Blog do Inácio Araújo

Arquivo : March 2013

O braço no rio
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Inácio Araújo

 

Eu posso compreender um acidente em que alguém tem o braço arrancado, por brutal que seja.

Alguém faz uma besteira, dessa besteira deriva um erro, desse erro um acidente…

Tenho mais dificuldade em entender que o responsável não pare e dê auxílio à vítima. Mas o pânico pode explicar esse tipo de atitude, sim.

O que permanece incompreensível, para mim, é como alguém, tendo ficado com um braço em seu carro, se dispõe a procurar um rio para descartá-lo.

Ou: o que se passa na cabeça da pessoa?

Imagina que está se desfazendo da “cena do crime”?

Acha que braço é uma bobagem, quando se trata de outros braços que não os seus?

Não sabe que braços podem ser reimplantados? Que isso hoje é tradicional?

Trata-se de uma somatória de burrice, autossuficiência e ignorância?

De boçalidade, em suma?

Isso para mim é incompreensível.

Também é a indignação das pessoas diante da notícia (ou constatação) de que o motorista em questão não estava bêbado.

Faz alguma diferença?

Nenhuma, o braço foi arrancado por alguém num carro, sóbrio ou não.

Do ponto de vista estritamente criminal, me parece (não entendo nada de leis, é só uma impressão) que se alguém faz esse gênero de coisa em estado de sobriedade é mais grave do que em estado de embriaguez…

No entanto, parece que existe uma corrente muito forte disposta a acreditar, e difundir, que o mundo mental não existe, que não existe senão o cérebro, entidade neurológica, com seu funcionamento “normal” ou “afetado”.

As drogas são, para esses, algo indispensável para explicação de qualquer fenômeno.

Por fim, às vezes tenho a impressão de que a imprensa publica qualquer coisa. No Uol mesmo, li que o criminoso se declarou arrependido.

Ah, é? Notícia seria se ele dissesse que estava orgulhoso da pontaria.

O terror de rua

Estava saindo da Pinacoteca, quando vejo uma rádio patrulha parando e indo, revólver em punho para cima de um cara que tomava conta de uns carros estacionados.

Eles não foram violentos. Acho que a palavra “persuasivos” define melhor o caso. Tinham medo? Me parece possível (mas disfarçavam bem…)

Em todo caso, o que havia feito o fulano? Nada, exceto guardar carros e ganhar uns trocados com isso.

Não era justo o cara ter que mostrar o dinheiro, esvaziar bolsos, entregar documentos, ser examinado de alto a baixo sem que houvesse um indício sequer, exceto o fato de estar ganhando seu dinheiro honestamente, de criminalidade.

A suspeita, no caso, consistia estritamente em ser pobre.

Nós aqui da classe média deixamos de ter medo da polícia desde o fim da ditadura. Mas para o pobre as coisas são escandalosamente penosas o tempo todo. A polícia continua a ter um papel importante nisso.

Uma abordagem dessa me parece ser um convite à criminalidade. Pelo menos porque o cara raciocina que, se faz uma coisa direita ou se assalta dá mais ou menos no mesmo: no segundo caso pelo menos ele saberá porque está sendo oprimido.

E pode se armar, ir para coisas tipo PCC e de vez em quando praticar um tiro ao alvo que tem por alvo uns polícias


Marginais da história
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Inácio Araújo

De repente, sem mais nem aquela, me pus a pensar no Júlio Bressane. Não tanto na pessoa física, mas no autor que se reivindica “experimental” e jamais “marginal”.

Sim, admitamos: nem todo marginal é experimental, mas o experimental é um marginal, sim, porque a começar por Bressane não têm lugar na história do cinema brasileiro, tal como foi escrita, tendo por princípio o Cinema Novo.

Não foi por nada a celeuma que se abriu em dado momento, quando Nelson Pereira dos Santos disse que não era um cineasta do CN, que sua geração, com a qual se identificava, era a dos anos 50 (do século 20, entenda-se).

Todo o entendimento que tínhamos formado, a linha reta que ia de Mauro a Glauber, passando por Nelson (ah, a câmera emprestada pelo INCE para “Rio 40º.” e tal) de repente ficou em suspenso.

Nosso entendimento se embaralhou. A intervenção de Nelson claramente mostra que a história do cinema brasileiro como a concebemos não dá mais conta do que é esse cinema.

Há, digamos assim, um excesso de marginais. Eles transbordam. Estão na Vera Cruz e na Atlântida, nos anos 50 e nos 20, mas também nos 70 e 80.

A escrita dessa história se deu a partir da rejeição, da exclusão de partes. Isso se deu por motivos ideológicos (o surgimento do CN), mas também econômicos (Embrafilme). Se deu, finalmente, porque a ausência de tradição até ali, o começo dos anos 1960, tinha muito a ver com a impossibilidade de ver (ou rever) os filmes.

Desde que hoje temos condições de preservação e restauro mais propícias, tende a se tornar cada vez mais vital uma revisão geral da história.

Recebo emails de Denise Saraceni dizendo “Queremos ver os filmes de Paulo Cezar Saraceni”. Mas não só. Há pouco, na Mostra de Cinema SP, revi apenas o final de “Os Deuses e os Mortos” do Ruy Guerra, e é uma beleza, mas está precisando de um restauro urgente.

