Blog do Inácio Araújo

Arquivo : January 2011

Muitas coisas (tolas) a dizer
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Inácio Araújo

1. De uma vez por todas, estou ficando velho.

Chego ao cinema para ver um filme iníquo e o porteiro me indica a fila da “melhor idade”. Ali, umas cadeiras enfileiradas e nenhum velho, que os velhos são sábios, fora eu, e nenhum se dispôs a ver “De Pernas para o Ar” (será preciso voltar a ele).

Devia haver algum limite legal para o uso de eufemismos. “Melhor idade” já não é delicadeza, parece ironia. Melhor em quê?, tive vontade de perguntar ao rapaz. Só o pessimista deve achar melhor, porque está mais perto do túmulo.

“Terceira idade” já estava ok. Pelo menos não tem esses horríveis juízos de valor que carregam velho ou melhor idade.

2. “De Pernas para o Ar” muda mais ou menos todos os critérios de valor cinematográficos conhecidos. Perto dele, “O Divã” é um Shakespeare, “A Mulher Invisível”, a Pietà.

3. Mas, não há dúvida, de um lado, de outro, está lançado um novo cinema popular brasileiro. Pornográfico ou espírita, tanto faz.

4. Cresce o público dos cinemas, conforme a nota que chega do Sindicato dos Distribuidores do Rio de Janeiro, via João Beltrão.

O público total passa dos 137 milhões de espectadores, aumento de 22% em relação a 2009, que por sua vez já tinha crescido 25% em relação a 2008.

Considerando que o aumento do número de salas foi de apenas 6%, o crescimento do público é real, realíssimo. Jorge Peregrino, presidente do sindicato, sustenta que estamos num momento propício ao surgimento de novas salas. Me parece inevitável o raciocínio.

5. Quanto a nós, os filmes brasileiros: saltaram de 10% em 2008 a 19% em 2010.

Pode ser que não seja episódico, isso. Parece que descobrimos a fórmula do blockbuster: lançar grande com anúncio a toda hora na Globo, de preferência filmes execráveis.

Que importa? O gosto do público foi mesmo arrasado pela televisão. A pior das pornochanchadas dos anos 70/80 tinha mais dignidade do que “De Pernas para o Ar”.

Talvez seja possível ir melhorando, aos poucos, distinguindo TV de cinema… Enfim, se não houver um pouco de esperança o que sei vai fazer?

6. A propósito, a Globo anuncia “O Bem Amado” em minissérie, com 25 minutos a mais que o filme original. Como se o que se via não fosse suficiente. Cinecirco.

7. No cinema, o anúncio da CBN: “O Brasil tem a oitava economia do mundo. Mas nenhum aeroporto entre os melhores do mundo. Pense nisso.”

Por que eu deveria pensar? Por que a CBN manda? Até onde eu consigo perceber, a CBN é muito boa para lamber as botas do Kassab.

Por que deveríamos ter um dos 100 melhores aeroportos do mundo? Que importância tão grande isso tem? Posso pensar em mil outras coisas, sempre sem o auxílio da CBN. No pior calçamento do mundo, que é aqui em São Paulo. Posso pensar que aqui é a única grande cidade do mundo com fios elétricos passando sobre as nossas cabeças (quem me lembra disso é Vladimir Safatle, numa sala da TV Cultura). Em suma, posso pensar em mil coisas, se a CBN não atrapalhar já está bom.

Porque às vezes é profundo demais. Não consigo acompanhar. Caso deste outro anúncio da CBN, este no rádio, tem uma mulher dizendo que as ditaduras nos dão o direito de ser iguais, só a democracia nos dá o direito de ser diferentes. Não entendi onde ela quer chegar com isso. Igual a quê? Diferente do quê? Não compreendo. Olho para cima, para baixo, em cada lugar o Big Brother (não o programa de TV) me espreita. A vida é toda vigiada. Não carregar o RG é crime quase tão grave quanto assassinato. Diferente do quê? De quem?

8. Uma parte do Rio desabou horrivelmente. O resgate começou de imediato, junto com a caça aos culpados. O “poder público”, como se diz. A inteligência mesmo sobre o assunto veio de Janio de Freitas, como de hábito. Não me lembro mais se é fato ou é lenda que o Paulo Martins do “Terra em Transe” foi inspirado por ele. Mas devia ser. O que ele disse? Falou do “nosso consenso de 500 anos”.

