Blog do Inácio Araújo

Arquivo : February 2013

Dez Mais 2012
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Inácio Araújo

É nossa convenção: todo ano, escolher os que julgamos melhores.

Para mim isso só é definitivo quando chega a listagem do Cinesesc, a mais completa.

Vamos ver quais foram os que mais me marcaram (às vezes retrospectivamente) no ano passado (só vale filme estreado comercialmente).

Não voto em “Cabra Marcado para Morrer”, do Coutinho, claro, porque é um relançamento, não me parece fazer sentido.

Brasileiros:

1. O Homem que Não Dormia – Edgard Navarro

2. Xingu –Cao Hamburger

3. Cara ou Coroa – Ugo Giorgetti

4. Luz nas Trevas – Helena Ignez e Ícaro Martins

5. Sagrado Segredo – André Luiz de Oliveira

6. Febre do Rato – Cláudio Assis (na cédula vai até o quinto, apenas)

Melhor documentário:

Uma Longa Viagem (Lúcia Murat) + Tropicália (Marcelo Machado)

Melhor Ator: Daniel de Oliveira (Boca)

Melhor Atriz: Hermila Guedes (Boca)

Melhor roteiro: O Homem que Não Dormia

Melhor Fotografia: Adrian Teijido (Boca e Gonzaga).

Estrangeiros:

1. Os Mistérios de Lisboa

2. Um Alguém Apaixonado

3. O Exercício do Poder

4. As Quatro Voltas

5. Um Verão Escaldante

6. Habemus Papam

7. Um Método Perigoso

8. Hahaha

9. Os Descendentes

10. Argo e Elefante Branco (na lista do Sesc são apenas cinco filmes; me parece pouco, na verdade).

melhor diretor: Raoul Ruiz (Os Mistérios de Lisboa)

melhor ator: Viggo Mortensen e Michael Fassbender (Um Método Perigoso)

melhor atriz: Keira Knightley (Um Método Perigoso)

Bem, quem quiser fazer a sua lista aqui em seguida será bem recebido.


Lincoln, o americano tranquilo
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Inácio Araújo

 

Saí de “Lincoln” bem impressionado.

Tinha visto o filme quase fora do cinema (fila B, poltrona 23 de um Kinoplex), tinha tudo para achar aquilo longo e tal, mas não foi essa a impressão que me ficou.

Pensei que Spielberg fez um filme de fato fordiano, que de certa forma busca reinstituir o mito da América. Em outros termos, na verdade, mas nem tanto.

Não se trata da vida de Lincoln. São alguns meses, aqueles que precedem a votação da emenda que decretaria o fim da escravatura.

Para ter sucesso, Lincoln precisa conseguir manter sua bancada (republicana) unida e ainda angariar 20 votos entre os democratas.

Mas precisa fazê-lo antes que a guerra civil acabe, pois o Sul está exangue. E precisa que seus exércitos continuem a atacar os sulistas.

Precisa contentar a parte mais conservadora de sua bancada e acalmar os radicais.

Enfim, o momento histórico que Spielberg maneja não é de força, mas de razão e negociação. Aí está a grandeza de Lincoln. Se atrasar a votação da emenda, terá de volta as bancadas sulistas (ora em secessão) e perderá fatalmente. Tem de fazer algo num momento exato, passando por todas as vicissitudes que um presidente enfrenta no caso de um congresso dividido.

O que me parece sensacional é a forma como Spielberg toma esse tema espinhoso, nada Indiana Jones, e o leva com firmeza. Não facilita as coisas introduzindo cenas emocionais, nada (ou: não mais do que John Ford faria)

É verdade que Daniel Day Lewis (e o maquiador) ajudam muito. Mas eis aí um filme escuro, feito no escuro, muito arrojado, com base sobretudo no “homem que pensa”, Lincoln.

Há essa mitologia, é verdade. Mas no caso ela se origina menos das efígies lincolnescas (exceto por uma imagem logo no começo do filme, ao menos que eu tenha notado) do que do filme de Ford, “A Mocidade de Lincoln”. Sobretudo a imagem do Lincoln andando solitário, se distanciando, aquela figura esguia, que lembra um pouco Nosferatu, essa é a verdade, me fez lembrar mais ainda da figura também esguia de Henry Fonda como jovem Lincoln.

