Blog do Inácio Araújo

Arquivo : April 2011

O Dia do Contador
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Inácio Araújo

Quer dizer: com toda franqueza não sei se existe esse dia.

Mas acho que é hoje, depois que acaba a entrega do Imposto de Renda.

Então, minha homenagem aos esforços para que eu pague mais imposto é a revisão do “Simonal –Ninguém Sabe o Duro que Dei”.

O contador é a figura.

Depois de um baita esforço do filme para demonstrar, por um acúmulo de autoridades, opiniões, testemunhos, que Wilson Simonal foi antes de tudo um cara perseguido porque era negro e bem-sucedido, os realizadores do filme acharam ele: O Contador.

O contador que, quando se viu na falência, o Simonal contatou uns amigos que trabalhavam no Dops para dar o que se chamava, talvez ainda se chame hoje, uma coça.

Bem, quem não quis, uma dia na vida (ou mais de um) bater no seu contador? Atire a primeira pedra. Eles levam a culpa pelos impostos que a gente tem de pagar.

Pois o Simonal passou ao ato.

Será tão horrível assim ter amigos no Dops?

Eu não teria. Mas acho que um cantor, bem, é fácil, os caras chegam, eles querem ser amigos do sujeito famoso, se encontram no bar…

O fato é que deu tudo errado. Os cretinos do Dops levaram o contador para as masmorras e o torturaram horrivelmente, até que confessasse tudo o que alguém pode confessar.

Entrementes, a mulher do contador, sabendo o seu sumiço, foi à Delegacia, dar parte do desaparecimento do homem. E, claro, entre as duas instâncias, mobilizadas ao mesmo tempo, deu o maior bode.

O contador conta tudo no filme.

Acho que foi honesto da parte dos realizadores do filme inserir esse “outro lado”.

O problema é que ele destrói o filme. Tudo vem armado para demonstrar que o Simonal era um bom sujeito, simpático, bom cantor, controlava a platéia, vendia disco, etc. etc. etc.

Aí aparece o contador e fica tudo manchado, muito feio mesmo.

A verdade é que o Simonal não foi execrado por isso, mas por ser, supostamente, delator a serviço do Dops ou algo assim.

E isso deve ter sido algo cultivado pelo Pasquim, cujos representantes no filme tiram o corpo fora, se eu bem entendi, e jogam a culpa no tempo atribulado.

Não sei. Seria mais honesto assumir que a partir de um boato se construiu um fato que arrasou de fato com a vida do Simonal, cuja irreponsabilidade, no mais, o filme demonstra em último grau.

Dito isso, o filme serviu mesmo foi para limpar o contador.

Então viva o Contador, esse ser que me esfola todo mês.


Um filme de aventura ou Passagem pela Índia
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Inácio Araújo

Faz pouco tempo, num debate, o Francis Vogler, respondendo a pergunta sobre o que pensava dos novos cineastas, disse, na lata: “Eu acho que eles não têm vida interior”.

Claro que não falava de todos. Mas soou como um bem achado desabafo.

Começo por aqui porque ninguém poderá dizer que a Beatriz Seigner não tenha vida interior. Quando terminou o secundário ela se mandou para a Índia porque queria conhecer melhor a obra do Satyajit Ray.

Depois, quando voltou ao país, com o projeto de “Bollywood Dream”, tinha acordo com um estúdio de lá. Mas lhe queriam empurrar todo o maquinário bollywoodiano, o que implicava, entre outras, aguentar o ventilador que ligavam a toda hora para balançar o cabelo das atrizes.

Ela preferiu pular fora e fazer o filme como independente. Essas coisas ela me disse há algum tempo e estou reproduzindo de cabeça.

O filme eu vi ontem e me parece bem corajoso, com seu tom documentário, uma espécie de espontaneidade que deixa o sentimento de tudo estar sendo inventado na hora. Certamente algumas coisas foram mesmo.