Nesse setor, claro, sempre se corre contra o tempo. Mas as coisas caminharam bem nos últimos anos.

Agora, dos chanchadeiros a Khouri, de Bressane a Oswaldo de Oliveira, etc., etc. Há muito a desmarginalizar nessa história. Não é que haja má vontade com todos esses e outros mais. A questão é: encontrar seu lugar, redispor os filmes na história e a história nos filmes.

Torcidas, marketing e antimarketing

Falei outro dia da relação entre torcida e marketing. O do Corinthians me parece genial. A história do “bando de loucos”, por exemplo, é supermobilizadora, mas é preciso controlar certos efeitos, a tendência de parte dos torcedores a não abstrair, a tomar a expressão pela letra e sair fazendo maluquices.

A questão palmeirense é o perfeito oposto. Claro, existe a questão sazonal do time que há muito tempo não ganha um título de expressão maior, que foi rebaixado e tudo mais.

Mas a agressão a jogadores me parece que tem origem muito mais no marketing palestrino. O Palmeiras se nutre, e vende essa idéia (quer queira, quer não) ao mundo: é um teatro de gladiadores. Fora do campo: só há facções se pegando etc.

Até pouco tempo, o marketing do Palmeiras, pelo lado positivo, era o Felipão. Alguém que estava acima das divisões infinitas entre os conselheiros. Antes tinha sido a Parmalat: havia como que uma intervenção no clube, então as coisas iam bem.

Como no Verdão o conselheiro A prefere que o time vá ao inferno do que ver o B virar presidente, por exemplo, não é de estranhar que torcedores vivam agredindo jogadores.

E quanto mais agridem, menos jogadores querem ficar no clube, é claro, as coisas mais se complicam e os diretores mais brigam.

A questão: que idéia pretende esse clube vender de si mesmo? E que imagem?


Rescaldo do Oscar
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Inácio Araújo

 

Feitas todas as contas, os filmes que mais me interessaram no Oscar foram “Lincoln” e “A Hora Mais Escura”.

Os dois foram bem queimados.

Tenho para mim que o resultado do Oscar pode ser bem secreto, mas talvez nem tanto.

Será que Michelle Obama anunciaria “A Hora Mais Escura” como filme ganhador?

Digo isso porque, embora matar Bin Laden tenha sido um triunfo da política internacional de Obama, no filme o que existe é continuidade: uma caçada que começa com Bush e termina com o presidente seguinte. A diferença é que não se pode mais torturar com Obama.

Não li o artigo de Zizek onde ele diz que o filme de certo modo normaliza a tortura. Pode ser. Digamos que os americanos usam técnica mista, como se dizem arte. Porum lado existem informações que vêm de torturados, sim. Por outro, existe um trabalho de dedução (e obstinação, claro) que se devem sobretudo à heroína.

Essa é uma dúvida infernal a que, nós, no Brasil, somos submetidos desde sempre (não sei se mudou recentemente, mas o método básico de investigação policial no Brasil era a tortura).

Então, não vou entrar na questão moral que envolve o filme. A Bigelow é, me parece, quem representa o lado republicano de Hollywood, de todo modo. Agora, tem talento. Tem força. Seus heróis são batalhadores solitários. Como a garota do FBI. Ela tem uma vingança pessoal a levar adiante, é verdade. Mas passa ao largo de tudo. É uma espécie de John Wayne do século 21.

O filme é, no mais, um faroeste do século 21. Bem mais faroeste do que o do Tarantino, que é maneirista, interessante, simpático, mas acho que não vai tão longe.

A sequência noturna final me parece muito forte. É a que eu mais retenho. As cenas de tortura (para quem não viu: não são bem de tortura, mais mostram o torturado do que outra coisa; a parte da tortura, perto do que conhecemos por aqui, é água de rosas) hesitam entre afirmar o profissionalismo do torturador e o simples caráter sádico indispensável a todo torturador. Não há torturador sem sadismo, sem sadismo muito pronunciado.

É, com “Lincoln”, o filme que eu quero rever já. Não sei se vai dar. Será no DVD, certamente.

Já o “Argo” será um filme divertido sempre, quase um “Nothing Hill”, desses que passam a toda hora na TV, você vê uma parte hoje, outra daqui a um mês e tudo bem.

O “Amor” é um filme interessante. Talvez seja complementar em relação a “Hora Mais Escura”. Parece maluquice dizer isso, admito. Vou tentar melhorar: o que seria de “Hora Mais Escura” se buscasse elidir a tortura? Seria menos verdadeiro? Talvez não. A Bigelow, que é uma brutalista, chega e diz: como a heroína, você aí sentado vai ver o horror.

O Haneke, que só vê o pior do homem, desta vez me surpreendeu. A dedicação e o amor do casal, a companhia, até o hábito de tomar ônibus para voltar do teatro (ah, lembrar dos transportes públicos franceses me fazem chorar quando entro no metrô daqui), tudo isso me surpreendeu muito.

Mas o final, a cena da morte, aquela coisa angustiante, interminável. É como se de repente o velho Haneke ressurgisse, garras de fora, não para falar da intrínseca dor de estar vivo, nem da falta de sentido de nossas vidas… Não: é o pior, o mais baixo, que aparece: aqueles pés frágeis que se debatem por um tempo que parece infinito remetem à determinação do homem que a mata. Essa é a coisa mais terrível, a mais dolorosa.

