Nossos documentários
Inácio Araújo
A pergunta-afirmação que mais se faz é:
“Nossos documentários melhoraram muito, não é?”
Não estou muito de acordo com a idéia de que “melhoraram”, porque parece que antes eram ruins.
Tanto não eram que o melhor documentarista dos anos 80 (Eduardo Coutinho) é o melhor documentarista hoje.
Mas parece evidente que, na média, o documentário se sobressai hoje como um gênero essencial no cinema brasileiro, apesar de sua bilheteria, na média, ser pequena.
Há uma média de uns 10 documentários ao menos muito interessante, todos os anos.
Tenho a impressão de que nenhuma categoria de filme se beneficiou da passagem ao digital mais do que o documentário. Algumas razões para isso eu consigo ver:
a) O que custava caríssimo, o negativo, foi praticamente eliminado sem deixar saudade. Ganhou-se tempo, um tempo inestimável, o tempo a ser jogado fora, das coisas que não dão certo, do que acaba sem interesse, etc. O documentário precisa desse tempo livre, não é uma coisa que se decupa antes (nem se roteiriza, a bem dizer, apesar dos concursos…).
b) Ao mesmo tempo, o documentário chega com muita agilidade a mais ou menos todos os assuntos de interesse e não investigados da vida nacional: políticos, sociais, culturais – o que se quiser.
c) E tenho a impressão de que as pessoas querem, hoje, conhecer essas coisas: pode ser a Portela, o lixão, a trajetória do cantor, do grupo teatral, o que se quiser. Aliás, que bom que seja assim.
d) Por outro lado, existe um desgaste da ficção, que por sinal não é só brasileiro. Basta ver o número de filmes que se dizem “baseados numa história real”.
Ora, se é história já devia ser real. Ou a ficção nasce das pedras? A cabeça do ficcionista seria irreal? A fantasia seria irreal?
Enfim, existe essa crise da ficção, como se ela fosse o que não acontece.
A não ser que seja em 3D, claro. Aí pode mandar chumbo. Mas, no cinema, parece que a condição da ficção é a terceira dimensão.
e) Por fim, é preciso admitir, o documentário com frequência depende muito mais do mundo exterior do que de outra coisa.
Digamos aquele documentário sobre a Velha Guarda da Portela. Eu tenho a impressão ali de um caos visual, parece que vai para um lado a cada sequência, etc. e tal.
No entanto, existe a música, existem os personagens. Ponto final: a gente assiste e sai feliz. É isso que importa, não?
Há os equívocos completos, como o filme do Simonal. Mas, ainda assim, temos a sensação de estar sendo informados de alguma coisa (ainda que informados tortamente: na verdade, esse me parece o rascunho de um doc a ser feito, sobre o Simonal, sobre O Pasquim, sobre o Dops. E também sobre o doc.).
Do outro lado há os filmes pernambucanos, sobre os quais não vale falar: seja Cartola ou Humberto Teixeira, eles estão bem acima do que se faz hoje em Rio-SP, tirando fora os suspeitos de sempre.
Mas coisas muito interessantes acontecem de vez em quando que não seja Coutinho ou João Salles ou Tonacci (admitindo-se que “Serras da Desordem” seja um doc, coisa de que não estou convencido). Casos do filme sobre o carrasco dinamarquês e também do “Uma Noite em 67”, este em menor escala, na verdade. Sem diminuí-lo, longe disso, mas é que o filme do Boilesen é uma aula.
f) Para completar, uma coisa que não compreendo: essa história de auto-ficção;
O que é auto-ficção? Ou por outra: o que não é auto-ficção? Toda ficção, me parece, é “auto”. Toda boa ficção é, à sua maneira, um doc.
E, diria Coutinho, todo bom doc não passa de ficção. Talvez.