Blog do Inácio Araújo

Arquivo : May 2013

Renato Russo ou a volta por cima de Fontoura
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Inácio Araújo

Biblioteca Aberta na Cinemateca

O pessoal da Cinemateca avisa que eu me enganei quadradamente ao afirmar, outro dia, que a Biblioteca da instituição estaria fechada.

Não está. Apenas está fechada nos finais de semana.

Durante a semana está funcionando normalmente.

Espero que, com essa mancada, não tenha prejudicado ninguém.

Somos Jovens Nós os Velhos?

O Fontoura, vejo pelo IMDb, está com mais de 70 anos.

No entanto, seu “Somos Tão Jovens” tem um vigor que não vejo na maior parte dos filmes das gerações pós-Embrafilme.

No começo do filme, quando o Renato Russo sai para o exterior, não me lembro se ao sair do hospital, mas é bem no começo, há um quase primeiro plano com câmera na mão trepidante.

Dá a impressão de que o cara do steadycam não veio naquele dia.

Eu me senti meio mal no cinema.

Mas em seguida refiz o percurso: Pode ser que não seja muito bom, mas pelo menos eu não estou naqueles filmes em que tudo é certinho, tudo é correto, engomadinho…

E o Fontoura estava certo. O filme foge disso. Não sofre de obsessão fotográfica. Não sofre pela necessidade de um roteiro certinho…

Aos poucos foi se impondo uma coisa meio raivosa, inquieta, inconformista. É por esse lado que o filme vai ver aquela geração e o rock Brasília e o RR em particular. E pelo lado de uma garotada a rigor privilegiada, mas que sentia a sufocação da ditadura e de algum modo sente que precisa se expressar.

No fundo, estamos no Fontoura do “Rainha Diaba”… Talvez não todo o tempo, porque os tempos são outros.

Para mim, a melhor parte vai até o fim do Aborto Elétrico, mais ou menos. Gosto daquele sul-africano. Gosto bem dessa parte (embora haja talvez um excesso de garrafas quebradas…).

Quando entra nas dúvidas existenciais do RR, o que eu quero da vida, o que eu quero da música, Legião Urbana e tal me parece menos interessante, aquela coisa mais convencional, quase Turma da Praia, e não digo isso no mau sentido, não: o filme preserva certo encanto, mas é um encanto meio industrial, aquela coisa um tanto programada, mas não falsa propriamente…

Não sei se me exprimo bem, mas vamos lá.

Não por acaso o filme vai acabar lá tipo 2 Filhos de Francisco, com o sucesso de certa forma funcionando como prova dos nove, coisa bem Velha Hollywood, bem séc. XXI paulistocarioca. O sucesso redime. Uma concessão.

Mas, enfim, o filme faz sucesso… Que bom: um sucesso merecido… Oportunista no bom sentido. Como o cinema deve ser.

Não alienado, quero dizer. Não é cinema alienado. Porque esses filmes de músico são em geral alienados, mesmo o dos Gonzaga, com seu fotografismo, no fundo não tem nada a dizer.

“Somos Tão Jovens” tem.

Agora, é preciso dizer que os personagens dos pais são quase sempre lamentáveis.

Caramba, o cara era economista do BB, mas se comporta como o cara que serve cafezinho. Não é que finge não entender nada por causa do emprego, essas coisas… É que parece bobo mesmo.

Aliás, o apartamento onde vivem é bem à altura disso. Uma cenografia horrorosa. Aquela parece verde… Aquela toalhinha em cima da TV… Onde foram achar essas coisas?

Mas isso são detalhes. O filme tem vigor, parece filme de cara novo. O filme de muitos caras novos é que parecem encarquilhados, atualmente.

O filme entrou, leio na Rosário, com uns 450 mil espectadores. É um contraponto aos “filmes de público”, ao facilitário geral que anda por aí disfarçado de cinema.


Cinemateca Urgente
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Inácio Araújo

O ex-diretor da Cinemateca, Carlos Magalhães, agora é diretor, me dizem, de um Centro Cultural do Instituto Butantã.

Duas versões que ouço sobre o fato:

1. ele está bem lá: já conhece as cobras da Cinemateca

2. ele está bem lá, entre as cobras, suas iguais.

Ou, para resumir: a Cinemateca continua a mesma.

Pelo tanto que se briga parece um lugar onde fazer roubos insanos, coisas assim. Nada.