Daí, em parte, os altos e baixos do filme, que são muitos. Há momentos em que meu interesse se dispersava inteiramente. Mas, penso, também é que hoje esperamos filmes em linha reta, incapazes de nos dispersar, mas também incapazes de se aventurar.

“Bollywood” me parece um filme de aventura. De aventura do próprio filmar, primeiro. E aventura das três garotas, as três atrizes que vão tentar a sorte no cinema indiano e ao longo do filme acabam mesmo numa viagem espiritual, numa iniciação, num aprendizado do que seja a Índia.

E para que serve essa iniciação? Para nada. Quando o filme termina parece que estamos no vazio, no esvaziamento completo. E mais, num filme moderno: filme sem fim. Sem final, eu quero dizer.


Chupa-cabra e outros sanguessugas
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Inácio Araújo

Aqui em SP, começa no Itaú Cultural a nova mostra do Cinema de Bordas. Quem organiza é o pessoal liderado pela Bernadette Lyra, que inclusive já publicou livro sobre o assunto.

Bordas são as margens. É uma outra maneira de dizer marginal, que não se confunde com o conceito de Cinema Marginal que conhecemos dos anos 70. Aqui é um cinema feito na raça, no digital, usando a família e os amigos como elenco etc.

O resultado é não raro lastimável. Mas, acima dele, existe um desejo de produzir imagem que se impõe: amador no sentido de que se percebe ali gente que ama as imagens, e não o comércio das imagens.

Mas, por vezes, o resultado é surpreendente. E há momentos em que vemos ali um último suspiro da arte popular que o cinema já foi.

Só que hoje fazer o filme se tornou acessível a muita gente. O consumidor de imagens se torna também produtor.

Vale a pena dar uma chegada lá. Quem costuma me dizer o que há de melhor lá é o blog do Carlão Reichenbach ou a Revista Zingu (revista eletrônica).

E outros sanguessugas

Lêdo Ivo abre o berreiro contra herdeiros que controlam a obra de escritores mortos. Eu estou de acordo.

Ora, se existe a idéia de que a propriedade deve ter uma função social, caso contrário pode ser retirada de seu dono, por que isso não se aplica à produção intelectual?

É claro que há herdeiros capazes de zelar pelo trabalho de seus antepassados. Mas uma boa parte deles quer, deles, apenas os dividendos.

No caso de Lêdo Ivo, ele queria publicar umas fotos em que está com Manuel Bandeira. A família pediu grana (eu uso essa palavra que detesto, acho feia, porque a coisa me parece mesmo feia, argentária). É ridículo, isso.

No cinema, somos impedidos de ver “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, filme importantíssimo de Roberto Santos, por capricho dos herdeiros (ou é uma herdeira, não sei direito) de Guimarães Rosa.

E por aí vai.

Lêdo Ivo mesmo fala da família que impede a circulação de uma biografia de Cecília Meireles. E há casos outros: biografia de Noel Rosa, por exemplo. São casos em que os herdeiros se acham com direito não só à obra como à história cultural do sujeito e, mais que isso, do país.

Ok, reclama-se dos juízes que dão ganho de causa aos herdeiros. Não entendo disso. Mas me parece urgente reformar essa legislação. Desse jeito não é possível. È um não-me-toques incompatível com o conhecimento. Não faz sentido.

Os trajes

É uma medida estranha, essa da França.

Me parece que não se deve aceitar hábitos, trajes, objetos religiosos em escolas públicas. Isso é uma coisa.

Mas impedir as muçulmanas de circular com seus trajes característicos nos lugares públicos não seria uma discriminação?

Vejo aqui em SP, aqui perto de casa mesmo, um monte de judeus religiosos com seus chapelões, suas barbas, suas kipás. As mulheres com suas cabeças cobertas por panos. Deveriam ser proibidos? E a título de quê?

Só por que esses hábitos me parecem exóticos e, eventualmente, meio tolos? Como posso julgá-los?