Talvez Spielberg estivesse pensando em Obama, que ora tenta reconstruir o país enquanto sofre forte oposição. Claro, os estilos e circunstâncias são bem outros, mas ainda desta vez a negociação é a chave, o raciocínio, a capacidade de mover as pedras nesse xadrez cheio de movimentos traiçoeiros.

E se se aproxima de Ford, ao mesmo tempo opõe-se a ele: aqui de certa forma há um “grande homem”, o grande homem americano por excelência, tutelando o filme, levando a história adiante. Ford nunca cultivou isso. Ainda assim, um quê fordiano está presente no filme.

P.S. 1 – Aqui vê-se Lincoln, ninguém menos, envolvido até o pescoço num profundo mensalão. Oferece empregos, compra, chantageia congressistas na maior. É imoral, nesse momento em que a moralidade seria… escravagista. Se estivesse no Brasil as coisas seriam diferentes. Nos Estados Unidos a lei corre meio frouxa.

P.S. 2 – Por que são tão caros os restaurantes e as roupas em São Paulo? Acho que é porque são os dois únicos assuntos sobre os quais os paulistas gostam de falar e discorrem com propriedade. Não é porque os aluguéis são caros, nem os impostos altos. Acho… Digo isso porque, vendo o filme, perto de mim, quando Lincoln menciona Euclides, a amiga volta-se à outra amiga e pergunta: “Euclides da Cunha?” 


Primeiras impressões sobre o novo Oscar
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Inácio Araújo

Mas antes uma palavra para “Amor, Palavra Prostituta”, que passou sexta-feira, dia 25, na retrospectiva Reichenbach.

Não reparei direito em quem fez a pergunta, mas o sentido era: o filme resistiu ao tempo?

E eu disse: melhorou.

Não foi bazófia. Acho que aconteceu isso de fato. Os filmes do Carlão tendem a melhorar com o tempo, a maior parte deles.

No “Amor” o que se vê é uma torrente de relações falsas, de pessoas fora de si mesmas, incapazes de chegar a si: reagem ao mundo exterior, como Luis Carlos ou Rita, buscando aquilo que lhes é prometido (ascensão social, conforto, etc.). É um jogo de que o professor está fora: subir na vida, ganhar dinheiro, são coisas que não fazem sentido para ele. Assim como expressar-se ou fazer sexo. Ele é o negativo de Rita ou Luis Carlos. E Lilita não tem história, nem relação, nem nada: apenas uma vontade de viver meio larvar.

Um estranho grupo, nota-se.

Um grupo que se desfaz ao longo da história. Se desfaz pelo sangue, se poderia dizer: depois do aborto mal-sucedido de Lilita: evento radical que obriga cada um a buscar seu destino.

E o destino dos sem destino, Lilita e o professor, não é outro senão estabelecer uma relação humana entre ambos.

Nada senão isso. Nem se abre a hipótese de um amor futuro, ou de uma amizade, nada… É um instante, talvez. Talvez não. Mas nesse instante esses dois seres atingem uma espécie de plenitude, são sujeitos de seus atos. É muito bonito, como uma viagem a si mesmo.

É algo que, para mim ao menos, só virou evidência agora.

Adorei o filme todo.

“Amor” e “O Mestre”

Acho que não entrei no Oscar pelo melhor pé.

“Amor”, que me diziam ser o máximo dos máximos, é um filme incontestável. Tem uma maestria ali, nos tempos, na direção dos atores, nas elipses, que não se pode dizer nada.

Aliás, que atores. E que beleza ver Emmanuelle Riva de novo. Vez por outro ela fala e parece que estamos em “Hiroshima Meu Amor”.

Aliás, o Alcino Leite diz, sim: diz que ele é muito acadêmico.

Pensei e acho que ele está bem certo, como sempre: é o cinema moderno, nada mais. Longos planos, audácias sobretudo no tratamento da mulher e tal. Mas ficamos por aí. Repetem-se os grandes mestres modernos, sobretudo os psicológicos.

E, diz A.L., tudo está no lugar certo.

Penso naquele sonho do Trintignant. Está lá para dar um susto no momento em que o filme pode ficar sem assunto, mas é um tempo forte arbitrário que ele introduz.

Isso, no entanto, me parece secundário: o problema é que Michael Haneke despreza a espécie humana com tal intensidade que se a gente der uma soprada na retórica da compaixão que é a face mais ostensiva do filme, o que vemos é uma espécie condenada à degenerescência.