Talvez todo mundo esteja errado nessa história. Magalhães é um homem de poder, eliminou, ou tentou, as vozes divergentes lá dentro. Cai do cavalo mais ou menos pelos mesmos meios. Mas sua gestão foi produtiva em várias coisas.

Em outras… Dou só um exemplo: tirar a Jornada do Cinema Silencioso do Carlos Roberto Souza não é uma coisa banal. Ele tirou da curadoria o cara que inventou, desenvolveu, desenhou e, em última análise, fez o sucesso do principal (e único) evento importante da CB.

Não era pra dar novos rumos coisa alguma: era apenas para chatear, para ferir, para fazer uma maldade a um desafeto.

Bem, aí vem o MinC e varre o CM como se fosse um detrito no meio da sala.

Para tudo. Dispensa os funcionários contratados via SAC. Para tudo.

Parou a biblioteca. Uma biblioteca não pode parar. Há pesquisadores trabalhando. Há teses sendo produzidas.

Como para uma biblioteca?

Enfim, todo mundo talvez tenha um tanto de razão, todo mundo tem um tanto de desrazão.

Mas a questão agora é outra: a Cinemateca tem de voltar a funcionar urgentemente. Há filmes deteriorando. Há filmes para ser exibidos.

E tudo mais.

O Jairo Ferreira dizia que a CB não ia por adiante por causa do Matadouro (ela fica no ex-Matadouro Municipal). Que há muitos maus fluidos, muito sofrimento ali.

Pode ser.

Mas antes de ser lá a coisa já era complicada.

Descomplicou no governo Lula, com Gilberto Gil.

Embananou tudo na gestão Dilma, com essa mania de empurrar mulher em tudo que é lugar.

Tem que desembananar de vez.

Depois de Maio, nova visão

Resiste, resiste muito, e bem.

Há coisas que não notei da primeira vez: a ênfase na fragilidade da vida. Isso vem desde a primeira imagem (leitura de Pascal). Acontece várias vezes.

O filme é “Carlos”: a mesma coisa, como trajetória, não que sejam personagens iguais. Sonho, dissolução, o que resta de tantas coisas, no que se transformaram as pessoas? E a Europa? E seus filhos?

E para que servem idéias?

O que se fez da libertação que representou aquele momento?

O filme é cheio de questionamentos. Muito vivo.


Indústria da insignificância
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Inácio Araújo

Há alguma coisa que soa falso em toda essa discussão sobre distribuidoras e agências de fomento ao audiovisual no Brasil.

Às vezes alguém fala – caso de um diretor da RioFilme na Folha, hoje – como se o mercado fosse algo estruturado e com funcionamento normal, com o público acolhendo “bons” filmes e rejeitando os “maus”, como as coisas funcionavam em 1940, Hollywood.

Falar do número de empregos também não faz sentido. Ele é ínfimo, de todo modo. Se a lógica for essa, então devemos pensar em outros tipos de indústria: petroquímica, automóveis, enfim… Não vejo o menor sentido nisso, a não ser criar isso que nos tem chegado do Rio e que é, basicamente, uma indústria da insignificância.

Dizer que concilia os filmes de grande público com produções “não comerciais” ou “experimentos de linguagem” ou que nome se prefira dar parece embromação: esses filmes saem já tremendamente pressionados e tendem a não resultar em nada.

É mais correta, e honesta, a afirmação de que não existe uma estrutura a sustentar filmes de sucesso. Que “De Pernas para o Ar 2” é um acaso… Sim, fora da Rede Globo não existe estrutura para produzir continuamente nada, nem bom, nem ruim, nem nada. O que se pode fazer são esses subprodutos.

Fora isso, só cinema publicitário. Dá muito emprego etc. A RioFilme podia investir nisso também.

De certo modo, a iniciativa paulista surge mais saudável. Ao menos não se vê o cinema como uma louca corrida em busca do sucesso fácil. (Espero também que não seja essa coisa caipira da RioFilme, de discriminar as produtoras não cariocas). Mas seria interessante parar com essa coisa hollywoodiana que a gente vê por aí, essas equipes intermináveis, e tal.

Tenho a impressão de questões de mercado têm de ser tratadas como tal. A Ancine conseguiu coisa importante, ao abrir espaço obrigatório nas TVs pagas para produção caseira. É certo, abri numa sitcom brasileira da Warner e era horrível, ridícula, mal escrita… Tinha prêmio de incentivo do MinC, não sei como. Essas podem ser as dores do parto. Vamos ver como isso caminha. Os realizadores têm que estar à altura dos espaços que se consegue abrir. Os júris também… (pois os júris atribuem prêmios a projetos de séries e tal e coisa). Se não houver talento e inteligência será muito difícil funcionar.