Nosso consenso: os pobres que se virem. Não tem lugar pra eles. Tinham que morrer. Que ocupem as encostas no Rio. Que ocupem as várzeas em SP. E, sobretudo, que não nos aborreçam.

Mas, de repente, vem tudo abaixo. E eles nos lembram que existem. Ou que existiram. Então é preciso achar um culpado. O governador foi alertado. O prefeito não tirou ninguém de casa. O presidente não deu verbas. Etc. Bem: chega lá e tenta tirar alguém de sua casa pra ver o que é bom. Não é essa a questão. A questão é o consenso. 500 anos de consenso.

Imagine que o povo de Higienópolis não quer uma estação de Metrô porque não quer pobre chegando de trem, às pencas, por lá. É fantástico. Pobre que venha andando, se precisar vir da Vila Brasilândia até Higienópolis. Ah, mas daí o trânsito fica ruim. Culpa do prefeito, do governador, do presidente…

E o povo de Higienópolis e dos Jardins culpa os pobres que estragam suas praias do Litoral Norte porque atiram o esgoto na água. Sim, os pobres. Porque o esgoto os ricos, aparentemente, não polui o mar. Não lhes passa pela cabeça que a ocupação da praia foi feita sem nenhum planejamento urbano, pensando apenas na possibilidade de expropriar as terras e casas dos caiçaras a preços vis. Culpa desse, daquele, daquele outro.

9. E o Belas Artes? Vai se safando com esse tombamento, que é meio fajuto, mas pode atrapalhar a vida de quem pretendia fazer uma loja ali durante anos.

Francamente, não entendo essa choradeira toda. Vou lá de vez em quando, tudo bem. Mas não tem mais Riviera na frente, nem muito menos Ponto 4, não tem Bernardo Vorobow, nem os amigos. Nem ao menos aqueles letreiros bonitos na porta do cinema. Foram asseptizados pela “cidade limpa” (sim, parece gozação o nome da lei: a cidade é porca, todo mundo sabe). Mas é bom que continue a existir. Antes assim. E o movimento em torno é, pelo menos, um movimento. O que as pessoas reivindicam de verdade? Que seu passado seja preservado? Que nossos pontos de referência não se percam com tanta facilidade? Apoiado.

10. Ah, sim, onde quer que você ande tentam te tapear. É muito cansativo. Fui comprar um carro que o meu está ficando velho. Um Citroen C3, que nem o antigo. Fui lá porque a Citroen era o único lugar em que os vendedores não insultavam a tua inteligência (lembrança do final do “Poderoso Chefão”).

Agora insultam, e como. A porta não bate direito. Tem que bater forte. O cara me explica que é porque a borracha é nova. Então você pergunta: mas como em todos os outros carros novos do mundo isso não acontece? Não adianta: ele inventa uma desculpa qualquer. A vendedora agora é como as de todos os outros carros: quer que a gente resolva o problema dela, como se isso fosse minha função ao comprar o carro. Pede que assinale, num questionário, que o serviço foi ótimo, excelente, extraordinário, “senão os meninos perdem a cesta básica”. Eu boto lá: ótimo, ótimo. Uma pinóia. Serviço vagabundo, tendência quase irreprimível a tratar o comprador como idiota. O espírito de arapuca triunfa.

11. Desculpe, mas há pouco a falar de cinema. Fico pensando em outras coisas. Há o Apitchtapong, é verdade. Não sou fanático, mas acho que é pra ver. É respeitável. Voltaremos a ele.

12. Jean-Thomas, da Imovision, do Reserva Cultural, protesta contra a prisão de cineastas iranianos. Não adianta nada. Ou antes, adianta tanto quanto o protesto que eu fiz. Os caras não estão nem aí. Quanto ao Jean-Thomas, francamente, Jean-Thomas, você acha que eu te odeio? Você disse isso à nossa amiga Flávia? Só porque eu reclamei que você não trouxe o “Bellamy”? Mas a quem eu ia reclamar? À Warner? À Paris? Mas você tem crédito: o Godard, o Kiarostami, o Coppola, o Bellocchio… De todo modo, não te odeio, longe disso, exceto pelos doces que tem na lanchonete do cinema e que, se eu comer como quero, vão me deixar com uma tonelada.

13. E, olha, não voltaremos ao “De Pernas pro Ar”, não, que tudo tem limite nessa vida. O cara não sabe enquadrar, não sabe dirigir atores, pede o pior do fotógrafo. Não dá pé.