Há atrevimento, sim, em filmar a morte. E, entre tantas elipses, me pareceu repulsiva a maneira como mostra aquele assassinato. É uma coisa de uma crueldade sem fim.

Sob a delicadeza aparente está lá o Haneke de sempre: pronto a mostrar o pior de nós.

“O Mestre” tem um aspecto interessante: em vez de ficar na condenação dessas seitas absurdas que proliferam pelo mundo, tem seu foco na relação entre mestre (Philip Seymour Hoffman) e discípulo (Joaquin Phoenix). Ambos viciados na beberagem assassina que Phoenix é capaz de produzir. Iguais e diferentes. Phoenix traz inscritos os desequilíbrios da guerra (e talvez também os hereditários). Hoffman é sua face racional, produtiva, americana: aquela seita tem algo do radicalismo dos anos 1950, aquela solenidade de Politbureau do PC e tal.

Mas, para além disso tudo, me parece um filme de performance.

Performance de Phoenix. Espero que ganhe o Oscar. Merece (ele já ganhou um? Acho que não, não tenho certeza). Merece por se parecer tanto com outro e com ele mesmo.

Merece porque faz tudo que o Oscar e a arte dramática querem: representação, performance.

Hoffman, que já ganhou com performance, e que é o melhor ator do mundo hoje, faz qualquer coisa, serve muito bem de escada.

Foi menos do que eu esperava.



Alguns Dias em Tiradentes
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Inácio Araújo

Para evitar qualquer dúvida, já que Jean-Claude entendeu outra coisa, e talvez não tenha sido só ele, deixo bem claro que gostei muito de “Eles Voltam”, de Marcelo Lordello.

Tem ali, para começar, uma coisa de que gosto muito: vejo o filme e tenho tempo de, simultaneamente, remeter a outros filmes de que gostei. Um deles: “Alemanha Ano Zero”. O mistério que carrega aquele menino, que não se dissipa, sua errância, são coisas que se aproximam da menina do filme. Há um mistério nela que supera aspectos mais trabalhados no filme (a família de classe média, a formação, etc.), que leva todo o tempo a perguntar quem é ela, afinal.

Lembrei também do “Au Hasard Balthasar” e acredito que pelo mesmo motivo, com a diferença que o burrico do Bresson não tem um mistério, ele é o mistério em si, me parece. E não tem controle nenhum sobre o seu destino, como a menina do “Eles Voltam” em parte do filme. É levado. Como ela.

Fiz algumas objeções pequenas ao filme. Como certos saltos dramáticos que talvez fossem desnecessários. Isso pode acontecer por alguma dificuldade de produção. Mas pode também ser uma opção de autor. Afinal, o Renoir fez dessas a vida toda e não deixou de ser Renoir (talvez tenha sido graças a isso, a essa liberdade que se concedia).

Minha única objeção real ao filme é num momento ainda inicial, depois que o irmão sai. A menina fica ali bem como o Balthasar do Bresson. Mas o filme nesse ponto se ressente de algum tempo forte, que poderia surgir em um terror dela, em um primeiro plano, algo que vinculasse espectador e filme, sem violentar o seu espírito (essa coisa hitchcockiana em que o Kiarostami é mestre).

No mais, o filme tem essa virtude de vincular o espectador, sobretudo pela revolta: que pais são esses que largam os filhos na estrada?, que irmão é esse que de repente desaparece?, etc. e tal.

O espectador fica intrigado e curioso. E com isso “Eles Voltam” se constrói como um filme de extracampo, muito interessante.

Ah, outra pequena objeção: me parece que em dado momento, quando a garota encontra uma casa burguesa e uma moça também burguesa ali, tudo vai bem, mas o fato de sua família possuir uma casa nas redondezas faz com que ela transite do estranhamento à familiaridade muito rapidamente.

São coisas pequenas, talvez irrelevantes diante da originalide do trabalho. E mais uma vez Pernambuco se afirma como referência nacional em termos de estética cinematográfica e também de uma liberdade que nem por isso contraria a intransigência.

Deixo de lado aqui alguns momentos muito bonitos, muito fortes do filme e passo raspando pela questão política tão presente, quanto discreta. Não sei se chega a ser uma “questão”. São notações sutis, porém incisivas. Percepções de nossos desequilíbrios. Mais ou menos isso.