Quer saber? Talvez Haneke tenha mesmo razão. Ao menos no caso. Mas não gosto dele. Continuo a não gostar. Não como cineasta, mas como idéias.


O vale cultura vale?
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Inácio Araújo

No meio de um jornal da Globo, assim, bem despretensiosamente, a notícia é jogada:

o Vale Cultura está liberado para pagar pacote de TV a cabo.

Como assim?

Todo mês? Então é vale cabo.

Funciona bem, o lobby da Globo.

Claro que TV a cabo faz parte da cultura, em sentido amplo.

Mas jogo de sinuca também.

Cultura, para efeito de vale, devia ser livro, teatro, cinema, música. museu. Ponto.

Monica, minha assistente, traz aqui um outro ponto de vista: e nas cidades em que não há cinema, nem teatro, nem livraria e muito menos museu?

O que resta é a TV a cabo.

Então a autorização não seria porque a Marta Suplicy quer ser governadora e sem uns agrados a Globo pode ferrar com qualquer político. Seria algo a ponderar.

Ainda assim, me parece que o vale cultura valeria mais, no caso mencionado, para levar trupes de teatro a essas cidades, ou mesmo cinemas volantes, quem sabe abrir quiosques com livros de bolso… Ou mesmo comprar livros pela internet.

Tenho a impressão de que o espírito da lei é, ou era, acabar com a hipertrofia de TV de que sofre a nação.

Meia-volta

Uma vez falei aqui que cotas tão amplas (50%) prejudicariam a Universidade, pois seria necessário todo um trabalho de adaptação dos alunos de escolas públicas ao andamento do grau superior.

A coluna de Elio Gaspari na Folha diz que isso não está, de modo algum, acontecendo. Que a diferença de pontuação no vestibular é pequena.

Que as cotas estão dando certo.

Melhor: retiro o que disse.

Volta e meia

Quero dizer ao Marcos Petrucelli – me dizem que está furioso por conta de um post em que comentei um programa de rádio: Paciência.

Sempre achei o Marcos uma boa pessoa e não pretendi ofendê-lo ou diminuí-lo. Aliás, nem sabia que ele estava naquele programa.

Por que eu o atacaria? Ele faz seu trabalho honestamente.

E por que eu esconderia o nome da emissora onde as coisas se passavam?

A emissora não é secreta: é a CBN, onde Marcos faz ali comentários que ouço muito ocasionalmente (não por causa dele, mas por causa da estação, que me parece menos interessante de uns tempos para cá).

Quanto ao seu “e-pipoca” é um site muito útil e bem feito.

Em suma: não vou cultivar essa inimizade.


Oscar para Michelle
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Inácio Araújo

O principal do Oscar, muito pessoalmente, não foi o Oscar. Foi uns dias antes, num debate na rádio. Não sei quem eram os participantes, com exceção de Evaldo Mocarzel – adivinhei pela voz. Emmanuelle Riva não fazia muito sucesso, e creio que “Hiroshima Meu Amor” também não. Mocarzel falava de ambos e parece que falava de extraterrestres.

“Lincoln” era mais conhecido, mas não gozava de melhor sorte. Um dos convidados preconizava que devia ter meia-hora a menos. Que acharia ele de “Os Irmãos Karamazov”? Em todo caso não era o mais radical. Havia um outro mais radical: podia ser um curta-metragem! E por que não? O que significa, afinal, um presidente americano, Lincoln, aliás, lutando no tempo e no espaço para abolir a escravatura? Pouca adrenalina! Muita fala! Corta tudo!

Essas coisas ditas poucos dias antes do melhor Oscar dos últimos tempos. Havia… isso  e aquilo… Um Oscar como o deste ano (2012, entenda-se) não foi de filmes “feitos para o Oscar”. Eram filmes. E a maior parte deles, independente da primeira impressão inicial, minha ou não, pode ajudar a melhorar o nível do debate cinematográfico. Que fora de Tiradentes anda, pelo jeito, deprimente. Chega de deixar o pobre Evaldo em situação delicada…

O principal, claro, não foi isso. Foi Michelle Obama surgindo naquela tela lá em cima, esmagando Jack Nicholson. Se alguém pode esmagar Jack Nicholson… Michelle foi a estrela da história toda.

E o que ela nos dizia, em outras palavras? A política não é prima do espetáculo, a política não é irmã do espetáculo. A política e o espetáculo são a mesma coisa.

E “Argo”? Pintava como favorito, um desses filmes que sobem nos últimos dias e aí ninguém segura, é como eleição política, igual. Mas eu senti a sua vitória quando ganhou montagem.

Ora, a montagem de “Argo” ou é arcaica ou esconde todos os defeitos do filme. Por que a opção pela montagem paralela àla Griffithde 1912? Para criar emoção? Francamente… Talvez ficasse ruim, aparecessem certos defeitos, se montasse de outra forma. Porque do jeito que ficou o suspense fica artificial, é uma codificação muito, muito antiga… Mas ganhou montagem. Não sou especialista em “sinais” do Oscar, longe disso, mas ali me veio a sensação de que esse seria o vencedor.

