala para pobre”. Os pobres é que merecem o luxo oficial, ou ao menos sua atenção.

Depois volto, porque há outras coisas rolando. Estive doente de sono, tosse, gripe e dores musculares nesses dias, sem contar o Serasa (e seu maldito certificado digital), sem contar as terríveis mortes em série das pessoas de cinema. Não é pouco para uma semana.

* * *

programação

20/04, sexta-feira

19h30 – Scarface (93’), Howard Hawks

21/04, sábado

17h – Os Homens Preferem as Loiras (91’), Howard Hawks

19h30 – Kes (110’), Ken Loach

22/04, domingo

15h –  Viagem à Lua (16’), George Méliés e Cantando na Chuva (103’), Stanley Donen e Gene Kelly

17h – O Portal do Paraíso (149’), Michael Cimino

24/04, terça-feira

19h30 – Os Homens Preferem as Loiras (91’), Howard Hawks

25/04, quarta-feira

19h30 – Uma Aventura na África (105’), John Huston

26/04, quinta-feira

19h30 – Viagem à Lua (16’), George Méliés e Cantando na Chuva (103’), Stanley Donen e Gene Kelly

27/04, sexta-feira

19h30 – Scarface (93’), Howard Hawks

28/04, sábado

17h30 – O Portal do Paraíso (149’), Michael Cimino

29/04, domingo

15h – Uma Aventura na África (105’), John Huston

17h – Kes (110’), Ken Loach


Saraceni morreu. Viva Saraceni!
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Inácio Araújo

Paulo Cezar Saraceni era um dinossauro. Via e praticava o cinema não como um meio de comunicação, mas como modo de conhecimento.

Saraceni era uma espécie de rocha de resistência. Fazia os filmes que lhe vinham à cabeça, filmes de artista.

Não eram filmes de propaganda, de publicidade. Não estalavam de produção e desperdício: Saraceni não era um novo rico do cinema de patrocínio.

O que fazia vivo, ainda, era incomodar um pouco. Seus filmes não interessavam à Ancine, ao MinC, ao público chic. Esse público que, ao ver “O Viajante”, durante a abertura de uma mostra de melhores do ano promovida pelo Sesc, deixava a sala.

Estava diante do, provavelmente, mais belo filme brasileiro desde os anos 90 do século 20, mas não sabia reconhecer.

Quando houve uma dessas premiações que tentam imitar o Oscar, Marília Pêra mal foi lembrada como melhor atriz. Mas nunca Marília Pêra foi tão sublime quanto naquele filme, naquela cena em que arremessa o filho débil mental pela ribanceira, por julgar que ele atrapalhava seu amor, ou naquela em que arrebenta a sacristia e maldiz a Deus.

Antes disso, convém não esquecer, “Natal da Portela”, que a seu tempo nem chegou a São Paulo. E como esquecer aquele Natal, o bicheiro, ou Milton Gonçalves?

O sujeito de um braço só que tanto podia matar os inimigos com crueldade como dar tudo que tinha às pessoas do seu bairro, da sua escola de samba, que substituía um governo incapaz de fazer alguma coisa pelos pobres.

Não fica por aí. Há muito mais.

Há maus filmes, até. Eu pelo menos não agüento ver “Anchieta, José do Brasil”.

Seu encontro com Lucio Cardoso foi definitivo.

Acho que Lucio Cardoso estava para ele como Graciliano para Nelson Pereira: mais que uma identificação, uma história de complemento mesmo.

Há, desde “Arraial do Cabo”, no cinema de Saraceni, uma integridade idêntica ao desejo de conhecer o mundo que o cercava.

E ainda havia o projeto de “Chaplin Club”, quer dizer, a filmagem dessa dedicação ao cinema que existiu entre um grupo de intelectuais em determinado momento.

Paulo Cezar Saraceni era um artista, ou seja, um incômodo: seus filmes não têm firulas. Diante deles, não há nada a fazer senão olhar, ver, perceber como as imagens falam, mostram uma alma, investigam. Não há nada a fazer, exceto contemplar, deixar que existam.

E Adriano, o ator…

As coisas já estavam ruins assim, quando chegou a notícia da morte de Adriano Stuart. Foi ator e diretor.

Não gostei do pouco que vi dele como diretor, mas não vi “O Bacalhau”, uma sátira de “Tubarão”, que parece ser o ponto alto de sua produção.

Mas ator houve poucos como ele.

Com o Ugo Giorgetti, que viu essa capacidade dele de entrar no personagem de tal modo que parecia até se tornar transparente, fez papéis para não esquecer. O ex-jogador de futebol de “Boleiros”, o artista de “Festa”, tantos outros.

Complemento: … e Zé Mário 

Neste terrível fim de semana acabo de saber que perdemos também José Mário Ortiz Ramos.

O Zé Mário eu conheci faz tanto tempo que, para se ter uma idéia, Eder Mazzini era meu assistente de montagem.

Os dois vinham da Engenharia Mauá, mas gostavam mesmo era de cinema.

O Zé Mário colaborou no primeiro (e único) número da revista Cinegrafia, acho que foi seu primeiro trabalho ligado a cinema.