Temos de ter uma coisa clara: o cinema (o que chamam agora de audiovisual, ou seja, o cinema) não é uma expressão forte no Brasil. Quando se fala de música é possível falar de mercado. Se há um show do Caetano e um da Madonna a pessoa pode ir a um ou a outro, mas reconhece a ambos como do mesmo universo, embora expressões diversas, etc.

Isso ainda não acontece muito com o cinema. Então nossos filmes de sucesso serão sempre exceções felizes, do ponto de vista comercial. Aqueles que acertam na mosca por conta do tema, como Tropa de Elite, ou subprodutos, como E Aí Comeu…

Se a distribuidora paulista tiver por objetivo fazer caixa caminhará para a insignificância. Se trabalhar filmes que não se incomodam com o público, filmes de artistas, tipo “faço para mim” e o governo arranja jeito de financiar, caminhará da mesma forma para a insignificância.

Existe um caminho aberto, mas é estreito, exige um rigor enorme, não só dos responsáveis pela distribuição como dos responsáveis pelos filmes.


Depois de Maio
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Inácio Araújo

Não gosto de me antecipar a textos que vão aparecer brevemente na Folha.

E logo logo vai estrear “Depois de Maio”, de Olivier Assayas.

Escrevo isso não pelo filme em si, mas pelo que me faz evocar a manifestação contra o casamento gay na França.

É um país dividido ao meio. Republicanos e monarquistas, fascistas e libertários, conservadores e socialistas, revolucionários e reacionários, democratas e racistas…

Isso produz bons polemistas. E, é preciso dizer, a direita francesa não raro é brilhante, ao contrário do que acontece aqui no Brasil, onde ela é meramente reativa, não produz idéia alguma, apenas contesta a idéia dos outros, seja qual for, boa ou ruim, não importa.

O que mais me interessou em “Depois de Maio” é que não se trata de um filme saudosista, de uma evocação dos acontecimentos de Maio de 68, mas, justamente, discute o que aconteceu com aquela geração, os rumos que tomaram as pessoas envolvidas mais ou menos diretamente naquela revolta estudantil que se pensou como o grande salto da esquerda para uma sociedade “pura” (a idéia de juventude tem tudo a ver com isso: os não contaminados pela sociedade do consumo, do dinheiro).

O que aconteceu com essas pessoas? E com essas idéias? E com seus filhos?

E, pode-se ir mais além, com a França libertária? E com a Europa?

É do presente que trata o filme, mais do que do passado.

E o presente francês é essa coisa estranha. Na eleições passadas fiquei com a impressão de que só a candidata dos fascistas tinha uma visão clara do que queria. Talvez porque soubesse que não ia ser eleita. Pode ser. Mas essa visão, simplória e não raro assassina, é assim, para resumir: viva Joana D’Arc.

Me parece o centro da decadência francesa, da influência de seu pensamento e de sua arte. Os americanos recebem tudo, agregam tudo: judeus, turcos, chineses, mexicanos, o que for. A Europa se quer “pura”.

Outro dia passou um documentário na TV Cultura sobre Madame Curie. Bem, ela recebeu mais de um Nobel, o diabo a quatro, uma glória nacional. Mas nunca foi aceita pela academia de ciências da França. Nem era por inveja, diz o documentário. É porque era polonesa de nascimento…

É um pouco isso. É Caso Dreyfuss. É “Glória Feita de Sangue”…

É tudo isso, a rigor, que a Nouvelle Vague pretendeu varrer (e varreu, de certa forma), trazendo a América para a Europa.

O Assayas é talvez o único herdeiro da NV. É bem vivo.

Sua obra já começa a merecer uma atenção do Rafael Ciccarini e do pessoal de Belo Horizonte, ou dos curadores do CCBB, ou de ambos.


Hawks em BH
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Inácio Araújo

Falei para as pessoas aquiem Belo Horizonte: vocês podem ver em um mês o que eu levei quase a vida inteira para juntar: o Hawks completo. Mais que completo, com alguns filmes não creditados que não conheço.

E há também aqueles que eu não via há muito tempo, como “Meu Fiho É Meu Rival”.