Um Colar para 2011
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Inácio Araújo

1. Já que o MinC quer pôr em discussão o projeto da administração anterior, vamos pôr um pouco a colher torta.

2. Que direitos tem o autor?

3. Pode um autor impedir o restauro de uma obra? Ou, sobretudo, podem os herdeiros de um autor impedir a difusão de um filme? É o caso de “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, enroscado nos herdeiros (ou herdeira, não sei bem) de Guimarães Rosa.

4. Um criador não tem direitos, só deveres, sentenciou Godard. Não está longe da verdade.

5. A propriedade intelectual devia ser vista um pouco como a propriedade rural: se for improdutiva, se for sobretudo latifúndio improdutivo, deve ser desapropriada e distribuída à população.

6. Eu até posso compreender quando Roberto Carlos impede a publicação de uma biografia sua. Ele está vivo, pode não querer mexer na história da perna mecânica e tal. Mas do momento em que a pessoa morre a questão histórica tem relevância maior. Impedir a circulação de uma biografia de Noel Rosa é, claramente, atrasar o conhecimento do Brasil a respeito de si mesmo.

7. Gosto de Antonio Grassi como ator o suficiente para não querer vê-lo à frente da Funarte. Não é um lugar para bons atores. Ele está notável em “Bens Confiscados”.

8. Pelo jornal leio que o MinC ganhou uma batalha contra Esportes pelo controle de uma nova política de socialização do governo. Fiquei bem impressionado. As praças supõem locais de convivência, bibliotecas, cinemas etc. É terrível esse tipo de empreitada parasitária esportiva, tão brasileira, de se fazer passar por cultura (tudo é cultura etc.) para ficar com as verbas. Cultura é cultura. É leitura, cinema, música, teatro etc. Gosto de basquete, mas é outro departamento e, cá entre nós, se vira muito bem sem o parco dinheiro da cultura.

9. Se essa política vingar será bom, será importante. E também estou de acordo com o Grassi, quando ele diz que MinC e MEC precisam se aproximar.

10. Roberto Bolaño é um baita escritor. Fico sempre de pé atrás quando um novo gênio é proclamado. A indústria editorial precisa promover novidades. Mas um bom escritor a gente nota nem sempre logo, mas a partir de um tipo de consistência da escrita.

11. De um de seus contos, aliás, eu roubo essa idéia do colar. Ele dá um outro nome, mas o resultado é mais ou menos o mesmo.

12. Já Ian McEwan: tentei ler pela segunda vez “O Inocente”. Melhorou, mas não deixou de ser vulgar. Essa idéia de que é um dos grandes escritores britânicos acho que é gozação. Mas o cara ganhou até o Booker Prize. No entanto, ele narra a história de tal jeito que, parece, a modernidade nunca existiu.

13. Nem o cinema. Ele descreve o jeito da barba do cara, do cabelo. Mas isso (e outras tantas descriçoes) parece que é só para chegar ao número de palavras correspondente ao contrato que assinou ou ao adiantamento que recebeu. Essas práticas profissionais soam abjetas. O livro até que rola, mas como diversão de fim de ano. Até onde eu li, em todo caso.

14. O profissionalismo em arte costuma estragar tudo.

15. Clint Eastwood, por exemplo, é um amador. Arrisca o pescoço a cada filme. Quem mais tem peito, a não ser crentes, de topar um filme sobre o “au delà”? No entanto, me pareceu soberbo. Até porque existe um outro tema, menos explícito e mais importante, que é o dos encontros, encontros únicos, necessários, insubstituíveis, que fazem a vida aqui e não em qualquer além possível.

16. Será preciso voltar a “Além da Vida”.

17. O que me desagrada nos colunistas de direita é o hábito de vampirizar o pensamento de esquerda, ou que atribuem à esquerda. Seus raciocínios são sempre reativos, nunca correm o risco de uma proposição. Existem em função da esquerda (ou do que acreditam ser esquerda). São estéreis. De modo geral não produzem coisa alguma. Mas acusar o outro de perneta não faz ninguém andar melhor.

18. As imagens do Rio desmoronando, de Franco da Rocha naufragando são terríveis e eloquentes o bastante. Silêncio.


Será Battisti uma vergonha nacional?
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Inácio Araújo

Isso é mais ou menos o que insinua um prof. Guillon, de Relações Internacionais, ou pelo menos assim creditado pela rádio CBN. Diz ele que o Brasil perde respeito e credibilidade internacional quando acolhe esse cara e desagrada a Itália etc. etc.