Doce Amianto

Também para que não haja dúvida: não gostei nada do filme cearense. Digo isso com o coração na mão, porque um dos rapazes, muito simpático, dedicou inclusive a sessão ao Carlão.

Mas é outra coisa que tinha em comum com o Jairo Ferreira: não suporto filme barulhento. E “Doce Amianto” não dá nem um pequeno refresco aos ouvidos. Pelo menos enquanto eu estive lá.

Lúcia Murat

Não lembro o título, que me pareceu bem confuso, do filme da Lúcia Murat. Enfim… Lúcia é uma mulher corajosa, ninguém duvida. Passou por guerrilha, tortura, o diabo. Vem construindo uma obra que se pode criticar por vários aspectos, mas nunca pela coerência.

Aqui ela não abre mão de seus princípios: foi guerrilheira (ninguém chame de terrorista), acha a luta armada justíssima, acha que houve mortes indesejáveis (casualties of war), mas nunca assassinatos da parte dos guerrilheiros. Etc.

Quem quiser aceitar, que aceite. Quem não quiser, não aceite. Desde “Que Bom Te Ver Viva” é assim que ela mostra o mundo. Não mudou. Não se arrepende de nada. Não acha nem mesmo que a guerrilha esteve errada. Não fundamentalmente, em todo caso: para ela, se não houvesse luta o Brasil seria não um país mas uma lesma desossada.

Há um canto à sua geração ali. Que até ela reconhece exagerado aqui e ali. Mas é isso. À sua geração e a Vera Silvia Magalhães, a militante fascinante que Simone Spoladore interpreta.

O mais interessante é a convivência entre os velhos militantes e a jovem protagonista: essa fenda de tempo entre a juventude e a maturidade que o filme não preenche. A protagonista será sempre uma garota…

Dito isso, eis um filme “en dents de sice”, para falar na língua que Lúcia Murat prefere. Alterna momentos excelentes a bobagens também enormes.

Gosto da idéia de ela ter um filho homossexual. Fala de uma passagem geracional sobre a qual Irene, a narradora, não tem controle (claro, há um quê controlador nessas pessoas da política). Não gosto de em dado momento o filho e o namorado aparecerem na cama sem mais nem aquela. Não é um filme sobre a vida sexual. Agora, se ela mostrasse uma transa da Irene ou dos outros velhotes também… Aí tudo bem.

Companheiro Daniel

A homossexualidade, sabemos, é um preconceito forte entre o pessoal da política. É interessante a L.M. lutar contra isso.

Mas não é tão verdadeira assim essa tolerância toda ou o pessoal mudou muito.

Em dado momento ela cita o companheiro Daniel.

Um bravo, bravíssimo guerreiro, até onde se sabe, e homossexual.

Eu estava no meeting, em Paris, em que ele e seu companheiro se declararam homossexuais.

Foi quando eu dei graças aos céus de esses caras não terem tomado o poder, porque era tudo de um obscurantismo eu diria papal.

Houve um que garantiu, indignado, que entre cachorros não havia dessas coisas…

Por aí dá para perceber a barra.

Essa autocrítica, a dos costumes, eu não vi no filme. Num outro, talvez… Daria uma boa comédia, para ser bem franco.


Mãe Dinah vai ao Oscar
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Inácio Araújo

Que tipo de ansiedade especial desperta o Oscar nos programas de rádio e TV que fica todo mundo tentando prever, meses antes, o que poderá rolar na premiação?

Será que vence “Argo” ou “Os Miseráveis”? Spielberg ou Tarantino?

Já caí nesse conto. Não contem mais comigo para isso.

Não sei quem vai ganhar. Não sou vidente, melhor que chamem a Mãe Dinah.

O Oscar é isso mesmo: uma mistura de previsibilidade e seu inverso.

Claro que a função da imprensa é dar uma esquentada na coisa, tudo bem.

Mas há modos e modos de fazer isso.

Esses programas poderiam, ao menos em certos anos, ser pretexto para discutir o cinema, seus rumos, suas tendências.

Mas quando é para ficar na lenga-lenga de quem ganha quem perde, quem é injustiçado e quem não é, é deprimente.

Tudo aberto, tudo secreto

Há muito tempo há tentativas no sentido de bloquear os celulares nos presídios.

Agora, parece, certos testes funcionaram.