E a Sala Humberto Mauro se enche para ver os filmes: Minas tem uma tradição extraordinária de cinefilia que se transforma em crítica (exemplos aqui em SP: Alcino Leite e Cassio Starling, que eu me lembre e recentes naturalmente).

Assim como sabem organizar festivais notáveis, como Ouro Preto e Tiradentes, o pessoal daqui (no caso o Rafael Ciccarini e sua turma) recebe a gente com gentileza inacreditável, sem pompas, sem que nada falte, sem que nada sobre.

No ano passado, a Fundação Clóvis Salgado (na prática a Secretaria de Cultura de MG) trouxe Chaplin completo e Buñuel.

Este ano, Hawks. O fantástico é que, para muitos, é uma descoberta.

Para quem já conhece, como eu, uma redescoberta permanente: parece que os filmes são infinitos, que a cada nova visão reaparecem virgens.

Um dos cineastas mais extraordinários, talvez o mais, que já me lembro de ter acompanhado.

Como uma parte do Buñuel chegou em SP, quem sabe isso possa acontecer novamente, no CCBB, no CineSesc ou na Cinemateca. Lugar é que não falta.

SP Filmes

Desde que Juca Ferreira entrou na SMC paulistana tenho ouvido funcionários falarem bem de seu profissionalismo e gosto pela eficiência.

O primeiro gesto que vejo surgir, muito claro, é a ressurreição do projeto da SP Filmes.

Trata-se de uma antiga reivindicação de cineastas paulistas.

Primeiro, tenho a impressão, havia um pouco de inveja da RioFilme.

Mais tarde, a RioFilme passou por um processo pesado de fechamento caipira: encher o Woody Allen de $$$$$$ para filmar por lá (por Deus…), se preocupar em ser capital cinematográfica da América Latina e por aí vai.

Abandonou o projeto de ser uma grande distribuidora nacional. Verdadeiramente da nação.

Nesse caso, a SP Filmes, como empresa de fomento, inclusive com seu projeto de se tornar exibidora (cinemas em bairros distantes do centro), aparece como uma preciosidade: uma agência de fomento.

Os riscos são tão grandes quanto a ambição: tornar-se paulista, por exemplo (acho que por ora um secretário baiano não vai entrar nessa) e sufocar as pequenas empresas que têm segurado a onda da distribuição, não só dos paulistas como de cineastas de Pernambuco, Rio Grande do Sul etc. Ao contrário da RioFilme, me parece que é preciso uma visão sobre o país inteiro.

Aloysio

Fico sabendo consternado da morte de Aloysio Raulino, não só um importante fotógrafo como o cara capaz de topar todas as aventuras cinematográficas mais fora dos padrões, mais distante das convenções. A começar pelas “Serras da Desordem”, que filmou com Andrea Tonacci.

Mas não havia projeto fora dos eixos em que não estivesse disposto a entrar. A generosidade talvez seja a marca maior que deixa.

 


Na Terra dos Faraós
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Inácio Araújo

Um bom DVD, no devido cinemascope, esse de “Terra dos Faraós” que a Versátil edita (sem extras, como quase sempre).

Como todo mundo sabe, não é um dos grandes Hawks. Mas, à parte a sequência final, fantástica, do fechamento da pirâmide, há pontos de interesse seguros.

O primeiro: me parece provavelmente o filme do Hawks com mais planos baixos. No alto, o faraó. E por quê? Porque é um homem acima dos homens, um deus vivo.

A mulher tratará de colocá-lo em seu devido lugar. Reduzi-lo à dimensão humana.

Mais do que isso, do ponto de vista do roteiro temos aí algo interessante para um filme feito ao mesmo tempo que “Os Dez Mandamentos”.  Trata-se de uma variante laica da fuga do Egito pelos judeus. Aqui, claro, não há Moisés nem nada, aliás nem a menção aos judeus. É um povo de escravos, simplesmente, libertados uma vez concluído o trabalho de construção da pirâmide. De todo modo, uma afirmação do laico. O homem, não Deus, é que move o mundo

Como sempre em Hawks, há uma  monstruosidade: a pirâmide, a construção interminável, o homem que vive para sua morte, para seu túmulo.

Pena que, entre os grandes momentos, haja coisas bem fracas.

E outro Hawks

Em Belo Horizonte, um Hawks completo. Maravilha. No ano passado foi Chaplin, com direito a Jean Douchet e tudo mais. Este ano, mais modestamente, vou eu: um curso de três dias. Não mereço estar lá, mas, enfim, estarei.

