Cinema, Teatro
Inácio Araújo
Uma vantagem de não ter de escrever a crítica de certos filmes: não precisei ver “Holy Motors” até o fim. O que é aquilo? Uma sessão de tortura? A Europa vindo abaixo e o que Leos Carax tem a mostrar é isso?
Em todo caso estamos melhor ali do que com “O Homem da Máfia”. Não há nada pior do que violência com filosofia. E a frase que define o filme vem do assassino profissional Brad Pitt: A América não é um país, é um balcão de negócios. O sentido em todo caso é esse. O que dizer? Isso acontece quando ele está negociando o preço das mortes que praticou. Não é só violência com filosofia, por filosofia entende-se esse cinismo que justifica tudo (atrás rola a crise econômica, bom pretexto…). Há também essa espécie de euforia criminal: cada assassinato vem em câmera lenta. Não é um procedimento analítico, como em Sam Peckimpah, é estetização da violência mesmo. Não via nada tão torpe desde “Kalifórnia”. E sem talento, também. Sem encanto nenhum.
“Curvas da Vida” é um filme estranho, porque tem uma pilha de temas característicos de Clint Eastwood (o velho contra o novo, a tensão familiar, a mulher morta etc.). Mas está longe de ser um filme clintiano. Em primeiro lugar, a ideia de remissão é evidente. Nos filmes que Clint dirige o mundo não é um happy end. Como aqui tudo, literalmente tudo, se encaminha para encontros, reencontros e coisa e tal. Não é ruim. É vulgar. Parece que estamos assistindo ao nascimento de um novo Buddy van Horn. Quer dizer, de alguém que vai dar nem nada.
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Tenho que ser muito franco: ao longo do tempo fui desenvolvendo um preconceito contra o teatro. Começou quando veio uma trupe da Comédie Française e foi recebida esnobemente pelo pessoal daqui. Diziam que era acadêmico e tal. É possível. Mas a mulher sussurrava lá no palco e eu escutava tudo lá no fundo da plateia. E era no Cultura Artística, um teatro que, diziam, não era bom para teatro. Ora, o nosso hábito é chegar na boca do palco e pôr a boca no mundo. Nossa técnica é uma desgraça, vamos admitir. E acho que nossa sensibilidade também tem se desgastado, não sei por conta do quê. Talvez os grandes atores lá do tempo em que o teatro formava atores tenham quase todos morrido, e os mais novos são muito ligados á TV, não sei, estou chutando: parece que há falta de referências, exceto quando Antunes Filho monta uma peça e traz novos atores, mas se eles não vão para a TV não sei o que acontece. Enfim, falo mesmo como amador.
Agora, pelo pouco que vejo me pergunto porque as montagens do André Guerreiro, que são por vezes prodigiosas em matéria de articular novas relações de espaço e meios, passam em branco (ao menos para mim), não recebem críticas, nem nada… Acho que o teatro é um meio vicioso, como o cinema, aliás, mas talvez mais um pouco.
Aliás, vamos à literatura. A Folha publicou um artigo do famoso “jurado C” do Jabuti. O tal que deu uma nota baixa para certos livros e, com isso, fez com que um romance determinado ganhasse o prêmio. Não li nenhum deles, mas a repercussão é o que importa. Primeiro veio o escândalo: como dar o prêmio a um desconhecido em detrimento de autores conhecidos e tal? A sequência é sempre aquela: com a diferença vem a desonestidade (suposta) e o escândalo, a suspeita. Todo mundo grita e acusa. Agora, meses depois, surge o artigo do cara. Muito equilibrado, com bons argumentos. Não li os livros, mas me parece alguém que sabe do que está falando. Pode-se sempre perguntar: não houve um exagero em dar notas altíssimas para um e baixa para outros? Não sei, pode ser. Pode ser desses caras que sabem que notas assim fazem pender o resultado para um lado, haja o que houver. Trata-se de criar mecanismos de proteção, que nem fizeram com as escolas de samba do Rio.
Voltando ao teatro. Fui ver “Odisséia”, convidado pelo Miguel, amigo do meu filho. Um espetáculo que me pareceu longo demais e cheio de desequilíbrios. Começa bem (com uma luz tipo Bob Wilson), mas depois vem o excesso, os berreiros, a ocupação meio forçada do espaço. Enfim, durante uma boa parte da peça, parece que a gente está vendo um ataque histérico. O Miguel me explica, depois da peça, que esse tipo de procedimento é uma maneira de compensar a falta de técnica do elenco (saído há pouco da escola Célia Helena) pela energia. Mas me parece que é melhor deixar a deficiência se manifestar e tentar corrigi-la depois. Me parece mais eficaz. Mas, claro, tenho a impressão de que não é só isso. Essa impressão vem também do excesso de música, do que parece ser um temor injustificado do silêncio. O espectador também precisa repousar os sentidos, isso faz parte do ritmo.
Tudo melhora muito depois que Ulisses volta a Ítaca, isto é, ao Brasil. A peça melhora muito, para começar: porque a Grécia, Ulisses, tudo era um pretexto. Então fica muito tempo lá com Aquiles, cavalos, essas coisas. Quando ele chega, já associações muito boas: o canto das sereias com o crack, por exemplo, é muito bem colocado (cenicamente, para começar). No mais, há humor, há um sentido crítico com o qual pode-se não concordar o tempo todo, mas que, enfim, está lá. Então a peça termina bem, ou quase. Poderia se privar das referências abundantes a Shakespeare, Cervantes, Tchecov, para ficar só com os que percebi. Isso não leva a coisa alguma. Se tirasse as referências explícitas e procedesse imitando os autores citados, me parece que o autor da peça estaria melhor. Mas a peça termina numa nota alta, o que é muito bom, e o público, que parece bem menos chato que eu, aplaude de pé.
Acho que aplaudiria mais esse elenco muito simpático se a peça tivesse uns 20 ou 30 minutos a menos.