E se proibi-los devemos proibir também os caras da TFP que também circulam por aqui com uns ternos característicos e crucifixos ou similares na lapela?

Desse jeito a França periga acabar que nem o alienista de Machado.

O problema não são os valores republicanos de 1789. O problema é que o mundo mudou. Que hoje será preciso aprender a conviver com hábitos, modos de ser, de vestir, de comer diferentes, que mal conhecemos.

“Entre os Muros da Escola”, aquele belíssimo filme, coloca muito bem essa questão no interior de uma sala de aula: como ensinar Voltaire ao cara que chegou ontem da Costa do Marfim ou da Mauritânia?

Não dá para ensinar e não dá para não ensinar. É um impasse. E ele tem de ser pensado como impasse, não por medidas de força.

Os Críticos

Prossegue no Guia da Folha a revolta dos leitores que não concordam com tal ou tal avaliação.

É estranho. Reclamam da avaliação do crítico (no caso era o André Barcinski) e, como se diz, vão tirar satisfação. Mas será que se deram ao trabalho de ler o que ele escreveu?

De minha parte, vivo participando de mesas, de debates, discutindo o trabalho dos filmes, sua história, sua estética etc. Não me lembro de ter visto essas pessoas indignadas em nenhum desses debates.

A ideologia do consumo pode ser tenebrosa. Acho que já escrevi aqui: quando eu era garoto, via um filme, lia um livro, adorava, ia ver o que o crítico dizia. Se ele tinha uma opinião diferente eu queria saber por quê, o que eu poderia aprender com esse cara que tinha mais experiência e saber do que eu etc.

Por alguma estranha disfunção, hoje o cara não acha que tem de aprender nada com o crítico. Longe disso. Até aí tudo bem. Quer dizer, não acho tudo bem, não: é uma coisa preguiçosa, ranzinza e simplesmente presunçosa. Pois tome da pena, escreva suas impressões e as coloque num blog, por exemplo. Isso é uma atitude ativa.

Em vez disso, há pessoas que correm para a seção de cartas babando de indignação, como quem vai ao Procon, como se o crítico estivesse lhes oferecendo creme de leite fora do prazo de validade.

Estou longe de achar que o crítico está sempre certo. Mas isso me parece uma atitude anticrítica, isto é, que não concebe o produto simbólico como um objeto de idéias, que necessariamente comporta fricções, inclusive entre quem escreve e quem lê. A graça está, justamente, nisso.


A Cara do Massacre
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Inácio Araújo

A primeira coisa que fiz foi passar reto pelo vídeo do cara que provocou o massacre de Realengo. Não queria ver aquilo, a cara dele, e muito menos ele falando.

Foi a história da internet que me fez mudar de idéia. Claro que não é o fato de estar ligado na internet que o leva a adquirir tendências homicidas ou suicidas.

Será a religião?

Como em muitos outros casos, fiquei com a impressão de que a religião é uma fachada para outros problemas.

Ele faz uma salada de Corão, Bíblia, retórica dos programas evangélicos da TV ou manifestos da Al Qaeda.

Mas tudo é afinal muito laico: o problema são as mulheres, as meninas que em algum momento devem tê-lo esnobado e feito sofrer. O bullying, segundo ele.

O cara pode ser louco, mas absorve a retórica que rola na mídia rapidinho.

Essas idéias circulam como as do dr. Mabuse. Quem assistir “O Testamento do Dr. Mabuse” notará a semelhança: Mabuse, preso, escreve loucamente na sua cela. E esses papéis, essas ideias que têm o poder como centro, hipnotizam, sim. E hipnotizam os caras que nem esse de Realengo, de cabeça fraca, digamos assim.

Não foi à toa que os nazistas tiraram o filme de circulação. Eles sabiam que o Fritz Lang, de algum modo, se referia a eles.