Ana Katz

Uma diretora argentina desconhecida entre nós. Com um filme, um pouco comédia, um pouco não, chamado “Los Marziano”. Três irmãos diferentes entre si , sendo que um deles, o rico, mora num lugar paradisíaco, com grandes gramados, onde de tempos em tempos, sem que nem porquê, as pessoas caem em buracos gigantescos.

Um imaginário bem estranho, bem provocante, mesmo que tenha ficado com a sensação de ter perdido algo, de não ter compreendido direito esse estranho surrealismo argentino.

Mais uma ilustração, em suma, da vitalidade do cinema de lá. Tenho mais dois filmes dela para ver, que amigas emprestaram. A ver.

 Casamento Proibido

“You and Me”, no original, “Casier Judiciaire” na França, “Casamento Proibido” no Brasil. Um Fritz Lang que é dado como fraco. Do meio para o fim, talvez. Do começo até o meio, belo.

Um dono de loja de departamentos emprega ex-presidiários. Geroge Raft entre eles. Enquanto a condicional não acabar eles não podem se casar (acho que é lei, não determinação patronal).

Raft e Sylvia Sydney se apaixonam, no entanto. Problema à vista. Menor, no entanto, do que antigos colegas da gangue de Raft quererem que ele volte à ativa, justamente roubando a loja do seu benfeitor.

Há um quê de Frank Capra nisso, de partição entre um mundo entre ingênuo e bom e outro corrupto e mau. Quando isso fica desenhado, o filme de fato tropeça um pouco.

E, no entanto, a primeira parte tem aquilo muito Lang de um homem, e depois um casal, que a vida marcou a ferro.  Como todo Lang, vale.


Killer Joe e A Visitante Francesa
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Inácio Araújo

Todo mundo já deve ter notado minha falta de paciência para falar de filmes nos últimos tempos.

Bem, com Killer Joe é diferente.

Uma volta em grande estilo do Friedkin.

E vou ficar só com o começo: um rapaz chega a uma casa-trailer debaixo de uma chuvarada, bate desesperadamente, chama por Dottie.

Não é Dottie quem abre a porta, mas sua madrasta.

A madrasta é Gina Gershon, o que inspira Friedkin a fazer um plano genial.

Ela aparece nua da cintura para baixo e se aproxima até ficar em primeiro plano.

PP da xoxota.

Quem filma isso, quem filma assim hoje em dia?

O rapaz é que se escandaliza. Pede a ela que se vista.

Ela diz algo como: Por quê? Metade da cidade já viu ela assim.

O rapaz, bem excitado, quer falar com o pai e se sente mal com a madrasta daquele jeito.

Mas fala assim mesmo. Sabe? A minha mãe tem um seguro de vida, 50 mil dólares.

Ela não vale nada. Por que não a matamos? Conheço um cara… Etc.

E depois já começa a fazer a divisão da grana toda.

Claro, é vida de pobre. É tudo aperto. E o rapaz logo aparecerá numa loja de apostas. Joga um monte no cavalo errado. Sai. Na frente dele posta-se um carro. Já sabemos pela posição frontal do tipo de ameaça que representa. O menino sai correndo que nem maluco. Pronto: há carro, há moto, há o menino correndo. Uma dessas perseguições irretocáveis do William Friedkin, cheia de um vigor único.

Pensei então que isso é que nem o Tarantino, mas de verdade.

No Tarantino a gente sente que aquilo é uma brincadeira com a imagem, quase sempre.

Com “Killer Joe” não é assim.

Claro, não se deve levar a namorada para ver esse filme.

No passado seria o que Biáfora chamava “filme para marinheiros”.

Há umas engrossadas que nem precisaria ter.

Mas é bom ver uma coisa assim. Bem rara.

Já “A Visitante Francesa” é leve, elegante, tem invenção interessante, pois coloca uma francesa na Coréia, o que significa que todo mundo fala uma língua que não a sua: o inglês.

Esse deslocamento corresponde, me parece, ao deslocamento da própria personagem, que fica ali numa espécie de fim de mundo, um balneário meio muxiruca.

E tudo sob o signo da ficção, pois a história, ou as histórias são escritas por uma garota para pagar a dívida que um parente deixou.

Bem legal, também.

No CineSesc começa  os melhores do ano

Não fui à homenagem ao Carlão no CineSesc, na abertura da mostra dos Melhores, porque estava estourado. Pelo que me contaram, acho que fiz bem.