Ang Lee na melhor direção? É um filme ok, me parece, se tirar o prólogo e o epílogo, absolutamente idiotas. Mas aqui é o 3D, a tecnologia, o maquinário, os efeitos… São essas as coisas postasem relevo. Depois, Ang Lee é aquele cara que não significa muito nada, não incomoda ninguém. O regra 3 ideal.

A menina que ganhou o Oscar de melhor atriz caiu na escada. No meu entender, ela não tinha estatura para ganhar. Vamos ver… Me parece que nem aquela moça que ganhou no ano em que a Fernanda Montenegro também concorreu: um Oscar especulativo, em busca de uma estrela… Mas uma estrela cai na escada? Vamos ver se levanta.

E assim fomos, de anúncio em anúncio, Giselle Bundchen mostrando como clarear os dentes a cada vez…

Eu queria ver “Lincoln”, com seu rigor, filme muito difícil, ganhar. Não vi. Queria ver Emmanuelle Riva ganhar. Isso seria um milagre. Metade daquela sala não tinha a menor idéia de quem era aquela velhota. Eu não queria ver nenhum dos atores coadjuvantes perder. Eram todos excelentes.

Em compensação, eu queria ver a Helen Hunt perder.

Gostei do Ted quando perguntou onde seria a festa depois da festa. Porque não importa quem ganhou ou quem perdeu. No Oscar importa a festa, a mobilização, a conversa fiada essas coisas. Fala-se de cinema e é o que conta.


Os melhores cinemas de São Paulo
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Inácio Araújo

 É interessante a iniciativa de pontuar as salas de cinema de São Paulo, o que faz o Guia da Folha anualmente.

Ao mesmo tempo, os critérios por vezes me parecem muito indicativos de certa relação com o cinema, que já não diz respeito ao espetáculo, mas a fatores mais ou menos exteriores.

Eu não desvalorizo o conforto, longe disso, nem a boa visibilidade, e muito menos a projeção, fatores essenciais à fruição de um bom (ou mau) filme.

Mas tenho a impressão de que certos fatores estão se tornando muito determinantes, em detrimento do filme propriamente dito.

Que um cinema ofereça lanchonete, e que essa lanchonete seja agradável, me parece um aspecto interessante ao frequentador do local, mas não propriamente ao espectador.

É algo que me leva ao cinema. Mas não é o cinema.

Esses fatores podem ser um tanto subjetivos. O Reserva Cultural tem um restaurante lá dentro; o Espaço Augusta serve sopa; não sei quem leva pipoca na sala…

Ok. Mas se eu não quiser sopa?

Eu posso ser levado por fatores insondáveis, como: decoração, tipo de pessoas que frequentam o cinema, distância da minha casa, etc.

Insondáveis digo: que não dá para mensurar numa pesquisa desse tipo.

Há outros que no meu modo de ver poderiam ser aperfeiçoados e nem são tão subjetivos assim. Por exemplo, há cinemas com boas livrarias não propriamente especializadas, mas com bom catálogo em cinema (e encomendam o que se pede). Passar um tempo na livraria pode ser mais interessante, às vezes, sobretudo para quem vai sozinho ao cinema, do que ficar na lanchonete.

Há cinemas, como o Livraria Cultura (os cinemas paulistas hoje em dia têm nomes inacreditáveis), onde, apesar do nome, nunca vi um mísero quiosque com livros de cinema lá dentro.

Claro, há uma baita livraria ao lado. Mas deslocar alguns para lá não faria mal algum.

Alguns aspectos são subvalorizados. A sala BNDES da Cinemateca é uma das raras, senão a única em SP, a poder projetar filmes 35mm no formato 1:33 clássico.

Isso não se consegue na sala do CCBB. A pesquisa destaca que as poltronas do CCBB são meio apertadas. Mas qualquer um se aperta (não chega a ser aperto, só quando comparado às poltronas mais novas e largas) para ver uma raridade por lá com mais prazer do que vendo um filme besta com gente te servindo pipoca.

No entanto, no CCBB nunca será possível ver um filme filmado em 1:33 integralmente. E isso conta, considerados os filmes que exibem lá.

Do mesmo modo, não vejo nenhum problema no ruído do projetor da sala Petrobrás. Ao contrário: sobretudo nos filmes mudos, esse ruído é muito bom, eu diria quase essencial. É um ponto a rever, também.

Já o Olido, que é um cinema essencial para o centro da cidade, espero que tenha melhorado muito desde que estive por lá.

Uma última palavra: no cinema (como no circo) o penetra é uma instituição secular, indispensável, bela. Acho que dela, mais do que de muita faculdade, saíram grandes cineastas. Como nós jornalistas não somos auxiliares da polícia, nem alcaguetes ou algo assim, não vejo motivo para apontar a falha de controle nas entradas de um cinema como um defeito. Não é problema nosso. Deixa a garotada curtir seu filme sossegada.

Uma outra última palavra: não percebi nenhum elogio aos cinemas que têm lugar marcado na platéia. Acho ótimo. Pessoalmente, me parece um hábito deplorável. Marco um lugar e se ao meu lado senta um chato que fica falando o tempo todo eu não tenho o direito de mudar para outro lugar. Uma chatice.