Noticiou-se que os presos reclamaram às operadoras, ou tentaram reclamar, que não conseguiam mais fazer as ligações…

Há um lado cômico nisso tudo, é claro: além de estar preso, com celular roubado, o cara vai reclamar da Vivo ou da Claro ou de seu lá quem.

Me parece, porém, que existe um outro lado.

O mundo hoje, ao menos o mundo brasileiro, tende à transparência.

Transparência que equivale a vigilância, por supuesto.

Existe um contrapeso aí que mais cedo ou mais tarde vai se manifestar.

Passemos.

A questão é que tudo que se faz tem de ser avisado previamente neste mundo.

Se você vai por um radar de trânsito na estrada é preciso que o motorista seja avisado.

O que me parece meio ridículo, já que a velocidade máxima, se for 90km/h por exemplo, é 90km/h em toda a extensão da estrada, e não apenas onde estão o radar e seu aviso.

Já aos presos ninguém precisa avisar nada.

Pode-se privá-los do sinal de celular e expô-los ao ridículo (foi esse o tom da cobertura jornalística) sem mais.

O exemplo é quase de comédia, mas a questão é outra: o universo prisional continua a não ter transparência alguma. É um mundo fechado, secreto, onde todos os direitos da pessoa são suprimidos e todos os direitos policiais são levados a extremo.

Isso começa nas delegacias, nos “interrogatórios” (vulgo torturas) e tudo mais.

O desarranjo profundo em que vive o Brasil (São Paulo, pelo menos, e creio que o Rio também) em termos de Segurança Pública passa, me parece, por aí.

Se há câmeras de vigilância em toda parte, devia haver também nas delegacias e presídios. Menos para os presos do que para investigadores, delegados, PMs, guardas penitenciários e tal.

(Não sou contra cortar os celulares nos presídios, não é isso. Sou contra fazer o teste a esse respeito sem nenhum tipo de aviso aos presidiários).

 


Começo de ano: o sim, o não, o talvez
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Inácio Araújo

 

 

Um fim de semana para ficar em dia, mais ou menos em dia, com o que está passando nos cinemas, depois mais uns dias de folga, isto é, de fome. Ou ambos.

O Som ao Redor – Sim

Eu já havia falado deste filme, notável estreia de Kleber Mendonça.

A história de uma rua de Recife, a rigor, com a sua diversidade de personagens e aqueles horríveis prédios da orla, todos nessa nueva subarquitetura horrorosa, meio novo rico, ou bem novo rico da cidade.

Mas, à medida que conhecemos os personagens vamos ver se desenhar, atrás de toda co-existência harmônica a história de sangue e violência do Nordeste.

Se o cinema pernambucano tem se destacado até aqui como o melhor desde os anos 1990, o melhor do Brasil, o mais consequente, tenho a impressão de que esta estreia nos diz muito, entre outras coisas porque se percebe que não foi um tour de force isolado, que o autor ainda tem muito a dar e, inclusive, a caminhar.

Em suma, uma unanimidade que me parece justa.

HaHaHa

Sheila, que costuma ser certeira na síntese, saiu-se com esta: “Não vi nada que a nouvelle vague já não tivesse feito”.

Com efeito, esse cineasta coreano, xodó da atual (e muito fraca, no geral) geração dos Cahiers, está muito próximo das coisas que a gente já viu ali nos anos 1960.

E no entanto… Desde a narração, desde aquelas fotos que resumem a conversa, entrando de tempos em tempos, algo é inédito nisso tudo.

Eu diria que, pelo menos, a personagem da menina, a garota com suas hesitações amorosas, seu vai e vem entre os dois caras, é muito, muito bom.

No (Eu digo No ao No?)

Não propriamente um filme sobre o Não dos chilenos a Pinochet, mas sobre o peso da publicidade na política.

Mas trata-se mais de fazer o elogio dos publicitários do Não do que de demonstrar como ideias semelhantes podem ser enunciadas diferentemente.

Ou, mais ainda, de como ao enunciar diferentemente certas ideias elas próprias tornam-se outras. Melhores ou piores, não importa, mas outras.

No caso, o que parece claro no filme é que vencer o Sim significava, em grande medida, enterrar o passado sanguinário da ditadura.

(Em todo caso, menos do que aqui, isso é certo).