Agora, vale a pena dar uma chegada lá: toda a vida do Carlão quase está nas paredes, muito bem resumida, em fotos, em cartazes, etc.

Participei de um debate sobre Novas Tecnologias vs. Cinemas de Rua.

Se posso fazer uma crítica à organização, lá vai: só tinha velho na turma, e velho tende a ser nostálgico, a reclamar do presente.

É muito bom estar entre nós (e com o raro – em todos os sentidos – Zuenir Ventura). Mas temo que a rapaziada da platéia tenha achado que caiu por engano num encontro geriátrico.

Claro, nossas lembranças estão em outra parte. Acho que seria justo misturar um pouco, trazer gente nova para falar também.

Porque, claro, podemos reclamar do que for: as salas de rua que a gente frequentava no passado eram umas drogas.

E podemos reclamar de digital, do que for: o mundo em que vivemos é este.

O cinema também é culpa da tecnologia, no fim das contas.

E Fuller no CCBB

Mostra de respeito. Que mais dizer?


Crítica, cidadãos, consumidores
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Inácio Araújo

Sérgio Alpendre escreve me animando a buscar um espaço para esclarecimento a respeito das críticas de alguns leitores do Guia da Folha aos críticos e às suas cotações.

Já escrevi aqui sobre essas reclamações. Há algum tempo um leitor dizia que ele e seus amigos nunca estavam de acordo com as cotações recebidas pelos filmes.

Até onde consigo lembrar, o teor da última carta não é muito diferente. Lembro apenas que era de um músico.

Achei divertida a menção à profissão. Músico? Mas que músico? Toca na sinfônica ou na churrascaria? Toca bossa-nova ou sertanejo? Música barroca ou século 20?

A profissão pode não querer dizer nada…

Não falo mais sobre isso. Não é um problema de opinião, de saber ou não saber, nada. É um problema civilizacional. O sujeito se vê não como o cidadão que, diante de um texto que o convoca, de um modo ou outro, a refletir, discordar, acrescentar algum conhecimento, etc.

Ele é diferente. Se não está de acordo com o número de estrelas que aparece lá ele se sente lesado em sua condição de consumidor. É nessa condição que ele escreve e se queixa: a opinião do crítico não bate com a sua, o crítico deveria estar de acordo com o espectador.

Mas, em primeiro lugar, como? Alguns concordarão, outros não. O próprio quadro do Guia mostra como são diferentes as maneiras de ver filmes, de estar frente às imagens.

E, em segundo lugar, o crítico não existe para estar atrás do leitor, mas, ao contrário, para antecipar-se a ele. Como é, supostamente, um especialista, dedica-se ao estudo daquilo, vê filmes constantemente, passados e presentes, lê textos a respeito, etc., ele é alguém que tem algo a ensinar ao leitor que aprecia aquela arte, mas de maneira esporádica, sem um compromisso maior. Ou, caso seja um espectador frequente, o crítico estará ao seu lado, é alguém com quem o leitor dialoga, discute, concorda, discorda, etc.

Resumindo: a crítica – como atitude diante do mundo – não é para consumidores, mas para cidadãos. E o mundo se desenha mais para consumidores do que para cidadãos. Azar o nosso.

Cinusp

Nunca falo do Cinusp, não porque não mostrem coisas boas, mas porque é quase um gueto, fechado lá na Cidade Universitária (gueto mesmo: o reitor não deixa o Metrô chegar lá. Quem disse que era só o ex-presidente Figueiredo que não gostava de cheiro de povo?).

Mas essa série com o Novíssimo cinema brasileiro é muito boa. Sobretudo pela presença dos realizadores para conversar com a platéia.

Coisa que seria muito, mas muito interessante ver na Cinemateca.


Caça aos desviantes
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Inácio Araújo

Do que adianta fazerem uma bela mostra de Samuel Fuller e todo mundo comentar?

A caça aos desviantes está em pleno vigor.

Vigor ditatorial, eu diria.

Vejamos o caso mais recente: um aluno, fazendo exame do Enem, escrevendo a respeito de imigração (quase nunca isso é dito), resolveu fazer uma pausa, para amenizar, e enfiou lá uma receita de miojo.

Foi o bastante para começar um bullying contra o rapaz, contra os examinadores, contra não sei mais quem, comandado, é claro, pelos jornalistas e professores de português.

Com todo respeito, conheci professores de português que eram umas bestas quadradas. Nem todos, há os geniais também. Esses tornam os seus alunos interessados na leitura, por exemplo, e na cultura.