Dirão que aí não é preciso fazer fila etc. e tal. Conversa. Paulista adora fazer fila. Fazemos fila para entrar na sala mesmo tendo lugar marcado. Esse, aliás, é um espetáculo extra que esses cinemas oferecem.

Corinthians e seus corintianos

Lá vou eu sair em defesa dos fortes e dos opressores. Ao menos segundo o senso comum. Já vejo acusações contra as torcidas organizadas em geral, e as do Corinthians, em particular, por causa do terrível acidente na Bolívia de que todos já ouviram falar.

Sim, torcidas organizadas são meio selvagens, sabe-se, por vezes perigosas. Congregam pessoas pobres, que sofrem com a falta de educação e civilidade dedicados aos pobres por aqui.

Fazê-los evoluir, integrar a sociedade, em vez de se retrancarem em guetos e odiar todo mundo deveria ser uma tarefa geral, da Prefeitura e mesmo do Estadoem particular. Emvez de falar mal dessas pessoas, poderíamos começar a olhar para o umbigo de nossos próprios defeitos.

Isso é uma coisa.

Outra é: o marketing corintiano dedicado a valorizar a torcida, surgido no momento em que o time foi rebaixado, foi um achado notável, talvez genial.

Mas faz tempo que já deveria ter recebido um freio, ter sido moderado. Torcedor é para torcer, não para tomar seu time, que é parte de sua identidade, como sua identidade total. Isso é uma doença que a diretora do clube tem, sim, incentivado. Pela qual é, sim, em parte ao menos, responsável. Ela precisa ficar muito atenta a isso. Não é só na hora em que o cara mata o menino no estádio que isso se verifica. Não é só quando duas torcidas marcam briga em um lugar da cidade.

Essa mania de uma parte dos jornalistas esportivos de, a qualquer pretexto, tentar excluir organizadas dos estádios é cruel, boçal e sem vergonha. Organizadas são a única chance de os pobres verem jogos de seus times.

Desculpe me meter no assunto esportivo. Mas não é o esportivo que me interessa, aqui: é o marketing e é a TV.


Em defesa dos motoboys (e mais Som ao Redor)
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Inácio Araújo

Bem, todo mundo odeia os motoboys. São chatos que ficam acelerando no sinal vermelho, que ultrapassam pela direita a 100 por hora, que chutam os carros, que não entendem patavina de trânsito ou antes, acham que as leis de trânsito foram feitas para lhes dar passagem. Etc.

Por isso me parece certo que exista uma legislação mais exigente, não só para defender a vida deles (são três mortes por dia, não sei se apenas em SP ou no Brasil todo, de qualquer maneira é um absurdo).

Tudo muito bem. Concordo até que eles paguem pelos equipamentos agora exigidos, que, afinal, protegem a vida deles antes de qualquer outra coisa.

Mas tem uma coisa: exige-se deles um curso que 1) não tem quase vagas; 2) é caríssimo.

Me parece muito injusto que o rapaz pague R$ 400 ou R$ 500 pelo curso. Isso é quase o que eles ganham por mês.

Não seria possível as instâncias tipo DSV ou Detran, sei lá, bancarem esses cursos?

Porque esses chatos são explorados até a raiz, e essa é uma das razões deles correrem que nem malucos pelas avenidas: têm de fazer uma montanha de corridas para faturar algum.

E, a propósito, sendo algo de interesse geral, me parece que a profissão poderia, então, ser regulamentada e ganhar salários decentes.

Já que nós, em casa, somos os que queremos o documento no dia, a pizza quentinha e tudo mais. Somos os que exigimos esses serviços rápidos.

Enfim, multar e multar os caras sem oferecer nada em troca não está certo.

Não me parece uma categoria cheia de gênios. O que eles vão fazer é parar a avenida Paulista e 23 de Maio e tal. Tenho a impressão de que seria necessário haver uma negociação decente, digo, pós-escravagista, nesse caso.

Globo Filmes vs. Som ao Redor

Abaixo, a resposta de Kleber Mendonça Filho ao diretor da Globo Filme que o desafiou a fazer um filme com mais de 200 mil espectadores. Isso por conta de uma entrevista na Folhaem que KMFdiz que se o vizinho dele filmar o churrasco de sábado e isso for distribuído pela GF chegaria a uns 200 mil espectadores.

Claro, isso era puramente hipotético, não era nem um ataque à GF, que, claro, não distribuiria qualquer filme capaz de incomodar a sua freguesia, ou susceptível de escapar a um certo padrão que todos conhecem, para o bem ou para o mal, não importa.