Dito isso, eu também digo No a Pinochet. O que não significa que deva engolir, senão como informativo, esse filme bem mau estruturado, com uma série de falsos problemas (a questão familiar do Gael García só serve para encher lingüiça, por exemplo), que procede por saltos que mal compreendemos, onde mal nos localizamos, com uma câmera horrorosamente preguiçosa.

Na saída, Bernardo Carvalho arrisca a hipótese de que o filme seria feito à maneira da TV ou da publicidade da época, mas me parece difícil. No fim dos 80? Não.

Talvez a ideia fosse justamente se afastar dessa estética publicitária que o roteiro, afinal, consagra. Mas é só bem mal filmado.

Dito isso, quando a gente vai ver um filme sem esperar nada acaba não raro ao menos se divertindo um tanto. Eu também.

Pi

Por falar em B. Carvalho: ele odiou As Aventuras de Pi.

E declinou início e final, sobretudo, aquela história besta de encontrar a Deus, essas coisas, como horrorosas.

No que eu concordo inteiramente.

Mas isso é o que Macedonio Fernandez chamaria de “para agradar al comisario”.

É o que é preciso para um filme caro se pagar: Hollywood enfia umas mensagens idiotas e tal.

O que importa é o fantástico do filme: desde a bela cena de naufrágio, ao encontro com a ilha carnívora.

E, sobretudo , a permanente dúvida em que o filme nos deixa. Essa história de Pi, contada por Pi, é verdade ou é uma fantasia?

Nada disso me parece nulo. E a convivência do rapaz com o tigre no bote é muito boa.

B. Carvalho vê no tigre uma metáfora do rapaz. Pode ser. Eu vejo um tigre faminto.

Mas devo dizer que essas divergências do Big B. são sempre empolgantes. Sobretudo porque são acessórias.

Ego Trip

Já falei do Biccelli? Ego Trip é o relato de uma viagem de poeta ao Nordeste.

Em 1983. Um diário de viagem. O interesse vai e vem. Mas vai e vem que nem maré. É uma coisa necessária. Do que li nos últimos tempos, de nosso, é o que mais me encantou.

É uma vontade de vida feroz, invejável, que se faz escrita.

Até breve, amigos, e um grande, belo 2013.

 


História de fim de ano
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Inácio Araújo

Um leitor simpático do Guia da Folha e do  blog no Uol estranhou que eu tivesse dado cotação mínima, uma estrelinha, para “Holy Motors”, no Guia, e aqui no blog tivesse dito que saí no meio da sessão. Queria entender isso. Sobretudo porque, dizia, eu estava em contradição com os colegas do Guia.

Posso acrescentar: com colegas do Guia, de fora do Guia e mesmo de fora do país, da França mais ainda e dos Cahiers Du Cinéma em particular.

Bem, assim é a vida: crítica não é uma ciência exata.

Nunca gostei do autor desse filme, que acho de um esteticismo intransponível.

Quando vi que “Holy Motors” era um filme sobre cinema e representação, dei o fora, sim.

Um ato estritamente individual, mas creio que esse diretor (desculpe, esqueci o nome) vai ser que nem aquele inglês insuportável (desculpe, também esqueci o nome) que durante alguns anos só se falava nele, se faziam teses às pilhas sobre ele e hoje, por sorte, ninguém mais sabe quem é.

Não digam nunca que o mundo está pior.

Conto de Natal

Então vou contar como aprendi isso.

Eu costumava ir ao cinema com o Jairo Ferreira, crítico, comediante e mártir.

Não me lembro qual era o filme, mas a gente tinha entrado há uns dez minutos.

Acho que era no cine Paissandu.

E o Jairo começou a ficar inquieto, até que não se aguentou e virou pra mim:

– Vamos embora, Inácio.

– Pô, Jairo, já? A gente acabou de comprar a entrada.

– Então: já perdi meu dinheiro, não vou perder meu tempo.

Foi uma lição de crítica.

(Dito isso: se eu vou ver um filme para escrever a respeito fico até o último fotograma. Fora isso, não me sinto obrigado a perder meu tempo).

* * *

Vejo na TV uma matéria entusiasta sobre a educação corporativa: aquela que se dá aos funcionários para que rendam mais para o patrão.

Na matéria, aparecem funcionários entusiasmados… Ah, o que acontecerá caso não demonstrem o devido entusiasmo?

Acho que na saída há um curso sobre demissão rápida.