Depois fez curso na EHESS de Paris, entre outros, antes de se tornar professor da Unicamp.

Um AVC, há alguns anos, cortou o que me parece que seria uma carreira de muitos livros capitais para o conhecimento do cinema e da sociedade brasileira.

Teve tempo, em todo caso, de publicar o clássico “Cinema, Estado e Lutas Culturais: anos 40, 60,70”.

É um dos livros mais livres, despojado de preconceitos, sobre o cinema brasileiro, mas escrito com seu rigor de sociólogo.

Um último abraço ao amigo.


O Fim de Paulínia
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Inácio Araújo

(ou Já Não se Faz Hollywood como Antigamente)

Paulínia nunca teve paisagem para ser a Hollywood brasileira. Nem vida. Nem tradição.

O que atraiu o cinema para lá foi a iniciativa voluntarista de criar um “pólo” tendo por base a dinheirama da Petrobrás.

Paulínia tinha um macrofestival e não tinha hotéis para os participantes. Todo mundo tinha de ficar para os lados de Campinas. Construiu um teatro com fachada greco-caipira (mas muito bem projetado como som e imagem, ressalte-se). Já parecia anunciar o que estava por vir.

Paulínia era uma dessas iniciativas absolutamente artificiais, voluntaristas, que visam, antes de mais nada, colocar o nome da cidade no mapa. Sem articulação com as entidades estaduais ou federais que cuidam do setor.

Não há um projeto político para o cinema (como sempre). Houve um projeto político local. Projeto de um político, de um prefeito, que o prefeito seguinte resolveu bombardear. Mais ou menos o roteiro de sempre.

O projeto era acompanhado de uma dinheirama em prêmios que ofuscou, por exemplo, o tradicional festival de Brasília.

Havia os concursos para financiamento de filmes, com a necessidade de filmar uma parte em Paulínia. Ok. Aí a gente via o filme e se perguntava “cadê Paulínia?”. Depois, havia a pré-estréia em Paulínia. O povo do cinema misturava-se ao povo do poder local para a festa.

E o que era festival, pólo, estúdio, tudo para, fica interrompido, no dizer do prefeito.

Interrompido é o eufemismo habitual para dar um tempo aos interessados de se acostumarem à morte do projeto.


De carona com “Drive”
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Inácio Araújo

Vi “Drive” com algum atraso, não muito. Às vezes acho bom ver os filmes sem a obrigação de responder à “atualidade”.

Acho impossível não lembrar, como intriga, o “Glória” do John Cassavetes, onde Gena Rowlands busca proteger um menino contra os gângsters que mataram sua família e agora pretendem dar um fim nele também. A motivação em “Glória” me parece mais forte, mais visceral, uma coisa de instinto que de repente desperta na garota.

Em “Drive”, o cara também busca algo parecido, um vínculo, uma família, um amor, algo que o retire do nada em que vive. É uma motivação menos forte, mas existe e não deixa de fazer sentido.

A cena de abertura do filme é muito boa, muito forte como cena de perseguição.

Todo o restante me parece cheio de altos e baixos. Em certos momentos eu me sentia muito interessado pelo que via. Em outros, tudo ficava enfadonho, meio carta marcada, com aquele personagem do Ryan Gosling transitando meio que do nada a parte alguma (o que é legal), sem eira nem beira, se fazendo de enigmático no meio daquela bandidagem toda. Quer dizer, meio indefinido, me pareceu, entre achar uma missão na Terra, tipo “Taxi Driver”, e sobreviver como o motorista do “Colateral”.

Essas proximidades não diminuem o valor do filme, nada disso. Talvez seja essa oscilação entre uma aspiração moral (ou psicológica, não importa) e outra de ordem plenamente instintiva (instinto de vida, no caso) que por vezes cole meio mal, mas não impedem “Drive” de ser um filme no todo bem interessante.


Raul, um novelão
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Inácio Araújo

 

Esse é outro filme brasileiro que não sou eu quem vai aconselhar a não ir ver. Há muito de interessante ali. A pesquisa iconográfica é boa. Parte considerável das entrevistas vem ao caso, etc.

Aqui, no entanto, a narrativa deriva perigosamente para o novelão, coisa que “Heleno” soube evitar.

É estranho, tratando-se de um documentário, mas é isso mesmo que se vai construindo, o melô do Raul: suas mulheres, suas bebidas e drogas, os amigos, a luta para se manter à tona, queda e recuperação, etc. etc.

Tudo até chegarmos ao túmulo. Choro e apoteose. Finitude e eternidade.

Isso tudo é bobagem.

Esse aspecto é bem deficiente, bem convencional no filme, assim como uma série de entrevistas com gente bem no corpo, bem no mundo – gente que representa o antípoda de Raul Seixas, enfim.

Por mais problemas que se possa descobrir, estamos no documentário típico: entra uma velha filmagem de um show de RS e tudo renasce no filme.

(A não esquecer: Jairo Ferreira fez um vídeo sobre Raul Seixas que a família embargou: é uma pena, porque esse seria um trabalho sobre Raul feito por um outro Raul).