Blog do Inácio Araújo

Arquivo : October 2012

Maluf não é para amadores
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Inácio Araújo

A imagem apareceu de repente, não sei se fazendo o zapping, mas tive a sorte de pegar Celso Russomanno desde o início de seu depoimento pós-eleitoral.

O conteúdo não interessa.

Ele começou dizendo que estava muito feliz com o resultado.

Dava para espantar, já que tinha sido derrotado na batalha para ir ao segundo turno.

Ele prosseguia dizendo que sua candidatura contribuíra para a democracia etc. e tal.

Bem, qualquer candidato poderia reivindicar ter contribuído com a democracia pelo simples fato de se candidatar.

O interessante é que ele seguia literalmente um roteiro seguido anos antes por Paulo Maluf, ao admitir uma derrota, creio que para Mario Covas, enfim… O adversário não é o que importa agora.

Quando todo mundo esperava encontrar um Maluf derrotado, abatido, lá estava ele, todo fanfarrão, muito mais sorridente do que o vencedor, dizendo que ele sim era o vencedor, porque concorrera e porque era assim que se faz democracia etc. etc.

Enfim, ele nos dava uma lição de democracia. Ele.

Russomanno, que passou a campanha negando Maluf mais do que Pedro negou a Jesus na quinta-feira, na verdade foi buscar nele a inspiração para sua fala.

A diferença é que, enquanto se dizia extremamente feliz, incomensuravelmente feliz, dava para sentir as lágrimas correndo por seu rosto abatido como nunca.

Essa imagem é que deu, para mim, a medida do personagem. Ele não é Maluf.

Maluf: podemos amá-lo ou detestá-lo, mas é um profissional. Se não fosse político certamente iria arrebentar como ator.

Ele, Russomanno, é uma espécie de Francisco Rossi (alguém lembra?) piorado. Ou um Pedro Geraldo Costa (idem). Caras que por algum motivo aparecem, têm votação expressiva e somem do mapa.

Russomanno e o vácuo são a mesma coisa. Pode por a Igreja Universal por trás. Pode por até o Vaticano. Não pesa de jeito nenhum.

Devia estar feliz não por ter colaborado com a democracia (nesse caso, Levy Fidelix e Eymael deviam ganhar estátuas na Praça dos Três Poderes), mas por ter sido eliminado logo de cara.

Qualquer um dos outros adversários (inclusive Chalita) iria passá-lo no moedor se isso acontecesse.

Enfim… não é Maluf. Ser Maluf não deve ser fácil: exige preparo, disciplina, profissionalismo.


A Encruzilhada das Bordas
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Inácio Araújo

Nem falei do Cinema das Bordas este ano, o que não significa que ele tenha saído das minhas preocupações, antes pelo contrário.

Mais cedo ou mais tarde, os bordadores vão ter que tomar uma decisão sobre o assunto, sobretudo agora que têm o apoio do Itaú Cultural.

Uma coisa é o trabalho de pesquisa, que trouxe seu Manoelzinho, o bombeiro de Brasília, o Rambo do Pará e outros tantos personagens cuja atividade pode até atestar um gosto pelo cinema, que podem ter repercussão em suas cercanias, mas não têm o mínimo de habilidade ou inteligência para irem mais longe.

Outra coisa é a rapaziada que já mostrou talento para os filmes de gênero e que pode evoluir, e que o Bordas mais o Itaú podem favorecer essa evolução.

Como?

É perfeitamente possível programar oficinas que permitam aos realizadores e atores não só aperfeiçoar seus talentos, como buscar modos menos empíricos de produção.

Mesmo a realização do festival permite que o pessoal se encontre, troque experiências, etc. Mas, indo mais longe um pouco, pode-se imaginar cooperativas de distribuição e produção, todo um movimento que não precisa ser assim tão marginal e nem tão eternamente.

Vi este ano o filme do Gabriel Carneiro, por exemplo, e havia talento ali. Mas também havia bastante ingenuidade, muita submissão ao gênero, muita convenção (essa insistência nas causas da monstruosidade, por exemplo).

Há outros aspectos vários, como o trabalho com a luz no digital que requerem uma assessoria técnica mesmo e que visam dotar esse pessoal de um tanto de ambição, porque não dá para ficar feliz só por existir um festival anual que exiba seus filmes.

Enfim, esse me parece um campo aberto e que já amadureceu o bastante para passar ao estágio seguinte.

 


O resgate dos trópicos
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Inácio Araújo

“Tropicália” é o filme perfeito para encontrar os amigos na saída.