Ou, voltando lá para o começo: sim, com Holy Motors estou fora da norma. Completamente. Absolutamente. É preciso estar. O cinema existe para isso. E não só ele: para dar olhos próprios para ver.

Saio de férias por uns dias.

Manoel de Oliveira está internado. Ele que tem os melhores olhos do mundo. Vou torcendo por ele.

E, como o mundo não acabou, só esquentou: um belo 2013 aos amigos.


Esse Mundo que insiste em prosseguir
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Inácio Araújo

Passou o 21.12.2012 e o mundo não acabou. Era a data do fim do mundo segundo um calendário maia desencavado não sei quando por não sei quem.

Há algum tempo também a profecia de Nostradamus foi para o espaço.

O mundo não vai acabar assim fácil, na boa.

Esse é um dos problemas do mundo.

Ele não acaba (nem permanece) sem propor questões.

Ou vai ser difícil.

O fim do mundo de Lars Von Trier era antes de tudo uma depressão. Seguimos e o Natal vem aí, e depois o Ano Novo.

O mundo seguirá. Também o cinema. Sei que estou meio ausente: vésperas de sair uns dias a gente trabalha muito mais.

E tem o Natal, com toda a trabalheira conexa. Outro ponto para minha plataforma de candidato à presidência: eliminar os finais de ano.

Não fica cabeça nem tempo para escrever um pouco aqui.

No entanto, com ou sem cabeça, algumas coisas me pareceram interessantes neste final de ano.

As Aventuras de Pi, de Ang Lee – me surpreeendeu aqui o uso do 3D. Ele radicaliza aquilo que o Scorsese tinha feitoem Hugo Cabret, quer dizer, a percepção de que o 3D não é um recurso realista, e sim fantástico. A sequência de naufrágio é muito forte.

As Quatro Voltas, de Michelangelo Frammartino – Essa coisa do cinema italiano tem se repetido e espero que não se torne um destino: um belo filme e depois o silêncio, o desaparecimento ou a decepção. No entanto, aqui estamos diante de imagens muito bem articuladas, calmas, conscientes. Ou talvez algumas não tenham perdido o sentido de oportunidade e improviso: aquele cachorrinho no meio da estrada, quase o prefeito da estrada, é formidável.

Infância Vigiada – Não, o nome não é esse, mas não estou com paciência para procurar o verdadeiro. É um filme argentino produzido pelo Luiz Puenzo. Então, compreensivelmente, quase aderi no começo ao Videla e asseclas, porque era umas músicas horríveis e um gosto pelo primeiríssimo plano que tornava tudo enjoativo. Como argumento, uma coisa estranha: em pleno 1979, Montoneros decidem voltar do exílio, com famílias, para combater a ditadura. Como funcionava o serviço de informações desses caras? Bem, mas isso não vem ao caso, exceto pelo fato de o personagem central ser um pré-adolescente. E o filme muda todo quando ele tem seu primeiro amor, por uma coleguinha da escola. E desde aí o filme é bem levado, com essa particularidade, o do amor numa situação ao mesmo tempo muito tensa.

Carlos Oscar

O mundo insistirá em continuar sem Carlão.

Nosso cinema ainda não sabe direito o que perdeu, inclusive porque não conhece direito o seu trabalho.

Acha que ele era um bom sujeito.

Era, mas isso era uma parte só.

É o primeiro ano em que entraremos sem Carlão, sem poder conversar, divergir, aprender com ele.

Pensam que era um maníaco cinematográfico, mas não é verdade, ou não é toda a verdade. Conhecia literatura muito bem.

Revi há dias “Filme Demência”. É uma obra-prima. Mas não é, nem de longe, a única dele.

Carlão precisa enfim ser visto. Senão nossos alunos da USP vão continuar pensando que para fazer bons filmes é preciso não saber filmar.

Para a família do Carlão meus sentimentos,

Para os amigos, a solidariedade.

Vamos para o ano que vem

(com umas folgas nos próximos dias).


Independência e morte dos independentes
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Inácio Araújo

 

Muito interessante o artigo que André Sturm publicou na Folha de hoje (sexta, pág. 3. disponível aqui) sobre o esmagamento dos filmes pequenos ou mesmo médios sob os grandes lançamentos.

Não dá, efetivamente, para supor que a demanda por “Hobbit” ou algum assemelhado justifique tantas salas, uma ocupação territorial inadmissível do terreno simbólico.