O cara do massacre fala como leitor desses blogs tipo Bruno Fascistinha que existem às pilhas por aí. Profissionais ou amadores, tanto faz.

* * *

Agora é o bullying a questão: o mal do século dos próximos meses.

Não é que não exista. Não é que não seja desagradável.

No meu tempo de escola, se o cara era muito branco chamavam de Coalhada; se era mais escuro, chamavam de Tição; se era gordo, virava Pudim. As garotas feias eram maltratadas pelos caras, que nem deve ser até hoje. As bonitas nos maltratavam, até porque na adolescência é difícil saber o que fazer com a atração que se exerce.

Pelo que entendi, o cara não era puro. Não tinha nada de puro (quem tem?). Ele não pegava nada e aí ficou desse jeito, resolveu que as mulheres são o mal do mundo, essa coisa toda.

Coisas assim rolam de fato na internet, e muito, porque as pessoas falam qualquer coisa, colocam ali suas frustrações, ressentimentos, ódios, mas fica só isso, um desabafo, uma manifestação subjetiva, nenhum conceito, nada de aproveitável, em resumo.

Agora vem a criminalização do bullying.

Claro que é uma coisa condenável, eventualmente horrível. Mas a exagerar, vamos pretender buscar na Justiça indenização e pena para cada um de nossos sofrimentos.

O bullying, como se diz, é o ato de importunar o outro, seguidamente, seja por qual motivo for. O motivo é o de menos: inventa-se. O importante é dar saída para a agressividade. Todos temos, inclusive “o puro”. Sobretudo “o puro”.

O importante é o que se faz com isso. Agora há pouco li no Uol que James Joyce sofreu bullying. Grande novidade. Quem não sofreu? Quem pode passar pela adolescência sem sofrer?

O Joyce foi ser o Joyce, não matou ninguém. O cara de Realengo fez diferente: não é que a internet forme boçais. Ela os agrupa, é da sua natureza. Também agrupa outras categorias de pessoas.

O cara de Realengo, essa confusão mental absurda, mas essa ritualística voltada para a câmera, essa espécie de terrorismo iconográfico, que no fundo se copia de Hitler e do nazismo, tudo isso ele tinha.

* * *

Na hora do luto a gente fala muita besteira. É quase indispensável ao luto.

Eu mesmo reclamei da segurança na escola pública.

Concordo com quem disse, como a Patricia, que a escola pública (ou não) não deve se tornar um bunker.

No mais, a catástrofe, pelo que li, teria acontecido de qualquer modo.

Mas fiquei aliviado, hoje, quando vi uma turma de alunos de escola pública transitando pela rua com dois PMs atrás, fechando fila, e depois parando o trânsito para elas passarem: é preciso que as crianças sejam protegidas. E que tenham condições de aprender, claro.

* * *

Como nessas horas se fala muita besteira, Sarney desencavou o plebiscito sobre armas de fogo.

Bem: passado o impacto, as pessoas serão contra de novo.

Não adianta dizer, racionalmente, que isso é mais perigoso: ninguém vive se não tiver a sensação de segurança, por falsa que seja.

* * *

Último ato: por venderem uma arma já foram presos três.

Aonde se vai chegar com isso? A absolutamente nada.


Dez anos
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Inácio Araújo

“Chico Xavier”, “Nosso Lar”, “A Mulher Invisível”, “Tropa de Elite” (1 e 2), “Bruna Surfistinha”, “VIPs”…

Quem diria, há alguns, que os filmes brasileiros iriam se destacar tanto assim, na disputa insana por espaço nas telas?

Essa e outras ideias me veem à cabeça a respeito da mostra “Cinema Brasileiro: Anos 2000, 10 Questões”, que começa amanhã no CCBB de São Paulo e depois vai ao do Rio.

Convém lembrar, porém, que isso não é inédito. Sempre que aumenta a renda, sempre que cresce a autoestima dos brasileiros, a bilheteria dos filmes brasileiros também cresce.