Antes podia ser na chegada também. Mas com esse papo de lugar marcado a gente só se vê mesmo na saída.

E é um pouco isso o que o filme de Marcelo Machado representa: o resgate de um momento em que o pensamento sobre o Brasil sofreu uma torção, em que no lugar do velho nacionalismo apareceu, ou reapareceu, a opção oswaldiana, a opção antropofágica.

Isso se deu simultaneamente em várias áreas, começando pelos concretos.

E não é um mérito menor do filme passar por todas ou quase todas as artes afetadas por esse movimento.

De certa forma, “Tropicália” faz eco com “Cara ou Coroa”, que evoca mais ou menos o mesmo período de forma inversa.

Quer dizer, “Tropicália” fala de uma música que rompe com certos critérios de maneira completamente vital num momento em que tudo era desfavorável. Caetano em Paris, em exílio, cantando “Asa Branca”, é de cortar o coração.

“Cara ou Coroa” começa por focar esse momento e essas coisas da política, a tortura, a repressão, o reacionarismo etc. Mas a isso sobrepõe a mesma vitalidade que havia naquele momento.

Por que esse momento, o da ditadura, nos afeta, afinal, tanto?

Se “Tropicália” (a música ajuda) se deixa compreender mais facilmente pelas pessoas mais novas, a questão, me parece, é a mesma.

Em ambos os casos, existia muito viva uma utopia.

Não importa julgar o que ela era, se certa, errada, isso não interessa.

Importa que o fim das utopias, nossa entrada no presentismo, isto é, nesta fase da humanidade que não vislumbra futuro, que se dedica apenas ao imediato, que quase se deleita a pensar no fim do mundo.

Enfim, eu proporia um belo programa duplo, de ficção e documentário: “Tropicália” e “Cara ou Coroa”. Um documentário, aliás, muito bem documentado. E uma ficção bem feliz.

Ambos nos levam a refletir sobre, justamente, o presente. O que nos falta, o que bate vazio, o que espera ser pensado neste mundo que se transforma muito vertiginosamente, mas parece suscitar mais do que tudo lugares-comuns (reacionários, se possível). São filmes até euforizantes, mas trazem ambos uma inquietação a transmitir a seus espectadores.


Hebe Camargo, a sobrevivente
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Inácio Araújo

 

 O cinema não foi a praia de Hebe Camargo. Algumas participações em filmes, que não me lembro de ter visto, e foi tudo.

No entanto, sua vida foi marcada profundamente pelo cinema. Nasceu em 1929, no momento em que o cinema sonoro chegava ao Brasil. Pouco depois, o pai, músico de cinema em Taubaté, ficaria sem o emprego. E a crise de 1929 não ajudou sua infância.

Ela se fixou primeiro como cantora, começando já no final dos anos 1940. Mas ela deixaria essa carreira de lado para afirmar uma personalidade como apresentadora de TV desde os anos 50, quando comandou “O Mundo  É das Mulheres”, na TV Paulista.

Já era desde então uma entrevistadora, o que confirmaria na década seguinte, na grande época da TV Record. Aí o programa já era só seu e Hebe celebrizou o seu sofá, onde recebia como se em sua sala de visitas.

É claro que, propondo uma fórmula essencialmente conformista, sofresse um bocado nos festivais da canção da mesma emissora, onde a rapaziada se juntava, essencialmente, para protestar contra o governo militar.

Mas, verdade seja dita, ela aí segurou a peteca com classe.

O que veio depois não foi senão a repetição disso. No SBT, depois na Rede TV, agora a pouco, era sempre o sofá com os convidados.

Se a longevidade prova alguma coisa, e prova, Hebe tornou-se uma segunda identidade da TV brasileira.

Nessa figura simpática, que nos últimos anos tomou o papel de representar a cafonice da classe rica emergente, só não me passa pela goela a defesa feroz que, fez, durante anos, da instauração da jogatina no Brasil.

Quem começa na adolescência e chega aos 83 assinando um contrato novo na TV é uma sobrevivente. Descanse em paz.


A Boca do Lixo chega a Malibu
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Inácio Araújo

Impressionantes as lições de Paul Schrader sobre a produção de cinema independente nos EUA, hoje.

Para começar, “Canyons”, seu novo filme, tem orçamento de US$ 400 mil.

Moçada, dá uns 800 mil reais. Mais ou menos metade do que dão os editais daqui para filme de baixo orçamento.

Quer dizer: brincamos com a noção de baixo orçamento.