Discordo, no entanto, que isso seja um privilégio das companhias americanas. A política brasileira vai no mesmo e insustentável sentido.

Pode-se recorrer ao fatalismo e sustentar que esse é o modo de distribuição que vigora hoje em dia, que são as condições de concorrência etc. e tal.

Pois os filmes brasileiros, tipo Globofilmes, espírita, o que for, quando podem usam o mesmíssimo tipo de distribuição.

Mas isso é controlável. A legislação argentina que taxa as cópias a partir de um certo número, e progressivamente, existe. E o que eu gosto mais é da justificativa: para que não se pense que só se faz um tipo de filmes…

Insisto: as grandes companhias, que hoje produzem aos montes no Brasil, hoje estão pouco se lixando se o filme é americano, africano ou javanês. Se cumprir aquelas condições de “universalidade” está muito bem. O cinema hoje busca criar unanimidade.

A Semana dos Realizadores

Já a Semana dos Realizadores, que acontece no Rio há alguns anos, teve este ano uma versão paulistana, no CCBB.

Segundo ouvi dizer, a Riofilme cortou a verba, não sei se toda ou apenas o máximo possível. Se foi isso é o fim da picada.

E se o ministério, o MinC, não serve para estimular esse tipo de coisa me pergunto para que serve: para a Ana de Hollanda ficar chorando as mágoas depois de sair de lá?

Pois bem: lá estão muitos filmes. Bons, maus, não importa.

Filmes que não veremos em cinema nenhum do planeta enquanto as coisas continuarem assim (exceto, claro, na Semana ou em Tiradentes).

Não é que o cinema, como indústria, não possa se sustentar desse jeito. É o cinema enquanto gosto, prazer estético, diversidade.

Se a gente for ao museu e encontrar só um tipo de quadros, se for à livraria e achar só um tipo de livros, a pintura e a literatura estarão mal.

Por que não notar que com o cinema se passa a mesma coisa?

E, por fim, porque a pergunta não pode deixar de ser feita: para que serve a Secretaria do Audiovisual se não é para regrar esse tipo de coisas?

P.S. – Cine Olido, CCBB e mesmo agora o MIS realizam sessões de filmes difíceis. Estão todos os lugares de acesso meio complicado (ou são pequenos e tal), mas vivem cheios.

Quer dizer que essa conversa mole de ir atrás “do mercado” é pra boi dormir.


Um chá de Niemeyer
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Inácio Araújo

A morte de Niemeyer não foi propriamente uma tragédia, mas algo que se pode definir, com precisão, como fatalidade.

É para onde vamos todos.

Uns deixam mais, outros menos. Ele deixou mais, claro.

Ocasião para jornais e telejornais se derramarem em torno do gênio nacional.

Justo, mas já começou a ficar demais.

Estão querendo fazer dele o Ruy Barbosa do traço.

Mas algo nele escapa a esse espírito celebratório.

Era um cara contra a corrente.

Comunista, para começar.

Os de bem com a vida, os comunistas de quando pegava bem ser comuna, viraram as costas a tudo, como se não fosse como eles.

Niemeyer permaneceu, com todo mundo gozando dele, da amizade com Fidel, essas coisas.

Eu acho que se não fosse assim ele seria um arquiteto convencional.

Deu tudo com os burros n’água no comunismo, tudo bem.

Mas pensar diferente, sonhar diferente é que permite fazer novo.

Tudo isso é meio evidente.

Mas o que eu vejo como legado principal de O.N. mesmo é a capacidade de ver o mundo integrado.

Ele fala dos morros, do Einstein, das curvas, da música, do povo, tudo de uma vez.

Não separa. Agrega.

Um diálogo muito interessante que ele relata, com Rodrigo de Mello Franco.

O Rodrigo M.F. diz para ele da importância de conhecer os clássicos.

Niemeyer agrega isso na hora.

Os clássicos estão inteiros nos prédios dele. Florença e tudo mais.

Kafka e tudo mais.

Isso é muito interessante, esse mundo integrado, que não despreza o exato, nem o inexato, onde a ciência e o pensamento não se desdizem, são uma coisa só.

Penso que o legado principal não tem a ver com imagem do Brasil, glória do Brasil, essas bobagens.

Tem a ver com o MEC.

Ao menos é minha impressão.