Brasília, 43
Inácio Araújo
Boa, a opção de Brasília.
Se hoje em dia outras mostras oferecem uma nota ao vencedor, o festival fechou questão em torno do ineditismo dos filmes.E, sobretudo, investiu nos novos.
Só fui lá para a homenagem ao Carlos Reichenbach, de quem “Lilian M”, restaurado, foi exibido na abertura. Mas nos dois dias seguintes deu para ver os filmes da noite.
O Carlão ficou literalmente encantado, e não sem razão, com “Contagem”, o curta mineiro de fato muito forte que acompanhou a exibição de “Transeunte”, de Eryk Rocha.
Entre os longas, minha maior curiosidade era em relação ao “A Alegria”, de Felipe Bragança e Marina Meliande, de quem eu já tinha visto “A Mulher Gorila”.
“A Mulher Gorila”, eu penso, devia ser refilmado, com um pouco mais de recursos (não muitos, em todo caso). O segundo filme me coloca, primeiro, uma questão marginal, mas que sempre me deixa de cabelo em pé: nesse tipo de parceria, quem dirige o quê?
No tempo dos irmãos Santos Pereira corria que um dirigia as cenas pares e outro as cenas ímpares. Corria também que eles brigavam o tempo todo. Acho que isso era piada. Mas os filmes não eram lá grande coisa.
“A Alegria” é um filme bem interessante. Bragança & Meliande têm atração por máscaras, por identidades que se transformam ou se duplicam.
Isso já estava na “Mulher Gorila”, talvez com mais intensidade, não repartido entre várias pessoas.
Aqui, algo tem um peso alegórico desnecessário. O menino que é baleado no início, tudo aquilo me parece desnecessariamente obscuro. Não conduz a nada.
Já o monstro marinho que aparece lá para o final é muito bonito, muito forte e também terrível.
Agora, o que mais me interessa (além da direção de arte que combina cores muito bem) são os personagens que vão atrás da vida, contra todos e tudo, se necessário.
Já o “Transeunte” de Eryk Rocha não me agradou no geral. A solidão de um velho é um assunto batido. A mulher morreu. Os amigos parece que não tem. Deve viver de uma aposentadoria modesta. De concreto, restam-lhe o radinho de pilha e o Flamengo. Para completar, optou-se pelo preto-e-branco, que me parece uma decisão infeliz.
No entanto, há uma cena muito boa e que dá conta de que o realizador pode muito bem controlar e desenvolver atmosferas. É o momento em que a sobrinha sobe para comemorar, rapidinho, o aniversário do tio. Ela faz a cena do bolo, da conversinha, da saudade da titia e tal, mas, providencialmente, deixa o namorado lá embaixo esperando por ela. Sinal de que logo dará o chapéu no homem.
No geral, o filme podia ser resolvido em uns 15 minutos. O trabalho muito cerrado em torno do rosto do ator ajuda a justificar que Eryk, ao apresentar o filme, tenha dado o ator, Fernando Bezerra (é esse mesmo o nome), como co-autor. De fato, o filme é ele.
A melhor surpresa dos dias em que estive lá foi “Contagem”, dos jovens Gabriel e Maurilio Martins. Um filme de final de curso, sem recursos, que em certos aspectos parece tateante. Mas o momento inexplicável (quando ocorre) do sorvete caindo no chão, da mão da protagonista, é notável. Eis uma coisa que só entenderemos depois, no final, porque há várias narrativas, cada uma preservando a subjetividade de cada personagem, a experiência que podem ter do evento. E a experiência de cada um tem limitações encantadoras, essa impossibilidade de saber tudo, de ver tudo – isso é que me parece, no fim, tematizado no filme. Dá para esperar outras coisas dos Martins (mais uma dupla e, apesar do nome, não são irmãos). O Carlão se encantou com o fato de eles serem fãs do Joseph H. Lewis. Tem razão: um fã do H. Lewis sente o celulóide com mais intensidade.
A julgar por esse início (hoje à noite é a premiação) parece que temos aí um festival prospectivo, bem interessante. Melhor um filme que as pessoas detestam, como parece que aconteceu com o do Tiago Matta Machado, do que a mesmice.
Para terminar: quando o festival não é o Hotel Nacional perde-se muito em convivência. Não só o HN facilita às pessoas se encontrarem, como as salas onde se passam as mesas são acessíveis, o sujeito entra, se não gostou sai, se gostou fica. Certo, a cozinha do HN é famosa por ser uma desgraça, mas essa vantagem compensa.