Isso não deve diminuir os méritos de quem acertou na mosca ao tatear o interesse do espectador, aquilo que o leva a sair de casa e procurar um cinema e comprar um ingresso.

Claro que a Globo tem uma parte enorme nisso. Mas a Globo, convém lembrar, ganha todas: nas eleições, no futebol. Por que não ganharia no cinema?

Pessoalmente, devo deixar claro que esse não é o cinema dos meus sonhos. Mas me pergunto o que, no cinema do mundo, é hoje “dos meus sonhos”.

Este ano especialmente está de doer.

* * *

E, por uma vez, acho que pela primeira vez o público conhece a maior parte dos filmes que concorrem ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro.

Se quiserem ter audiência na televisão e todo esse lero-lero convém que os filmes sejam conhecidos.

Agora, esse nome turfístico que inventaram não dá pé, por mais Tropas e Chicos que apareçam.

É preciso ir atrás de um cara de marketing que dê nome, cara, apelido a esse troféu, que o torne minimamente acessível ao público.

* * *

Para discutir:

Esse cinema que dá público também dá dinheiro?

Ou seja, cobre seus custos?

Convém fazer o cálculo ou esquecer do assunto?

O assunto, claro, chama-se subsídios.

A presidente chamou as mulheres cineastas para um convescote, há alguns dias.

Bem, não entendo muito esse clube da Luluzinha: o que têm os homens de menos, afinal?

O que Tizuka Yamasaki faz que qualquer homem sem talento não seja capaz de fazer?

Mas Dilma Rousseff teve bom gosto: projetou ”É Proibido Fumar”.

É importante ter uma presidente que não se deixe enrolar nesses assuntos, que saiba distinguir filmes bons de filmes ruins.

E, convém não esquecer, ela prometeu encher o Brasil de cinemas.

Não é uma reivindicação que deve ser vista como algo corporativo, mas uma atenção à cultura, à necessidade integrar as artes e as letras à nossa vida normal: os governos se preocupam com o progresso material dos povos, o que é importante, mas sobretudo no Brasil parece que o progresso espiritual não tem grande importância.


Xuxa vs. Massaini
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Inácio Araújo

Estranha disputa, essa entre Xuxa e Aníbal Massaini, por conta de “Amor, Estranho Amor”.

Xuxa havia conseguido interditar a saída do filme em vídeo, nos anos 1990, que poderia representar certo perigo a sua imagem de “rainha dos baixinhos”, até porque ela fazia uma cena de nu em companhia de um menino.

Não me parece que o essencial fosse o fato de abalar uma imagem de “fadinha”, mas, ao contrário, escancarar o fato de que a “rainha” era extremamente erotizada, o que contribuía, aliás, para o sucesso do programa também entre os altinhos.

Mas não sabia que o produtor, no acordo, recebia US$ 60 mil anuais.

Bem, agora, o prazo do contrato terminou, se é que entendi bem, e Aníbal resolveu não renová-lo.

Isto deve ser de direito dele, tudo bem. Mas, se de fato recebeu essa mesada de Xuxa por todos esses anos, diria que agora sua atitude é pelo menos duvidosa moralmente.

Por outro lado, me parece absurda essa história de ir à Justiça interditar obras de arte ou trabalhos intelectuais, quer gostemos deles, quer não.

SIDNEY LUMET

Seria preciso uma retrospectiva alentada para se verificar tudo que Lumet trouxe ao cinema (e separar isso de seu enorme ego, admita-se).

Retenho por ora apenas com seu filme mais recente: “Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto”. Existe uma espécie de abismo entre a capacidade de Lumet observar e mostrar o mundo e a média do cinema. Alguém duvida?

Lumet morreu no último dia 9.


Tiros na escola: a abominação, o horror
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Inácio Araújo

Passado o primeiro impacto, será preciso observar com cuidado a responsabilidade do Estado nas mortes acontecidas no Rio de Janeiro.