Seja como for, KMF produziu uma resposta irretocável, e que merece ser lida, pela elegância, pela inteligência, pelo humor. Aí vai:

“Estava em trânsito o dia inteiro, cheguei em Istambul onde O Som ao Redor será exibido nos próximos dias. O Facebook e a imprensa fervilham com nosso embate. Preciso lhe agradecer pelo desafio, mas sua proposta associa a não obtenção de uma meta comercial (200 mil espectadores) como prova irrefutável de que eu não seria um cineasta. Isso não me parece correto, pois o valor de um filme, ou de um artista, não deveria residir única e exclusivamente nos número$. Sobre ser crítico ou cineasta, atuei como ambos e meu discurso permanece o mesmo, e sempre foi colocado publicamente, e não apenas em mesas de bar: o sistema Globo Filmes faz mal à idéia de cultura no Brasil, atrofia o conceito de diversidade no cinema brasileiro e adestra um público cada vez mais dopado para reagir a um cinema institucional e morto. Devolvo eu um outro desafio: Que a Globo Filmes, com todo o seu alcance e poder de comunicação, com a competência dos que a fazem, invista em pelo menos três projetos por ano que tenham a pretensão de ir além, projetos que não sumam do radar da cultura depois de três ou quatro meses cumprindo a meta de atrair alguns milhões de espectadores que não sabem nem exatamente o porquê de terem ido ver aquilo. Esse desafio visa a descoberta de novos nomes que estão disponíveis, nomes jovens e não tão jovens que fariam belos filmes brasileiros que pudessem ser bem visto$, se o interesse de descoberta existisse de membro tão forte da cadeia midiática nesse país, e cujos produtos comerciais também trabalham com incentivos públicos que realizadores autorais utilizam. Não precisa me incluir nessas novas descobertas, gosto do meu estilo de fazer cinema. Ainda estou no meio de um grande desafio com O Som ao Redor, 9 cópias 35mm, mais algumas salas em digital, chegando aos 80 mil espectadores em 8 semanas, e com distribuição comercial em sete outros países. A maior publicidade de O Som ao Redor é o próprio filme. Para finalizar, esses embates são importantes, fazemos cinemas diferentes, em geografias diferentes. Obrigado, tudo de bom. Kleber”


Ao redor do som
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Inácio Araújo

Belo material na Folha, Ilustríssima, puxado por uma análise da Lucia Nagib. Há também uma reportagem alentada da Fernanda Mena, que situa bem as coisas (o filme, Pernambuco, o autor, etc.) e uma análise mais sociológica do Mauricio Puls.

Em uma palavra: o filme está vivo.

O mais interessante na visão a Lucia, me parece, é o detalhamento do espaço arquitetônico do filme.

Ele me parece de fato central. Há um enclausuramento dos personagens, só rompido pelo som, porque o som desconhece grades, essas coisas.

No mais, não é um filme que se passa em qualquer lugar, que podia se passar em um lugar outro, qualquer.

Ele tem uma precisão muito grande. É uma “nova Recife”, nova rica, cheia de prédios que ele está observando.

De prédios horríveis.

Não consegui entender muito bem como a Lucia enfiou lá o Glauber e essas coisas. Como se houvesse uma necessidade de vincular tudo ao Glauber, ao cinema novo. Acho coisa de quem vive fora do Brasil.

Ainda na questão espacial me parece importante ver aqui um filme de deslocamentos.

Ò título do ensaio do Puls fala em fim do coronelismo.

Não estou convencido de que seja o caso.

As coisas se transformam, mas não há propriamente um fim.

Certo, o engenho é ao mesmo tempo um fantasma e um produtor de fantasmas.

Ao mesmo tempo ele é terreno na capital, terrenos que viram prédios, prédios que se vendem.

Daí a situação de deslocamento dos personagens. Um deslocamento geral, em que no entanto a permanência das relações hierárquicas é fundamental.

O rapaz, o corretor, o primo bom, que ao primeiro olhar parece apenas um condutor de história na verdade é o mais perverso produto dessa loucura escravagista.

Ele é o bom senhor de engenho, por um lado: o que presta atenção nos calçados dos seus servos.

Mas é também o cara das boas intenções: que defende a causa do porteiro que pretendem despedir, mas na hora H se manda para encontrar a namorada.

É um pouco como essas pessoas que reconhecem o quanto é necessário promover justiça social, mas, claro, desde que não saia um tostão do seu bolso.

No mais, um cara que estudou por sete anos na Alemanha, o que faz vendendo apartamento em Recife?

É sinhozinho.

Todos os demais personagens da família passam por esse tipo de deslocamento. Há entre eles mesmos, inclusive, isso, como o avô, velho senhor de engenho, que vai tomar banho de mar à noite ali onde estão os tubarões. Sem medo. Tubarão não tem medo de tubarão…

E o filho, o dono da casa, bem filho de senhor poderoso: fraco, impotente, incapaz.

E o primo, playboy, correlato urbano do avô, aquele que faz o que quer porque pode e fim.

E nesse deserto, deserto urbano de linhas retas, delimitantes, janelescas, existem no entanto os buracos secretos, as áreas de escape: ali onde a empregada vai transar em grande estilo em cama de patroa.

Quanto ao final: não sei se existe passagem, transformação. Reafirma-se o mundo nordestino da vendetta.

Algumas restrições que aparecem na reportagem da Fernanda me parecem descabidas. Alguém quer tirar 20 minutos do filme. Como dizia o Truffaut: que tire do seu. Por que não manda tirar 100 páginas do romance do Dostoiévski? Para com isso…

E alguém fala de interpretações abúlicas…  Alguém responde brechtiano… Isso não entendo. Nem uma coisa nem outra. Não vi isso. Apenas não há essa febre de interpretação psicológica, tipo Greta Garbo anos 30 (século: XX). E se fala de desencontro de gerações… Não. Esse filme não é um fenômeno isolado. Há um trabalho pernambucano que precisa ser observado e mesmo imitado.