Bem, eu não tenho a menor opinião sobre o caso. Só conheço terrorista italiano pelo filme do Marco Bellocchio e os caras me parecem o ó do borrogodó.

Não sei se este Cesare é culpado ou inocente ou o quê. Mas, caramba, vamos com calma.

Se é para dizer que perdemos respeitabilidade ou o que seja por conta dessa história, convém mencionar o que perdemos quando deixamos nossos torturadores impunes.

Disso o tal professor não fala nem uma mísera palavra.

E, por favor, eu não conheço muito disso, mas estive na Itália há seis meses. Posso garantir que o prestígio do governo brasileiro por lá é muito maior que o do governo italiano. Aliás, o prestígio, nacional ou internacional ou interplanetário do governo do Berlusconi é nulo.

Então vamos parar com esse espírito de lambe-botas. A Itália não está no Renascimento. Para falar a verdade, parece mais perto de estar agonizando.

Esse professor (mas não é o único) deve estar de gozação.


Um novo começo
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Inácio Araújo

Vamos partir do zero. Presidente nova. Em SP governador novo. Esperemos pelo melhor.

Torço para que aos poucos se introduza uma cadeira de cinema nas escolas. Poderia se chamar Educação Visual ou qualquer outro nome que faça a coisa parecer séria.

Mas é algo importante e simples. Num mundo de imagens é preciso educar não usando imagens (que é um apêndice, pode até se usar mas não é o essencial), mas para a imagem, para a leitura desse mundo novo, para sua decifração, pois somos muito indefesos diante delas.

O governo de SP, na administração passada, começou um bom programa nesse sentido. Espero que não pare agora.
Se possível seria interessante dar um pulo na França onde se ensina Cinema no secundário. Não por espírito colonial, mas porque eles têm uma tradição formidável no trato com as imagens.

Quanto ao governo federal, acho que não tem muito a fazer nesse particular. Acho eu. Mas me parece notável a  disposição da presidente de abrir uma sala de cinema em cada cidade. Não vai conseguir, claro, mas isso é menos importante do que constatar de que se trata de algo importante seja como sociabilidade, seja como civilidade, como cultura ou mesmo só distração.

Enfim, como bom puxa-saco que sou, desejo a melhor sorte a quem está chegando ao poder com boas intenções – seja ele local ou nacional. Que sejam capazes de enxergar na bruma dos nossos muitos problemas e beneficiar os mais pobres.

Mas eu tenho dois agradecimentos especiais de começo de ano:

1.    Para a Silvana Arantes, que publicou na Ilustrada (4/1) uma matéria de enorme generosidade, que espero ao menos em parte justificável, sobre a antologia “Cinema de Boca em Boca – Críticas de Inácio Araujo”, que reúne textos publicados na Folha de S. Paulo entre 1983 e 2007 e selecionados por Juliano Tosi. O trabalho do Juliano foi admirável, porque eram muitos textos para escolher, coisa que exigiu muita pesquisa e discernimento. Não interferi em uma linha, não palpitei, nada. O resultado é trabalho dele.

Bem, devo dizer que é difícil não fazer um pouco de propaganda: o livro é da Imprensa Oficial. Mas, francamente, não ganho nada com isso. Nada mesmo. Quem não quiser comprar, pode baixar no site da Imprensa Oficial, mas acho que sai até mais caro. O livro custa R 15,00. Não é muito para um volume de quase mil páginas, caramba.

2.    Para os amigos que seguem este blog, participam com sugestões, ressalvas, críticas (as pertinentes, não aquelas maluquices que aparecem na internet) e me aturam. Queria dizer que às vezes pareço displicente, mas não sou: se não tenho nada a dizer, fico quieto. Aproveito a liberdade que o Uol me dá. Às vezes passo dias sem escrever. Não tenho tantas idéias assim.

Às vezes sofro de enorme falta de tempo e preciso dar só um alô sobre as coisas.
Como agora: preciso almoçar, ver meus filhos que não vejo há dias e partir para mais uns dias de incomunicabilidade.
Deixo mais um post, que o Giannini colocará no ar nos próximos dias.
Espero que continuemos a nos encontrar por aqui.


Não tem nada a ver com cinema
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Inácio Araújo

Videla pegou perpétua em Córdoba.

E não só ele. Tem uns caras que a gente nem conhece, como o Menendez, que são uns monstros.