O filme começa com ele e o roteirista, Bret Easton Elis colocando não me lembro se 10 ou 15 mil dólares cada.

Depois, via Facebook, contactando candidatos a atores e colocando de cara as condições: quem quisesse trabalhar teria de pagar passagem a Los Angeles, cuidar da hospedagem, não esperar grande salário… Isso se fosse selecionado! Dos 625 que se inscreveram, Schrader reteve 125, os números podem não ser bem esses, mas mais ou menos são.

Importante: os contatos são feitos sem o intermédio dos agentes.

Em seguida entra o Kickstart, outra rede social, onde as pessoas investem (não entendi, na verdade, se investem ou se doam) em projetos artísticos que lhes interessem. O interessado bota lá um objetivo. Do momento em que ele é atingido, os cartões de crédito dos doadores são acionados e o dinheiro vai para a conta indicada.

Basta?

O que vem depois são particularidades da produção, os atores, os técnicos, etc. São boas. Eu conto depois.

O que importa nisso: a Boca do Lixo chegou a Malibu.

É mais ou menos o mesmo sistema de produção, que se baseia em um dizer a outro: vamos fazer um filme?

E, em vez desses orçamentos cavalares que o cinema brasileiro agora desenvolve, usa-se imaginação, talento e desejo. Muito desejo de ver algo em tela.

Também podemos aproximar isso das Bordas. Que todo mundo no fundo acha meio folclóricas. Voltaremos ao assunto, porque não são.

Prossegue a gambiarra

Alguns aspectos da montagem do projeto. Bret um dia chega com a ideia de usar James Deem, ator pornô. Schrader torce o rosto, mas depois acha que o cara vai funcionar.

Lindsay Lohan aparece em cena. Ela é veneno puro. Ninguém quer trabalhar com ela. O seguro seria dez vezes o orçamento do filme (ninguém terá seguro em “The Canyons”). Schrader mais uma vez topa o desafio: acha que pode controlar a mulher por uns 15 dias. Podia ter caído do cavalo, mas funcionou.

E, de todo modo, o filme tinha duas estrelas, cada uma com seu público, e uma chance de ser visto.

Bem, essa é a experiência, tal como narrada no MIS, de um diretor com filmes célebres, do roteirista de “Taxi Driver” etc. etc.

Parece piada: é como tem que agir quem tem algo a mostrar. Não ficar com frescura e coluna social. Como ele diz: um câmera Lexia custa US$ 1.500 por semana. Não é tanto. Parece que é o máximo em matéria de captação digital. E o fotógrafo? Um cara ótimo, só que famoso por dizer as coisas erradas na hora errada. Faz um bom trabalho e barato.

Boca do Lixo, talvez. Mas não deixa de lembrar Ed Wood – com talento.

Ah, vi no IMDb que o Gus van Sant faz um papel no filme, também.

Toda a narrativa de Schrader me deixou a impressão de que ou bem o cinema brasileiro entra num registro realista ou vai se condenar cada vez mais à insignificância presente. Não dá.

Claro, essa insignificância é meio mundial. O que vemos nos cinemas, como filme comercial americano ou francês, claro que é melhor do que, digamos, “Até que a Sorte nos Separe”. Mas nem tão melhor assim.

A janela da TV

E a obrigatoriedade de material brasileiro para TV paga? Essa pode ser uma medida forte.

Vai ter que aparecer muita coisa e, no meio dela, pode surgir coisa boa. E barata.

As Bordas

Não falei, este ano, do festival das Bordas no Itaú porque me parece um movimento que chega a ponto decisivo. Mas não se pode abandoná-lo.


Indústria da Multa e outras indústrias
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Inácio Araújo

Eu chego nela. Antes existe a garota da bicicleta. Na foto do jornal ela aparece sorridente com uma câmera fotográfica no peito, pronta para fotografar os deslizes dos motoristas de carro.

Os atentados praticados contra ciclistas.

Ok. Eles devem existir.

Mas a vida já não está bastante vigiada? Não existem câmeras nos bancos, nos prédios, nos faróis de trânsito?

Ainda é preciso que a delação se torne amadora e, pior, orgulhosa?

Digamos logo: o motorista que ataca um ciclista é um delinquente, não há dúvida.

Mas tenho visto pilhas de ciclistas ocupando calçadas como se fosse esse seu direito.

Não sei. É?

Que alguém qualificado me diga.

Tenho visto pilhas de ciclistas avançarem pela faixa de pedestres como se fossem pedestres.