Espero que do “Eles Voltam” se volte a falar tanto quanto desse, a conversar, a discutir.

Ah, para não dizer que esqueci: o Calil diz que precisa de 100 mil espectadores para existir no mercado. Mas o que vem a ser existir “no mercado”?

Há que dar uma clareada nesse tipo de coisa, senão fica muito vaga.

Ah, claro, há muito mais coisa lá. Fora os filmes que vão entrando. Fora a nova lei dos motoboys. E o papa…

Eu sou um só e hoje domingo.


Kiko, os livros e os filmes
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Inácio Araújo

Tenho tido alguns amigos distantes na vida. Pessoas de quem posso passar décadas afastado que, ao reencontrar, sei que nossos sentimentos permanecem idênticos.Um deles, foi Geraldo Galvão Ferraz, Kiko para os amigos e colegas, que conheci primeiro nos tempos de Jornal da Tarde, faz já uma eternidade, onde ele se ocupava de livros. O que não era de estranhar, já que filho de Geraldo Ferraz e Pagu.

Irmão, meio-irmão do também querido Rudá de Andrade.

Acordei hoje sabendo da morte de Kiko. Nas últimas vezes que o encontrei ele escrevia sobre cinema, que também conhecia muito bem.

Era uma pessoa de coração aberto. Sei que devo a ele, ao menos em parte, o único prêmio literário que ganhei, o de Revelação de Autor em 1987, por Casa de Meninas.

Não que tenha importância: mas a alegria e a riqueza do diálogo que esse livro proporcionou, com ele e com Leda Rita, com quem então era casado, ficaram em minha vida para sempre.

E o Oscar: Zemeckis

Digo isso soterrado por filmes. “O Voo” é um filme de bêbado a mais. Não gosto muito do gênero, mas o roteiro me pareceu enriquecer o gênero, ao fazer do personagem um piloto de avião. Mas ninguém acredite que, por bêbado e drogado, Denzel Washington fará uma besteira do ar. Ao contrário: sua perícia vai salvar muita gente.

Mas ele é alcoólatra. Não meio alcoólatra. Alcoólatra pra valer. Que fazer em face disso? E num processo que se anuncia penoso para ele?

Bem, não vou contar o final para ninguém, embora isso não tenha lá muita importância. O fato é o seguinte: em vez de um processo de autoconhecimento, que poderia ser interessante, o filme investe no aspecto moral, moralista me parece, do desnudamento da “verdade”. Mas a verdade revelada, isso que boa parte do filme diz, é sempre parcial. Mais: é insuficiente. Então essa apoteose da verdade tem mais de hipocrisia do que outra coisa.

Mas o filme não vai entediar ninguém. Me parece. E olha que eu me encho facilmente com filme de bêbado. Costumam ser tão chatos quanto os bêbados.

David O. Russell

Aparentemente. Russell é um autor, e dizer isso já é um grande elogio, porque o cara precisa lutar como um louco nos EUA para não ser engolido pelos executivos.

E “O Lado Bom da Vida” é uma variante de seu “O Vencedor”. Um cara que tem de lutar contra a família desajustada para se impor. E a família o assalta, o assedia, etc.

Aqui é um pouco mais: o cara, o protagonista, sofre de transtorno bipolar, o que o torna vulnerável a qualquer agressão do mundo externo, à qual reage sem sutilezas.

Ele conhece uma garota. E, como no outro filme, a família (o pai nesse caso) vai se manifestar contra a influência que ela possa exercer sobre o filho.

Tudo muito bem. Onde a roda pega?

Me parece que, primeiro, nessa pletora de anormalidades. No filme anterior, havia o irmão drogado, as irmãs piradas e tal. Mas o lutador tinha algo dele que o preservava disso.

Desta vez ele faz parte do Hospício América que o diretor-roterista parece querer compor.

E todos saem um tanto enfraquecidos. Não sei se pegar o De Niro para fazer o pai foi uma boa idéia: ele se torna muito dominante, com um personagem, no fim das contas, não muito interessante.

O personagem da Jennifer Lawrence é interessante: meio “Levada da Breca”. Aliás, o filme me lembrou bem essas comédias dos anos 30/40.

Só que quando o protagonista levanta seu dedo para dizer que é casado isso é sério, é sério demais, é doente. Já imaginou se fosse o Cary Grant fazendo o mesmo gesto?

Fiquei com essa impressão: o filme tem uma tocada muito grave, apesar do texto. Se o pai fosse um desencanado e não um obsessivo que concorre com o filho em matéria de doença, as coisas seriam melhores.

O melhor personagem é o da Jennifer Lawrence, apesar da ideia do concurso de dança me parecer sem pé nem cabeça. Ou então ela devia ter isso reforçado de algum modo: uma obsessão que se manifesta por outras formas que não palavras.

Dito isso, o filme é digno.

Tom

O filme do Nelson Pereira sobre o Tom: uma promessa de felicidade.

Promessa nas coisas mais inesperadas: o vôo do urubu, obsessão de Tom Jobim.

O urubu em voo é o antiurubu…

Capuzes Negros

Carlão interditou a visão desse filme enquanto viveu.