Acho que foram umas vinte prisões perpétuas por crime de lesa humanidade.

Haverá ainda outros processos.

Mas apenas este é exemplar.

Porque nos perguntamos todo o tempo porque os filmes argentinos, mesmo quando não tão bons, vão fundo, parecem perscrutar a alma das coisas.

Enquanto os nossos, mesmo os bons, derivam com facilidade para o drama psicológico e tal.

Não é culpa do cinema. Não do cinema apenas, em todo caso.

Se isso aconteceu é porque a Argentina se mobilizou de verdade até emparedar seus carrascos.

Aqui ninguém fez, nem faz nada. E ainda há quem ache tortura o máximo.

Já disse, aqui no Brasil não aconteceu nem um centésimo das atrocidades, das monstruosidades que ocorreram na Argentina.
Nem por isso essa atitude, de fazer vistas grossas, está correta.

Aliás, Vladimir Safatle já lembrou, essa atitude brasileira começa a nos trazer problemas em cortes internacionais.

Nós, que nos proclamamos campeões de direitos humanos e tal e coisa, quando se sabe muito bem como as coisas se passam não mais com presos políticos, mas com presos comuns.

Essas coisas afetam o cinema cem vezes mais do que falta de dinheiro.


Condenação de Jafar Panahi é obscena
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Inácio Araújo

Jafar Panahi definiu sua prisão, em março deste ano, como “obscena”. O que de fato era.

O governo do Irã, que já se afastara dos princípios mínimos de convivência decente, mostrava então que também não se importava com o seu cinema.

Não que dependa dele para existir. Depende do fundamentalismo mais retrógrado. Mas o cinema era capaz de mostrar uma imagem tremendamente simpática das pessoas, de seu modo de vida, dos costumes aliás nada exóticos.

Bem, essa janela parece já estar fechada, também.

Panahi foi condenado agora a 6 anos de prisão, 20 de interdição como cineasta e, claro, está impedido de sair do país.

O regime iraniano parece se afundar na barbárie e, o que é pior, se comprazer nisso.


Adeus, Blake Edwards
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Inácio Araújo

Não bastava Mario Monicelli. O fim de ano ainda nos reservou a morte de Blake Edwards.

A primeira coisa que vem à lembrança são as comédias, o burlesco fabuloso de “A Pantera Cor-de-Rosa” (a série toda) e “Um Convidado Bem Trapalhão” ou ainda “Anáguas a Bordo”.

Mas isso seria esquecer que foi ele quem fez “Bonequinha de Luxo”, comédia dramática absolutamente sensível por qualquer ponto que se queira ver. Talvez o mais leve dos filmes feitos sobre prostituição.

Há ainda o setor dramático mesmo: “Vício Maldito” (na época era a bebida, não o cigarro). Não gosto de filme de bêbado, mas Edwards tornou a coisa um pouco mais leve.

E depois o renascimento dele, no musical, “Victor ou Victoria”, renascimento também de Julie Andrews. Dá de dez no “Tootsie”, por exemplo, que é um filme mais ou menos sobre a mesma coisa.

Jean Douchet, salvo erro, foi quem percebeu o registro agridoce de Edwards. Nenhum riso, nem no burlesco mais rasgado, vinha sem uma contrapartida amarga, fosse pela burrice do Clouseau, fosse pela injustiça que todo o tempo vitimava Dreyfus (não será por acaso esse nome!). Douchet, como de costume, acerta em cheio.

Enfim, o DVD nos suprirá. Como com Monicelli, de quem acaba de sair “Os Companheiros”. Mas é sempre um pouco deprimente receber a notícia da morte de criadores que a gente ama.


O cinema de volta ou Godard é sempre grande
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Inácio Araújo

Como não consegui, até agora, ter novas idéias sobre “Film Socialisme”, o último e notável Godard, vai abaixo o comentário que foi publicado pela Ilustrada na época da Mostra, ok?

Também abaixo o texto que saiu sobre “Abutres”.

* * *

Chama-se ‘Film Socialisme‘, o novo Godard. Poderia se chamar, com mais razão, ‘notícias sobre o estado do mundo‘, caso esse não fosse um título aplicável a quase todos os seus filmes recentes.

Mais especificamente, é à Europa que se dirige Godard, ao que mudou nos últimos anos, às suas perspectivas. E mudou pouca coisa, simplesmente agora os canalhas podem ser sinceros, para citar aquilo que por duas vezes é dito ao longo do filme.

