Blog do Inácio Araújo

No silêncio do cinema

Inácio Araújo

O que acontece nas telas? Pouca coisa. Restam sempre os DVDs para nos salvar. Por exemplo, essa bela edição de “Alma em Suplício” da Versátil.

Um desses filmes que mostram não apenas o quanto Joan Crawford podia ser carismática, como o quanto era competente Michael Curtiz. O húngaro não era propriamente um autor, mas o artesão mais representativo da Warner. Tudo em que tocava dava certo, não importa o gênero, e tinha a cara da Warner.

E ver pela televisão o Barcelona, que coisa absurda!

Mas, melhor ainda: pegar, no intervalo do jogo, um fragmento de “O Bagunceiro Arrumadinho”. Um grande Jerry Lewis, sem dúvida.

Mas dá para perguntar: e o que é feito de Frank Tashlin? Onde andam seus filmes?

(A propósito: Milton Leite é um desses locutores à parte. Não transmite apenas o jogo, transmite também sua alegria de estar lá.)

A DVD World anuncia que volta ao estoque ''A Batalha de Burma''. Que batalha de Burma? O filme do Samuel Fuller, ''Merril's Marauders'', no Brasil teve o nome cem vezes mais poético de ''Mortos que Caminham''.

Seja como for, a edição não é repulsiva e o preço é de colher: R$ 12,90.

Quem leu o artigo do Paulo Coelho sobre pirataria, na Folha de domingo?

Não tenho o menor interesse pelos livros dele, mas o artigo me pareceu decente demais, sobretudo por partir de um cara que vende livros às pilhas.

Mas ele diz que ninguém escreve para ganhar dinheiro. Que o cara russo que denunciava as atrocidades do Stalin não só não ganhava nada como ia para a Sibéria. E no entanto continuava a escrever.

Saiu um novo Filme Cultura. A vanguarda como tema central. Passei batido. Acho que a vanguarda é uma preocupação um tanto obsessiva nossa. Mas há coisas boas a ser lidas, sim.

O melhor, no entanto, não tem nada de vanguarda. É o perfil apaixonado de Rubem Biáfora por Gustavo Dahl.

Dahl é possivelmente o único cinéfilo de sua geração que conseguiu juntar os pólos contrários, Biáfora e Paulo Emilio, e compreendê-los devidamente.

Havia ali um conflito de Patrícios e Plebeus, é claro. O terno parisiense de Paulo Emilio contra o terno Lojas Garbo de Biáfora. O quatrocentão vs. o italianinho.

Bem, há outras questões: Paulo Emilio, o cara de uma visão ampla sobre a sociedade e o cinema nessa sociedade.

Já o Biáfora, para quem a única nação parecia ser aquela que acontecia dentro da tela. Sua nação, sua religião.

Quem tomou Biáfora por um cara meio maluco estava certo. Ele era mesmo. O que não o impedia de ter um olho extraordinário.

Paulo Emilio era homem de esquerda. Biáfora odiava os “esquerdinhas”.

Paulo Emilio partia do mundo para chegar ao cinema. Biáfora, partia do cinema para enxergar o mundo.

Podiam ser opostos, não deixavam de ser complementares.

Uma vez sugeri a Calil, há muitos anos, uma mostra em homenagem a Biáfora (na época, Calil era um indispensável diretor da Cinemateca).

Ele disse que não podia fazer isso por fidelidade a Paulo Emilio. Disse que Biáfora chegou a ir ao Dops (ou correlato) para denunciar Paulo Emilio. Bem, ainda assim me parece que o Calil estava errado no episódio.

Porque uma delação de um maluco como o Biáfora equivalia a um salvo-conduto. E depois porque uma coisa não tem nada a ver com outra.

Eram, por todos os motivos, dois pólos, igualmente necessários a nossa vida cinematográfica.

Mas chega de falar: acho que vale a pena correr atrás do artigo do Gustavo Dahl, que é uma beleza.

  1. Iliana Hourani

    18/07/2011 23:39:50

    Hi there, a very good read and it sometimes just takes someone to post something like this to make me realise where I've been going wrong! Just added the site to my bookmarks so will check back now and then. Cheers.

  2. Panama foundation

    23/06/2011 13:54:37

    No momento de planejar a realizacao das atividades muitas foram as questoes problematizadas pela equipe de coordenacao entre elas como garantir a participacao de arte educadores de todo o pais? como contribuir para a qualificacao do trabalho dos arte educadores junto aos seus educandos? como realizar um curso teorico e pratico se ele vai ocorrer totalmente a distancia com o uso de uma plataforma virtual? como possibilitar de fato a ampliacao dos conhecimentos dos arte educadores sobre o ensino de arte? . Assim em estados como Minas Gerais Parana e Mato Grosso do Sul foram selecionados mais arte educadores do interior do que das capitais. No entanto a medida que o curso foi se desenrolando uma diversidade de demandas e de enfoques foram surgindo a partir da relacao entre os alunos e os professores e das diferentes caracteristicas experiencias expectativas e interesses do grupo..19.. Finalizamos esta parte da sistematizacao compartilhando a nossa percepcao sobre os alunos.

  3. Inácio Araujo

    03/06/2011 23:14:34

    Claro, Marcos, pode-se preferir um modo de olhar ou outro. Mas não cabe simplificar o olhar do /biáfora. Aliás, o mais belo artigo sobre o Biáfora de que me lembro está no "Suplemento LIterário", e o autor é o Paulo Emilio.