Eu sei que pedalar agora não é mais um recurso de pobres. É uma questão de a longo prazo salvar o planeta e tal e coisa. Muito bem: será bom organizar logo essa salvação senão a bicicleta vai se institucionalizar como uma forma a mais de opressão contra os indefesos (pedestres, no caso).

Sem contar essa nova modalidade de delação.

E as multas

Bem, aqui no reino dos automóveis, os motoristas continuam se queixando da indústria das multas.

É uma indústria, com efeito, competitiva. Não sofre com o dólar desvalorizado, nada.

Depende apenas da vontade dos prefeitos de, a horas tantas, soltar seus agentes catando irregularidades dos motoristas.

Estes, por sua vez, acham que os guardas deviam ter função “educativa”.

Mas pergunte a um deles o que seria educativo…

Seria, apenas, não multar, “ensinar”…

Mas como ensinar um cara que se supõe habilitado a guiar carros? Dando-lhe um tapinha nas costas? Claro que tem de ser multando.

Se os guardas pegassem 5% das infrações que fazemos a indústria da multa seria mais próspera que a Petrobrás.

Incluo nisso esses caras que saem sem dar a mínima para saber se alguém está passando ou não.

Ou esses que não param simplesmente na fila dupla. Param na fila dupla do lado que mais lhes convém, mesmo que haja um carro parado em fila dupla do lado contrário. Ou seja, ele interrompe o trânsito na boa.

Etc…

E a indústria do cinema

Ok, inventei tudo isso aí em cima porque que não consegui ver “Tropicália”, ainda. Quero ver pelo tema, porque temos feito bons documentários, porque eu tenho a intuição de que Marcelo Machado fará o melhor possível, quer dizer, há de se ter preparado para fazer o melhor possível.

E não há muito mais que eu tenha coragem de ver.

A não ser em DVD, claro. “A Era dos Medici”, de Rossellini, é uma caixa preciosa, com três episódios e vários extras.

“Amarga Esperança”, o They Live by Night, o primeiro Nicholas Ray, ou a primeira obra-prima de Nicholas Ray. Ambos da Versátil.

Já a Lume entra com “Lola”, de Brillante Mendoza, cineasta da moda. Ainda não vi, mas é oportuno de todo modo.

A decepção dos últimos tempos: “Quando o Amor É Cruel”, vulgo Incompresso, do Luigi Comencini. Obra-prima total, mas lançada numa versão que parece um vídeo antigo, sem qualidade nenhuma. Insuportável.

E, para terminar, alguém precisa se lançar com urgência sobre os Luigi Zampa recém-restaurados.

É ótimo cineasta, com filmes significativos sobre o período de guerra.


Paul Schrader no Brasil
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Inácio Araújo

Uma visita de Paul Schrader era coisa que Carlão Reichenbach queria muito, falou disso muitas vezes. Detestava os manuais de roteiro e, sobretudo, essa mania de ficar trazendo para cá e incensando esses caras que nem roteiristas são e ficam dizendo como se deve escrever um roteiro.

O Carlão também admirava muito o Schrader diretor. Foi quem me chamou a atenção para “Adam Ressurected”, certamente um dos grandes filmes da década passada e, ao lado de “Shoah”, mas de modo bem diferente, a melhor coisa já feita sobre o sofrimento nos campos de concentração nazistas, o Holocausto. Ele se fixa em Adam, um sobrevivente.

Mas ao final é a interrogação que fica sobre se são sobreviventes mesmo os que ficam naquela casa no deserto, em Israel, ou se aquilo é uma casa de mortos.

Um filme soberbo, enfim.

Na palestra inaugural, Schrader demonstrou uma paciência enorme: foram duas horas de perguntas, que giraram sobretudo em torno de roteiro e das suas relações com a Geração das Escolas, com o Scorsese sobretudo.

Ele respondeu a tudo, de gravata, no calor infernal que faz no momento aqui em SP (o MIS, depois de mil reformas, ou não tem ar condicionado ou ele é bem fraquinho).

Não vou fazer resumo, mas me parece que a parte a respeito de roteiro foi bem importante, na medida em que ele se recusou a fornecer qualquer tipo de fórmula para chegar a um texto cinematográfico.

Deu dicas, no entanto. E lembrar que o cinema é imagem não foi a menos importante delas.

Uma noite fantástica.


Renascimentos
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Inácio Araújo

1. Cinemateca

Da Cinemateca Brasileira eu falo bem com prazer até porque já falei muito mal, aqui mesmo, de sua programação. Mas parece que está renascendo.