Pobre Europa. Ainda um centro do mundo, mas esse centro doentio, na visão de Godard. Talvez um continente ocupado pelo excesso de livros, de literatura. Uma questão: como botar um pouco de realidade em tantos livros? Só as imagens trazem a realidade: esse é o ponto que ele defende (e não é de hoje: nos livros, mesmo os não ficcionais, a realidade não entra).

Dito isso, estamos em um cruzeiro que parte de Alger com destino a Barcelona, mas deve fazer um trajeto que passa pelo Oriente Médio e por Nápoles, antes de chegar a seu destino.

Alguém pergunta a razão desse périplo. A razão é clara. Trata-se de viajar, não em linha reta. Visitar os lugares próximos da Europa onde estão as crises, as guerras, as dores. Toda essa parte é dominada pelo azul e pelo mar repetidamente filmado e de uma beleza arrebatadora. (Acrescento: alguém lembra – já não lembro em que artigo, desculpe – o quanto é importante a Grécia nesse trajeto. É o começo de tudo, mas também o epicentro da crise atual).

Mas também estão lá nossos hábitos: a corrida, a discoteca etc. Tudo que faz a vida do turista contemporâneo. Esse primeiro segmento se chama ‘Coisas Assim‘. O segundo, ‘Nossa Europa‘, é menos interessante: uma equipe de TV registra a vida de uma família no interior da França. É algo que acontece com Godard, não raro: achados fortes e a impressão de não chegar bem ao ponto. (Ainda assim, na crítica que o Barcinski publica na “Ilustrada”, ele diz que há um lhama preso no posto de gasolina. Fantástica imagem em que o mais moderno e problemático, o automóvel, o petróleo, cruza com o arcaico. Notável: o lhama volta, porque gasolina acaba com a gente e acaba com ela própria).

O filme se fecha com o segmento ‘Nossas Humanidades‘, uma espécie de revisão histórico-cinematográfica da Europa, dos tempos de revolução (1917) e Ocupação (1940-1944). Do cinema também. Momentos fascinantes, como a revisita à escadaria de Odessa, a escadaria do ‘Potenkim‘, as águas agitadas em que se movia o Potenkim, em contraste com as águas plácidas, conformistas do cruzeiro no início do filme.

Há algo de paradoxal que se desprende de cada um dos filmes-ensaio de Godard nos últimos anos: ao ceticismo em relação a nossas humanidades, a uma solidão que se confunde com autossuficiência, corresponde o olhar de todo vivo, agudo como sempre, distante, bem-humorado (virá o humor do distanciamento?).

Um filme raramente ‘chato‘, no sentido que se costuma aplicar aos de Godard, mas que também não altera profundamente o olhar que temos sobre sua obra recente. Um filme que navega – com brilho e cheio de interrogações a propor. Mas que, como norma, dá sequência a ideias que tem cultivado nos últimos anos: a antipatia por Israel não é a menos obsessiva delas.

Abutres

“Abutres” marca o retorno de Pablo Trapero à observação desses personagens que vivem numa zona cinzenta (meio vítimas, meio malandros etc), que havia desenvolvido de forma muito feliz em seu filme de estréia, “Do Outro Lado da Lei”. Aqui, Sosa (Ricardo Darin) é o sujeito que vive de procurar vítimas de acidentes automobilísticos (pobres e pedestres, de preferência), a fim de arrancar um dinheiro das companhias de seguros. É o que no filme chamam abutre.

Na verdade, ele é um advogado com a licença cassada, portanto impedido de trabalhar, que sobrevive desse tipo de expediente. Sua vida desatinada parece ganhar um sentido quando encontra a dra. Luján (Martina Gusman), jovem médica de pronto atendimento.

Eles se apaixonam. Por quê? Eis aí uma pergunta que vem ao caso: ele é um tipo desprezível, o que ela não ignora, no entanto aceita a corte do homem e se envolve com ele. E envolver-se, no caso, significa passar a fazer parte de uma vida não muito honesta. É verdade que envolver-se também significa partilhar os esforços de Sosa para cair fora do esquema. E é o que ele tenta depois que reavê a licença de advogado.

Temos aí, basicamente, a primeira e ótima metade do filme, onde a câmera ágil de Trapero nos vai familiarizando com a atividade dos pronto-socorros, dos médicos, com as vicissitudes da saúde nos países “em desenvolvimento” (vulgo Terceiro Mundo). Mas também com baixezas que quase se integram à vida “normal”, de tão normais que parecem.