  4. Inácio Araujo

    03/06/2011 23:12:02

    Marcos, é uma boa discussão. Primeiro, cada arte tem sua especificidade. Creio que o músico experimental, à força de ser baixado, torna-se conhecido, faz mais shows, etc.No cinema, isso não existe. Mas eu penso no que diz o Carlão Reichenbach, por exemplo. Diz: pode baixar meus filmes o quanto quiserem. Eles foram feitos para ser vistos. Quanto mais vistos, melhor. Quanto ao Paulo Coelho, devo esclarecer que não aguento ler os livros dele, baixados ou não, mas o que ele fala faz sentido: não é para ganhar dinheiro que se escreve, não se pode fazer disso o fundamento das coisas. Agora, claro que é indispensável sobreviver e garantir os meios para isso.

  5. alessandro

    01/06/2011 09:56:17

    Há décadas me pergunto o mesmo. Nada de Frank Tashlin no Brasil. O cara ficou invisível, mais do que antes. Um comediógrafo como Edwards foi lembrado ao morrer, mas parte de suas obras já fora lançada em Brasil. E Tashlin, outro grande comediógrafo?

  6. marcos nunes

    31/05/2011 09:37:00

    Não sei se é da Versátil (acho que sim, pero...), mas vi, nesta entressafra de nadas e coisas algumas, O Manuscrito Encontrado em Saragoça, interessantíssimo.O Paulo Coelho tá de graça (com duplo sentido) porque agora pode. Queria ver ele escrever isso vinte anos atrás, enquanto ainda contava caraminguás.Não conheço o Biáfora, só o trabalho critico do Paulo Emílio, e tendo a concordar com o último sem ter nem conhecido o primeiro, por odiar a crítica cinematográfica pautada na análise de planos, cores, cortes, aspectos de montagem, etc., pouco se importando com temas, textos, abordagens sobre questões histórica e socialmente importantes, etc.Cinema é arte mas arte está imbricada com valores humanos e a forma como vemos e pensamos a vida e seus fenômenos.Quanto a denúncia (suposta ou não) do Biáfora ao Dops contra paulo Emílio, novamente encontramos certo espírito de corpo seu com relação a cineastas. Aplique este caso ao análogo com Simonal, sobre o qual você seja menos condescendente, como foi mais com a Trier do que com o Gentili.

  7. Marcos Anton Nogelli

    30/05/2011 21:19:03

    (parte 2 é esta, a 3 é a de baixo) 200.000 pessoas que em São Paulo comprem, baixem piratas do novo ... "Piratas do Caribe", afetam muito menos a economia global da obra, que 2.000 pessoas que baixem o mais recente Apichatpong, no caso desta. Numa arte cara (digital a barateou, mas sempre será caríssima em relação às outras) como o cinema, ests situação é mais dramática que no caso da música. Entendo o músico independente que acha a Internet a salvação. Mas no caso do cinema este maior divulgação de obras audazes é uma falsa vitória.Cada vez mais o filme de arte/ independente vai necessitar de dinheiro dos governos. É fato que um Júlio Bressane (e milhares de nomes) jamais rodaria um plano sequer sem grana de estado, e deve receber verba, mas é fato também que no mundo todo está escasseando o fomento público à obras de exceção no cinema, justamente por que a já pequena arrecadação diminui e diminui. As distribuidoras de cinema de arte em todo o mundo estão com as calças na mão; por isso cada vez menos filmes tem sido adquiridos por elas. Depois da crise de 2008, quem é que mais "sifu"? Estas distribuidoras e boa parte dos estúdios/selos independentes/subdisiárias de empresas maiores.

  8. Marcos Anton Nogelli

    30/05/2011 21:10:30

    A solução seria aumentar o patrocínio direto desse cinema Terra afora, e em último caso, esquecer qualquer tipo de preocupação com comercialização das mesmas, quem sabe disponibilizando-as de graça. Alguém acredita nisso? De minha parte faço o seguinte: filme de arte recente não baixo, só aquele que já está "por aí" há uns anos e já esgotou seu período real de comercialização, que também é muito menor do que o do blockbuster.

  9. Marcos Anton Nogelli

    30/05/2011 21:08:19

    Inácio, achei o artigo do Paulo Coelho um desastre. O argumento dele para defender a pirataria da obra dele expõe precisamente o maior mal desta atividade. Como isso se dá? Coelho apontou bem que a pirataria não prejudica ao extremo os artistas superpopulares como ele. Pode prejudicar os conglomerados que as comercializam, mas os artistas caso a caso, não.Vejamos o caso do cinema: todo ano o filme mais pirateado no planeta é o mesmo que foi o número um das bilheterias mundiais. Foi assim com "Avatar", com o último "Batman", e tome de etc. Claro, né, corresponde ao que atrai mais por ser mais divulgado e cai mais no gosto do senso comum - lembrando que não estou desmerecendo estas obras em si; há maravilhas no super popular ao contrário de vc, por exemplo, adoro os Batmans do Christopher Nolan. O mesmo acontece com a Lady Gaga, a Ivete Sangalo, o seriado de TV mais visto, etc.Ainda no cinema. A pirataria permite que um cara no interior de Sergipe, onde talvez não tenha nem sala de cinema, baixe e veja o filme do Apichatpong Weerasethakul que possivelmente jamais passaria na cidade dele, nem que ainda haja sala, talvez nem na capital do estado. Isto é democratização, concordo. Mas ao mesmo tempo o fiapo de viabilidade comercial (afinal, ele cobrava/cobra pelo que produzia) que sempre procurou ter o cinema indepedente, o de arte, o escritor mais ousado, o músico mais experimental, vai sendo erodido. Essa era da Internet abriu para esta arte-nicho, maiores possibilidades de divulgação, mas não de ser renumerado a contento por isso, pelo menos no caso do cinema.

  10. CELSO

    30/05/2011 18:52:27

    Inácio, revi recentemente na TV paga esse filmaço. É aquele tipo defilme que não se cansa de rever. Grande Crawford!

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