Dizia que o filme não era seu. Que Mauro Chaves o havia escrito e devia dirigir, que ele apenas executou o filme, quando Chaves renunciou (no primeiro dia de filmagem, antes desse papa agora).

Bem, e apesar disso é um filme do Carlão.

Entendo que as soluções de roteiro não sejam dele.

Que a idéia do falso sequestro é fraca.

Que a questão do desejo deveria primar sobre a do feminismo…

Etc.

E no entanto eis aí um filme em que, do primeiro ao último fotograma, sente-se a mão do Carlão.

Ele não gostava muito de se ocupar da burguesia, é verdade. Mas da maneira como fez, fazendo tudo virar chanchada, escalando seus atores preferidos e tudo mais, bem… Aquilo não é burguesia nenhuma… Aquelas atrizes que fazem as mulheres dos diretores, aquelas maquiagens, a festa maluca, o policial (o de óculos enormes) são totalmente Carlão.

Carlão só se reconhecia num comercial da construtora, pelo menos ele falava muito, o do Portal do Gasômetro, que é mesmo muito engraçado.

Sim, no fim é difícil saber se certas coisas são do Carlão ou do Mauro Chaves, mas no fim o filme é bem Carlão, com todas as inconsistências de um roteiro que ele não revisou.

Indomável Sonhadora

Mais um do Oscar. Chega! Falo outro dia. Não aguento mais. Parece filme do John Woo: você mata os bandidos, mas vem mais um monte atrás.

Por sorte tem algumas coisas boas e outras visíveis.

O ano não está ruim.

Mas algo me diz que vou sofrer nos Miseráveis…


West Salad by Quentin Tarantino
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Inácio Araújo

Bela salada do Oeste, esta de “Django Livre”. Me pareceu melhor do que o filme anterior do Tarantino, porque a questão da guerra exige algum rigor na imaginação e o fim do “Bastardos Inglórios” tomava liberdades digamos excessivas com os fatos históricos.

Quer dizer, nada contra, mas aqui se tratava de uma facilitação: juntar a Joana D’Arc filme mais a garota queimando, em Paris, com o cinema queimando e toda a hierarquia nazista lá dentro impressiona bem (a mim ao menos impressionou) na hora, mas depois o entusiasmo arrefece. O filme vale por outras cenas (a da taverna, a do Christopher Waltz procurando pessoas escondidas numa casa no campo, etc.), mas essa em que estou pensando hoje em dia já não me seduz nem um pouco. A guerra não acabou em Paris, por mais fotogênico que pudesse ser.

Com o Oeste tudo é diferente. A saga histórica foi largamente encoberta pelos episódios ficcionais criados em cima dela.

E, para além do cinema americano, houve o italiano, de onde aliás vem o primeiro Django, o original, devido a Sergio Corbucci, de que não me lembro mais, embora me lembre que gostava do Sergio Corbucci, que tinha idéias.

O que mais me fascina no Tarantino é esse gosto pelo cinema popular.

Ele não faz nada tradicional. Tudo é ao gosto do dia. Mas o sentimento popular permanece.

Qualquer espectador daqueles que tomava o Marabá nos anos 60 do século do cinema se reconheceria nesses personagens, torceria, vibraria e tudo mais.

Depois, ele tem um talento louco. Tem noção da grandeza que um épico requer, mas ao mesmo tempo sabe que o tempo é da paródia. O verdadeiro bang bang não pode mais existir. Mas a partir da paródia, partindo dali, ele lhe dá existência. É um pouco como o Clint Eastwood com “Os Imperdoáveis”: há um sentimento de fim, de arremate, de concluir alguma coisa, ao mesmo tempo em que traz alguma coisa de novo. Acho que o Clint trouxe mais, é mais profundo, mas isso é outra história.

Ouço reclamações contra o Leonardo DiCaprio, mas não sei, tenho a impressão de que isso virou já uma espécie de esporte, odiar o Leonardo DiCaprio, como aqueles grupos antigos de orkut.

Toda a sequência dele é muito forte, com aquela irmã imbecilizada e, sobretudo, o Samuel L. Jackson, que faz uma personagem excepcional, a do negro que leva sua submissão ao máximo completo, ao amor a seu patrão e à sua terra. Um pouco como em certos velhos filmes do Sul, mas elevado ao cubo. Não vou dizer que lembro o Shock Corridor, mas tem alguma coisa daquela demência ali, numa sequência em que tudo é demente. E todos.

Uma coisa apenas me incomoda ali: é que é nítido que os diálogos do DiCaprio e do Waltz foram escritos pela mesma pessoa. Ou, se não foram, se houve margem de improviso ali, um se espelhou no outro, então ficam muito parecidos, inclusive no jeito de fingir e no cinismo.

Por outro lado, que idéia excelente, essa de botar uma Brunhilde escrava no Oeste… É isso que faz o alemão se interessar por Django e sua história. Até ali é só um caçador de recompensa a mais. Dali por diante já está na mitologia alemã, misturada com western spaghetti, saga sulista, western americano, enfim essa salada tarantinesca bem característica, bem interessante.

E essa história do Spike Lee dizer que não ia ver o filme porque lá se fala em “nigger”? Me parece uma bela palhaçada. Queria que falasse como? Afro-american? Às vezes parece que se perde o senso de medida…