Os outros… Bem, os outros reprimem, exigem respeito à autoridade, esse tipo de coisa.

Volto ao caso. Para mim, o menino da receita de miojo é um sopro de alegria, de criatividade, de liberdade nesse exame chato (como todos os exames).

Se fosse eu o examinador levava nota máxima. Mas eu sou um outro desviante… Minoritário à beça. Nada feito…

Ora, só um tapado não percebe a relevância do miojo na imigração japonesa. É uma marca. Claro, há outras. Há os pintores, os filmes da Liberdade, o suchi (ou suxí?, ou çuchi?), por exemplo.

Um bom professor, acho eu, é o que sustentar e der força a esse menino. Porque é preciso irreverência, é preciso um tanto de desrespeito nesse mundo sacal.

Então vêm os jornalistas, que caem em cima porque são massacrados com esse papo de “norma culta” desde que acabaram os revisores. Fazem erros, não sabem verbos, nem vírgulas. Então precisam aprender tudo de uma hora pra outra. Aprendem mais ou menos, apanham e querem bater nos outros. Eu mesmo, que não sou tão ignorante assim, aprendi um monte quando o Pasquale veio dar aulas na Folha. Foi ótimo. Aprendi, por exemplo, que a gente não mete vírgula quando respira. Não é isso, há uma lógica na coisa. Eu desconhecia isso. E, caramba, sou leitor desde que nasci praticamente. Eu não sabia falar direito e minha mãe já me tinha feito decorar uma poesia do Machado.

Quando eu era copy desk, meu Deus, corrigi textos de sumidades nacionais (e mesmo internacionais) com erros que dariam medo em muito semi-analfabeto. Não tira o mérito da pessoa. Estavam em outro lugar (os méritos). Se caíssem nas mãos desses professores estava lá: reprovado!!!!!!!

A marcha da repressão hoje é quase incontrolável. Não vem dos militares, do governo, da oposição: a palavra de ordem vem dos ex-juízes de futebol na Globo, sobretudo o Wright: tem que punir, tem que expulsar, tem que dar cartão, tem que impor respeito.

Tudo é punição. Respeito. Ordem e progresso. Crime e castigo. Mundo apertado, besta.

Viva o menino do miojo. O do hino do Palmeiras também. Menos. Mas futebol é o que passa na cabeça desses garotos. E o Palmeiras é imigração italiana, não é, então qual o galho?

O pior de tudo é o que o Enem (ou o MEC, ou lá quem seja), apertado pela inquisição, em vez de mandar plantar batatas, já prometeu que vai mudar os critérios, que vai dar nota zero a quem fizer brincadeira na prova e tal e coisa.

Em suma: cartão vermelho. Expulsa. Respeito! Fora da classe! Pra diretoria!

Vigiar e punir.

Nenhuma chance para a alegria, que é a prova dos nove, dizia Oswald.

E onde está Oswald? Cai na prova? Está esquecido.

Gostei do Xico Sá-ience falando da Nicole Puzzi. Era a mais linda atriz do cinema brasileiro, sem dúvida, embora uma má atriz. Tinha muitas mágoas do cinema (e dos produtores), isso a tornou uma atriz dura, como se diz. Mas era um espanto, uma graça.

Voltando ao assunto principal, mas não muito: a nossa língua é difícil, cheia de meandros.

“Dominar a norma culta” é diferente de “erro zero”, como reivindicam os professores e os colegas jornalistas.

A norma culta é uma abstração. Um conjunto de leis perfeitamente modificáveis. Não é a Tábua da Lei. Entram e saem palavras nela. Entram e saem formulações. Para isso existem a escrita e os escritores. Os escritores não os escreventes, como bem dizia Barthes. Deles vamos esperando a contribuição milionária dos erros, contra a miséria dos acertos estéreis.


Crime e Castigo
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Inácio Araújo

1.A Propósito da Verdade

Partiu de Juca Kfouri, na ESPN Brasil, emissora de esportes, a mais clara e veemente explicação do que seja Comissão da Verdade. Isso que os jornalistas de canais de notícia e mesmo de jornais de TV omitem, talvez por seguirem as normas da desinformação (também conhecida como contra informação – mais detalhes com o papa) ou, mais provavelmente, por ignorância mesmo.