Um ciclo Resnais, depois um ciclo Roberto Faria, uma coisa junto da outra, e há mais programado, tende a fazer mudar a imagem de fechamento da instituição.

Não vamos pedir, por ora, que edite catálogos fantásticos, à maneira da Cinemateca Portuguesa, mas convém já ir pensando nisso.

Uma coisa importante para a Cinemateca, embora quase insignificante, é contratar umas pessoas para tomar conta dos carros que param na frente. Claro que não é obrigação dela cuidar disso, mas como o lugar é meio ermo, prestar esse serviço não é complicado e vale a pena.

2. MIS

Durante ao menos uma década o MIS paulista só serviu para ser reformado. Terminava uma, começava outra. E aquilo parecia um mausoléu.

Sendo que no passado o MIS foi uma referência em matéria de cultura cinematográfica.

Bem, a nova gestão (André Sturm) parece que anda querendo mudar isso.

Começou com o ciclo Boca do Lixo, que trouxe o A.P. Galante para falar de sua produção, primeiro com Alfredo Palacios (Servicine), depois sozinho.

(Já falei disso: Boca do Lixo, outrora uma agressão, virou um rótulo charmoso, mas na prática nada mudou. Boca do Lixo é o lugar onde se produziu o cinema paulista, com raríssimas exceções, entre os anos 1960 e 1980. Sua diversidade ainda está para ser avaliada. Nisso, aliás, espera-se que a Cinemateca colabore e restaure um monte de coisas que precisam ser restauradas).

Agora o MIS vem aí com Paul Schrader. Um ciclo, uma palestra dele e uma aula (detalhes aqui). Antiga reivindicação do Carlão Reichenbach para quem, se querem conselhos de um roteirista, que não seja do Syd Field, que nem roteirista é, que seja do melhor roteirista do mundo.

3. Nem tudo são flores

Embora não pareça, a Cinemateca continua a manter uma programação na TV Justiça.

No site da TV Justiça, no entanto, não adianta procurar os filmes: eles estão preocupados com outras coisas, é até compreensível, embora, do meu ponto de vista, o filme que passa lá na sexta e no domingo é, com frequência, o melhor da programação deles.

Problema: aí você abre o site da Cinemateca. Na esquerda há uma sessão “Cinemateca na TV Justiça”, aí o tonto abre o link para descobrir o que vai passar. Bem… o que está lá é a programação de Junho de 2012…

Tem alguém pago lá para cuidar de Divulgação ou que nome tenha isso?


Cronenberg de volta a Cronenberg
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Inácio Araújo

A sensação de ter cinema para ver é ótima, tão mais ótima quanto tem rareado nos últimos tempos, vergada sob o peso do, ai ai, mercado.

O primeiro dos filmes é “Cosmópolis”. Cronenberg volta àqueles personagens que falam como robôs, que se comportam fora dos códigos esperados.

Mas desta vez é para refletir sobre o novo capitalismo, o do puro dinheiro, do dinheiro ficção, inexistente, do dinheiro que não constrói nada, exceto mais dinheiro. Breve, do capitalismo que produziu a crise de 2008 (e seus avatares).

A distância entre “Cosmópolis” e o que a gente tem visto ultimamente é tão acentuada que não me dá nem vontade de escrever a respeito. Não, pelo menos, neste sábado de feriado.

A matéria que saiu na Folha ontem acho que diz o que penso: quem conta com facilidades deve procurar outra coisa, mas o filme é fortíssimo.

Ugo é o outro belo retorno

Outro que é preciso correr para ver: “Cara ou Coroa”.

Há tempos eu me perguntava onde andava o Ugo Giorgetti. Que beleza, que felicidade ver esse retorno tão forte.

O filme situa sua ação em 1971. Ação fictícia, claro, o que não a impede de ser inteiramente verdadeira.

No centro, algo que era frequente na época: alguém é chamado a abrigar uma dupla de fugitivos para fazer favor a um terceiro.

Isso era coisa comum.

Mesmo quem não tinha muito, ou tinha pouco, a ver com política, conhecia alguém que, a horas tantas, precisava de abrigo.

Era um problema, porque por dar esse abrigo o cara podia ser preso, torturado e tudo mais.

Mas o principal do filme não é isso. Diria que é quase acessório (também não é).

O essencial, no entanto, o que é novo, que não me lembro de ter visto antes, é a imensa vitalidade que existia no período, e que é reencontrada pelo filme.