A segunda parte é um pouco mais problemática. Trapero trabalha ali com múltiplas questões, abarcando desde o romance Sosa/Luján até o caráter mafioso da atividade dos abutres. Esse é, de longe, o aspecto mais interessante do filme: de início parece que estamos às voltas com uma atividade quase artesanal, mas aos poucos descobrimos as muitas ramificações mafiosas que vão da polícia aos motoristas de ambulância. Trata-se de um sistema de corrupção que parece atingir toda a república.

Essa segunda parte é em ritmo de tango: agressões, mortes, ameaças, tensão, perigos vividos pelos protagonistas. Tudo, enfim, que conforma um filme de ação e agrada aos produtores. Mas há algo de bem convencional nisso tudo: a começar pela história do sujeito errado que tenta largar a contravenção e entrar na linha por amor a uma mulher… Já vi isso em algum lugar, dirá quem viu uns dois ou três filmes na vida.

Trapero se debate para dar conta dessa bobagem e, ao mesmo tempo, desenvolver os seres reais que a primeira parte do filme nos promete. É o aspecto mais interessante do filme que sai perdendo, como se lhe faltasse aquele tempo preguiçoso dos primeiros trabalhos do realizador argentino para se fixar nas paisagens, interiores e exteriores, da Argentina. Ainda assim, “Abutres” é bem acima da média.


O cinema nacional na primeira década do século 21
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Inácio Araújo

A primeira década do século 21 não pode ser entendida, em termos de produção nacional, senão como continuação da década de 1990, em que, após o fechamento da Embrafilme, articulou-se uma política de retomada tendo por base a renúncia fiscal.

O centro desse projeto era a retirada do Estado – suspeito de corrupção, protecionismo e ineficácia – das decisões sobre a produção cinematográfica. Um projeto emergencial, de certa forma, já que a realização de filmes estivera praticamente paralisada nos anos Collor e no início da administração Itamar Franco, mas que deixava sem solução problemas como o da exibição, da distribuição e mesmo da internacionalização dos filmes.

O projeto visava, em última análise, passar à esfera da sociedade a decisão sobre que filmes fazer. Por sociedade, no caso, entenda-se o capital. Rendeu poucos resultados expressivos, tanto estética como economicamente, o mais relevante sendo “Central do Brasil”, de Walter Salles, exibido em 1998, num momento em que o Plano Real gerava justa euforia entre as pessoas (e não muito tempo antes de uma desvalorização cambial desmontar as esperanças daquele instante): tratava-se de ver o país regenerado e sem grandes dores, afinal de contas.

O século 21 trouxe algumas novidades, a começar por um governo que dava ao mesmo tempo mais importância à questão cinematográfica (ou audiovisual, como se diz) e à presença do Estado nesse tipo de atividade. Não será de estranhar que se consolidaram como principais investidores no setor não as empresas privadas, mas as públicas, Petrobrás,  BNDES e Eletrobrás sendo as que mais se destacam.

Uma outra medida essencial consistiu em estender às distribuidoras ligadas a redes de televisão (ou seja, Globofilmes), o direito de captar recursos das leis de renúncia fiscal.

Esses dois instrumentos permitiram à produção brasileira entrar, pouco a pouco, mas de maneira aparentemente definitiva, na era do blockbuster, isto é, do filme lançado com grande publicidade e grande número de cópias.

Entramos, no século 21, num ciclo que vai de “Cidade de Deus”, ainda em 2002, a “Tropa de Elite 2” (2010), passando por “Carandiru”, “2 Filhos de Francisco”, “Se Eu Fosse Você”, “Chico Xavier”, “Nosso Lar”.

Esses filmes de muito sucesso (e outros de êxito relativo, como “A Mulher Invisível”, “Divã” etc.) tiveram o mérito principal de reatar a ligação de confiança do espectador brasileiro em relação a seus filmes. Ou antes, no que diz respeito às classes mais instruídas, de criar esse elo. Mais recentemente, com a ascensão social de um público que havia sido afastado dos cinemas pelos altos preços, pode-se pensar mesmo em um reencontro do público menos letrado com o filme brasileiro.

Algumas coisas podem ser levantadas como ainda irresolvidas:

1.      o prestígio internacional do filme brasileiro continua extremamente modesto;

2.      nacionalmente, verifica-se um abismo entre esses filmes de grande bilheteria e os demais.