Certas coisas são óbvias: como alguém entra sem mais nem menos num estabelecimento de ensino? E, com aquela cara, dizendo que ia dar uma palestra…

Se você olhar para uma escola privada, aquilo parece um bunker. Para entrar é uma bela complicação.

Mas a escola pública há muito tempo existe apenas como depósito de pobres. Não é lugar de interação entre pessoas de origens e classes sociais diferentes. Hoje classes sociais não se misturam no Brasil (herança da ditadura que o Jair Bolsonaro, entre outros, tanto venera, aliás).

Não é o ensino público universal e leigo. Aliás, mal é ensino. É um lugar onde deixar as crianças pobres para que elas não se metam com drogas ou algo parecido.

Escolas precisam de proteção. É inacreditável, inaceitável, que a escola não tivesse proteção nenhuma. As outras têm?

O segundo aspecto da história: o assassino é uma mistura de um monte de misticismos idiotas com uma mente virginal-psicopática.

Acontece. Mas é inaceitável que as crianças não estejam minimamente protegidas contra isso.

Eu sou uma pessoa paciente. Entendo uma série de atrasos que existem no Brasil, acho que nada muda da noite para o dia.

Mas a questão educacional já era uma coisa tão premente…

É abominável que tenhamos de conviver com cenas tão evitáveis, tão dolorosas, tão terríveis.


“Aplauso” na geladeira
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Inácio Araújo

Ninguém se iluda com a festa que a Coleção Aplauso fez outro dia.

Lançou 18 livros, inclusive o “Dicionário dos Fotógrafos”, do Antônio Leão. A festa foi na Cinemateca, que é boa de festa.

Teve uma vez uma conselheira que aconselhou alugar os salões do Matadouro para fazer dinheiro, em vez de construir uma sala de exibição.

Não estava tão errada assim: a sala, o BNDES entrou com o dinheiro e o nome, ficou de fato espetacular. Mas a programação continua aquela coisa ranzina, de ocasião, sem alma.

Parece que cinemateca existe para guardar os filmes, não para difundir a cultura cinematográfica. Não sei o que tem lá.

Hoje tem dinheiro, tem como conservar os filmes, tem expansão do acervo, tem pessoal trabalhando…

Só que mostrar filmes ainda é uma dificuldade. Falar disso parece uma ofensa. Mas não é disso que eu queria falar.

A Coleção Aplauso está na geladeira. Está tudo parado.

Ela é uma coisa importante porque de fato botou a cultura não só cinematográfica, mas teatral e de TV para circular.

Acessível. Os livros custam uma ninharia, por isso as livrarias não querem vender. Mas vai para as bibliotecas públicas, vira uma base de consulta hoje já vem alentadinha.

Sem contar que o nome Imprensa Oficial se tornou conhecido graças a esse trabalho. Até então, era o lugar onde imprimiam o Diário Oficial, aqueles atos de governo e tal. Agora é vista como uma editora mesmo.

Pode-se dizer que é eleitoreiro. Mas isso me parece uma coisa inescapável, em todo caso. Tudo que qualquer governo faça que dê mais ou menos certo é para ganhar eleição. É a lógica do sistema, que não por acaso se chama eleitoral.

Pode-se dizer também que estou falando em causa própria, porque eles editaram no ano passado uma coletânea de críticas que eu escrevi. Mas não é isso não: saíram coletâneas de B.J. Duarte, Rubem Biáfora, Edmar, Jairo Ferreira e outras tantas. Não saiu de quem já estava publicado ou ainda não tinha saído. Enfim… Quero dizer que por aí, pelos roteiros, pelas biografias, não existe nenhuma seleção prévia, nenhum tipo de censura: entra comunista, reacionário, porra-louca, quem for.

Então, eleitoreiro ou não, eis uma coleção que não merece ficar na geladeira.


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