De fato, esse foi um momento febril, também, criativo, como se as pessoas precisassem de algum modo se por em alerta para não sucumbir. Podia ser no teatro, como está no filme, ou em qualquer outra parte.

E Ugo faz uma reconstituição de época que não foi buscar nas revistas, nada. Ela é antes de tudo afetiva. Daí vem sua verdade.


Tv Milagre
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Inácio Araújo

Faz uns 30 anos, quem estava vivo se lembrará, de repente apareceu um programa explosivo, bem popular, no SBT, chamado “O Povo na TV”.

No programa havia um tipo especial, o prof. Lemgruber. Vestia uma roupa toda preta, um medalhão no peito, e possuía virtudes curativas únicas.

O sujeito chegava lá com dor aqui, aqui, aqui. Ou não andava mais. Ou tinha câncer: os médicos desacreditaram. Esse tipo de coisa. O professor passava as mãos em torno dele, partindo da cabeça e chegando à cintura. Sem encostar, apenas transmitindo os fluidos e sua força mental com as mãos.

Com o sucesso, o Lemgruber começou também um promissor comércio de medalhões e coisas que tais.

Bem, depois de uns três meses o programa foi tirado no ar e o pobre Lemgruber acabou em cana.

Nunca mais se viu milagre na TV.

Nunca mais vi, para falar a verdade.

Porque há algumas semanas, fazendo zapping, a gente encontra uma pilha de pastores fazendo as mesmas curas do velho professor.

Agora, a bem dizer, não são curas. São milagres da fé.

Todos, invariavelmente “em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo Aleluia!”

Um fenômeno eterno de pobres dirá alguém.

Em priscas eras, o milagreiro mór dos paulistas era o padre Donizetti, de Tambaú.

E quem for a, digamos, Santana do Parnaíba, encontrará pilhas e pilhas de muletas. Provas cabais dos milagres da fé.

Mas o milagre da TV é de outra ordem. Ele se difunde, se multiplica. O milagre é a prova da existência de Deus, de sua força.

Devia ser algo raro. Mas no supermercado evangélico é mercadoria barata.

Mão que não fecha? Passa no pastor. A mão vai abrir e fechar que nem maçaneta nova.

A força de NS Jesus Cristo não tem aparecido para curar coisas como cegueira, mal de Parkinson, essas coisas mais palpáveis. Ficamos na mão do paciente e do pastor.

O que importa nessa operação, além de demonstrar os poderes de NS Jesus Cristo Aleluia! é a imensa, infinita quase solidão da gente pobre. Se não houver ajuda de Deus, bem, sabemos que dos homens nada conseguirão.

A quantidade de hospitais que frequentam a propaganda eleitoral por algum motivo não cura nem dor na perna, nem coisa nenhuma.

Isso é um lado da coisa.

O outro é: esse negócio de religião é formidável, porque o Lemgruber, que fazia os mesmos milagres sem apelar a Deus, acabou em cana, enquanto os pastores continuarão com seus milagres por muito, muito tempo.

República dos Milagres do Brasil ou República Fundamentalista do Brasil?

O que fica melhor como nome?

De todo modo, estamos a caminho, bem mais rápido do que eu gostaria, de virar uma república religiosa.

Sempre fomos, a rigor. O catolicismo sempre mandou e desmandou nas coisas do mundo.

Agora é a vez dos crentes.

Eles se colocam ostensivamente como seres políticos.

Têm hoje uma bancada considerável, do tamanho, acho, dessa bancada dos donos de terras.

Coisa influente.

Na última eleição principal o grande debate foi balizado pelos religiosos.

Contra o aborto e que tais.

Aquelas palhaçadas. Candidato tomando a bênção, jurando por Deus que acreditava em Deus.

Bem, agora, aquiem São Paulo(berço de tudo que é idiota nesta nação), os crentes apóiam um candidato meio que abertamente.

E os católicos, sua ala mais debilóide, essa que entupiu a missa com músicas da pior qualidade, vão atrás. Mesma balada.

Aquela corrente…

Nem dá mais para jogar sobre uma divisão entre católicos e crentes: estão unidos na música ruim, na teologia nauseabunda e também unidos na missão de fazer de nós a primeira república fundamentalista do Ocidente.

Hoje esses políticos são no mínimo fiel da balança de muita coisa. Decidem, sim, e muito.

Têm lugar nos governos.

E, não duvido, em algum tempo chegarão aos cargos executivos.

À religião, afinal, tudo é permitido. Lemgruber deve saber disso.