Os desafios para a próxima década parecem ser, nesse sentido, a consolidação da frequência aos filmes brasileiros, por um trabalho mais articulado de distribuição, capaz de incluir os filmes menos “populares” em pacotes daqueles destinados a ter grande bilheteria. É claro que nesse trabalho de distribuição inclui-se necessariamente uma alocação maior de verbas publicitárias, capazes de viabilizar esses produtos “médios”.

Ao mesmo tempo, não se deve deixar de dar ênfase à disposição da presidente eleita em ampliar de maneira significativa a rede de cinemas do interior.

A se concretizar, essa hipótese possibilitará a chegada desse instrumento de cultura e convivências às populações distantes dos grandes centros, e indica uma mudança política significativa, capaz de de reaproximar o cinema brasileiro de seu público mais tradicional, libertando-o assim de certas exigências “de qualidade” a que precisou se submeter para chegar ao público mais letrado.

O crescimento do número de filmes de êxito que se dá neste século não abafa a reivindicação de uma maior diversidade, ou seja, da existência de filmes que atendam a núcleos menos amplos, porém não menos representativos de espectadores. Com uma política de ampliação do número de salas no interior e na periferia das grandes cidades, pode-se pensar em filmes de menor custo, de menor luxo na produção, mas não necessariamente de menor interesse e eventualmente, até, capazes de abrir caminho a uma presença mais intensa da produção brasileira em nível mundial.


De volta ao cinema
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Inácio Araújo

A programação, que andava bem jururu, de repente se reanima com três filmes bem fortes.

Começo pelo mais popular, “A Rede Social”, de David Fincher, que está sendo considerado por muitos críticos nos EUA o melhor filme do ano.

Não sei se é. O pior, certamente, não é. Longe disso.

Conta-se ali, como todos já sabem, a história do inventor do facebook.

Mas não é bem isso que interessa a Fincher e ao filme, nem mesmo os desdobramentos jurídicos da história, com o inventor sendo alvo de uns tantos processos.

O principal, me parece, é uma certa trajetória contemporânea do gênio. Mark Zuckerberg é, sem dúvida, genial. Distingue-se entre os estudantes de Harvard. Trabalha com computadores melhor do que qualquer um.

Qual seria a trajetória do gênio em outros tempos? Um Freud, Einstein, uma Mme. Curie, etc., iriam trabalhar em algum laboratório, em alguma universidade, formular hipóteses fantásticas, descobrir doenças e curas e mais o que fosse.

O gênio contemporâneo é instantâneo e lucrativo. Zuckerberg teria 20 anos, se tanto, e era não mais que um nerd chato quando criou o facebook. Hoje é um bilionário.

Bem, o filme gira em torno disso. Gira, por exemplo, em torno da saída de Harvard, do soturno, gélido e aplicado ambiente universitário para a Califórnia do sol, das oportunidades. E do espetáculo, claro. Lá estão os bilhões.

Mas o que fazer desse conhecimento? E desses bilhões?

Muito bom ter idéias lucrativas, absurdamente lucrativas como o mundo da internet promete e, não raro, cumpre.

Fincher não parece muito disposto a elevar essa categoria ou essa aplicação do gênio aos céus. Esse é um gênio solitário, por um lado, e inútil, por outro.

O sucesso do Facebook é característico dos tempos da internet, ou seja, maníaco. Mas o fato é que poderíamos viver muito bem sem ele. Digamos que Freud criou a psicanálise. Não é necessário ir ao divã para saber que o mundo foi afetado de maneira profunda por isso. Será que criações como o Facebook nos levam a alguma parte, ou só a novas criações que substituirão um dia o Facebook?

Em um nível, não importa: o cara é um quaquilionário.

Em outro, o filme fala dessa mistura de narcisismo e solidão que envolve esse tipo de atividade.

A parte da solidão é a mais bonita. Porque tudo gira em torno, a rigor, da perdas de Zuckerman, isto é, as feridas que carregará consigo: a impossibilidade de participar de determinada confraria (dessas que existem nas faculdades dos EUA), e o fora que leva da namorada.

Nenhuma das duas é minimamente profunda, o que talvez ilustre o que é, para Fincher, o destino da humanidade deste século.

A conferir nos próximos capítulos.

Volto para falar depois do novo Godard, “Film Socialisme”, e de “Abutres”, o filme argentino de Pablo Trapero.