A explicação de Juca (que transcrevo sem o mesmo rigor e paixão) começa por desautorizar esses que pedem a investigação “dos dois lados” na história da repressão. Como dois lados? Um dos lados foi vencido, censurado, torturado, aprisionado, exilado e, não raramente, assassinado. Que verdade se pode buscar desse “lado”? Que mataram algumas pessoas? É verdade. O cap. Lamarca mesmo atirou contra um guarda, durante um assalto, lembro bem disso, e o matou. Mas Lamarca foi caçado e morto. Que mais se pode querer fazer? Nada. Não há nada a fazer. Esse discurso não passa de cortina de fumaça destinado a encobrir torturadores e similares ainda vivos.

O segundo ponto é que esse segundo “lado”, o dos vencidos, era em número de 200 ou 300 pessoas, divididas em inúmeros grupelhos, que combateu um exército não raro apoiado por exércitos vizinhos e com assessoria especializada. Isso faz parte do jogo. Saber se eles foram heroicos ou inconscientes (ou ambos, o que me parece mais provável) é outra história. O essencial, nesse ponto, é que esses guerrilheiros combateram um governo ilegítimo, saído de um golpe militar contra instituições democráticas, contra um presidente constitucional, contra as eleições que viriam em 1965.

A esses guerrilheiros (e não terroristas: o terror foi praticado, no caso, pelo Estado), e essa parte agora é minha, por mais que se possa discordar deles, devemos o pouco de honra nacional que ainda existe por aqui. Depois vieram a igreja (d. Evaristo Arns), as reações internacionais (Direitos humanos etc.), os partidos políticos constituídos, Ulysses Guimarães e a Anistia.

Essa conversa de “dois lados” hoje é insuflada em grande medida por ex-esquerdistas de salão, que hoje consideram mais chique, ou oportuno, desenvolver um discurso de direita, em certos casos de extrema direita.

Os arquivos que estão fechados a sete chaves são os das Forças Armadas, os cadáveres que não se sabe onde estão são de guerrilheiros, o que se precisa saber sobre tortura é segredo de torturadores e não de torturados. Estamos na ordem dos fatos, não da linguagem – aqui parafraseando Vidal-Naquet. Não é questão de partido ou outro.

2. Direitos humanos

Esses desqualificados que a TV abriga em quantidades industriais costumam convencer uma parte da população, justamente uma pouco protegida, de que o mal do mundo são os direitos humanos. Que sem eles a gente podia torturar os bandidos na boa, jogá-los na masmorra e esquecer, etc.

Ora, essas pessoas não sabem ainda que são elas justamente as vítimas desse tipo de pensamento. Outro dia um chofer de taxi (eles têm solução para tudo), à parte defender a pena de morte, discorria sobre o mal dos direitos humanos. Tudo bem, chofer não tem outra coisa a fazer a não ser guiar e falar. Mas me chamou a atenção que ele era preto, retinto. Se não fosse pelos tão mal falados Direitos Humanos, pelo Iluminismo, por 1789, ainda estava no cabo da enxada e debaixo de chicote.

Essa é a questão dos Direitos Humanos: o que somos hoje, com todos os males, devemos a eles. É sobre essa famosa declaração que ainda hoje estamos sentados.

Coisa que esses desqualificados da TV jamais explicarão a seus espectadores, digo, vítimas.

3. Cidade Suja

Aparentemente, a CET de São Paulo entregou os pontos: não sabe mais como piorar o trânsito.

Em vista disso, decidiu dedicar-se às artes plásticas, às intervenções. Em pontos inesperados, no meio da rua, junto a esquinas, de maneira aparentemente aleatória, pinta superfícies azuis, delimitadas por uma faixa branca. Para que fique claro o caráter de intervenção, plantam pesos com faixas pretas e amarelas.

Talvez seja um novo modo de diversão: talvez esperem que os carros distraídos invadam suas obras para produzir mais eventos (ferro esmagado, talvez algum sangue,etc.).

É uma ideia. Não me parece a melhor para esta instituição tão democrática, que há décadas se esforça para piorar o tráfego onde ele ainda flui. E isso independe do partido que esteja eventualmente no poder: é uma conspiração dos engenheiros, que há alguns anos ainda não sabiam como fazer alguém entrar numa via de movimento rápido sem produzir magistrais engarrafamentos.

PS: a foto que ilustra o post é uma das caixas da Retrospectiva Sérgio Sister, na Pinacoteca. Dia 21, quinta, lá mesmo, tem o lançamento do livro dedicado ao pintor.