Kiarostami, a cópia e a identidade
Inácio Araújo
Abaixo, reproduzo o texto publicado na Ilustrada da última sexta sobre “Cópia Fiel”.
Em seguida ao texto, alguns acréscimos.
“Cópia Fiel” é um filme de deslocamentos. Há, primeiro, uma mulher francesa que vive na Itália com o filho, onde tem uma galeria de arte. Há um escritor inglês que vai à Itália fazer uma palestra sobre o livro que escreveu. Há uma história onde se discute idéias sobre arte que mais parece uma paquera. Há uma história em que se discute o casamento, que parece uma discussão sobre arte.
São muitas as referências e não é difícil perder-se no meio delas. Talvez a mais evidente seja aquela enunciada por James Muller, o escritor do filme. Para ele, uma boa cópia equivale ao original, pois é o modo de olhar um objeto que é importante, não o objeto em si. Uma árvore na paisagem é uma árvore. Se deslocada para dentro de um museu, torna-se obra de arte. O olhar é que transforma o objeto em obra de arte (ou não).
Já se desenvolveu essa idéia em arte (Marcel Duchamp) ou na literatura (Jorge Luís Borges). No cinema, Abbas Kiarostami foi o primeiro a tocar na questão. Em seus filmes, o que transforma as coisas mostradas em arte é o olhar do espectador. O autor não tem grande importância. Não existe autor senão aquele que vê.
Se isso justifica o tema adotado pelo escritor inglês, não torna o filme menos sensível à idéia de deslocamento e, portanto, de exílio. Kiarostami está fora de seu país, numa produção basicamente francesa rodada na Itália.
O casal lembra muito o de “Viagem à Itália”, de Roberto Rossellini, e da crise conjugal que ali se desenvolve. A construção remete à inversão de papéis de “Cidade dos Sonhos”, de David Lynch, já que no início temos um homem e uma mulher que parecem mal se conhecer e a partir de certo instante eles são marido e mulher.
Também é possível evocar o tema da memória, numa chave que não parece estranha a “O Ano Passado em Marienbad”: alguém (a mulher) descreve um acontecimento; alguém (o homem, no caso) não se recorda do que ela disse. Existe o encontro com um velho senhor (Jean-Claude Carrière, o roteirista de Luis Buñuel) que dá conselhos ao escritor.
Existe, por fim, a lancinante cena do restaurante, em que a mulher, Juliette Binoche, dirige-se diretamente à câmera, como nos filmes de Yasujiro Ozu. Mas em lugar da placidez dos filmes de Ozu há desespero e solidão naquela imagem.
Em poucas palavras, Abbas Kiarostami na Europa tateia. Seu cinema parece não ter mais as certezas, aquela segurança que vinha da paisagem ,da familiaridade com a língua e os personagens iranianos. Pode-se dizer que o tatear de um cineasta de seu porte, explorando com suavidade e discrição a beleza assombrosa da Toscana vale mais do que a segurança de mil talentos medianos ou mesmo grandes. Ainda assim, ele parece estar entrando, um pouco a contragosto, talvez, numa nova e ainca incerta fase de sua luminosa carreira.
A identidade
Ao que me consta, a identidade nunca foi uma questão central para Kiarostami.
Talvez em “Close-Up”, onde um sujeito assume a identidade de Mohsen Makhmalbaf, também cineasta.
Mas isso foi em 1989 e não voltou com essa força até agora.
A menos que, revendo a obra em sequência, isso surja ali onde eu não havia notado.
Em “Cópia Fiel” a identidade é destruída.
Você vê um casal de semi-desconhecidos, ou que poderiam ser assim, transformar-se num casal de 15 anos.
É algo que deve exigir uma consulta a Macedonio Fernandez, um opositor fiel do princípio da identidade. Afinal somos muitos, não os mesmos o tempo todo.
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Shella Diloreto
18/07/2011 00:02:28
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Bia
23/03/2011 19:26:36
os dois personagens são tão autêncitos, em todas as viradas e histórias possíveis dentro do filme, que não importa qual ou o que ou se é real. nesse ponto, acho que é a sensibilidade e mesmo a esperteza do kiarostami que conduz o nosso olhar de modo que não mais nos importemos com a cópia ou o original, de modo que o que acontece em cópia fiel é verdadeiro e emocionante para nós, desse lado da tela. acho que para eles, juliette e o parceiro de cena, também.
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