Blog do Inácio Araújo

Arquivo : December 2013

Entrevista Marcelo Lordello
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Inácio Araújo

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Às vezes acontecem surpresas boas. Conhecer “Eles Voltam”, o filme de Marcelo Lordello, no Festival de Tiradentes de 2012 foi uma delas: um filme de estréia com um olhar original, consciência perfeita do que espera dar com o cinema, rigor, originalidade…

Mas já não tinha esperança de que ele seria distribuído, com as telas reservadas, quase todas, ao cinema conformista (quando não incompetente).

A segunda surpresa boa foi saber que o filme seria distribuído. Pela Vitrine Filmes, que é uma das coisas importantes que aconteceram também.

A terceira foi esta entrevista, onde Lordello se detém com muita lucidez no próprio trabalho, mas também fala do cinema em geral e dos colegas pernambucanos.

Ao contrário do que muita gente pensou, aquele post com o título “Pirocas ao Vento” não era o último. E foi apenas impressão de que “o Inácio está chutando o pau da barraca”, como se falou. Não, quem viu o filme sabe que aquele era um título realista para o belo filme “Um Estranho no Lago”.

Esta aqui, sim, é a última postagem que faço para o UOL, do qual me despeço com lembranças muito boas. A entrevista é longa, espero que dê tempo para todo mundo ler tranquilamente.

Feliz 2014 e vamos lá.

1. Seu filme foi concebido originalmente como um curta-metragem. Quando você sentiu que seria mais conveniente ampliá-lo?

Quando entendi que o roteiro do curta não representava mais quem eu era no momento que pude realizá-lo. Eles Voltam inicialmente foi um roteiro que escrevi em 2006. Basicamente o curta seria o prólogo do longa-metragem que o filme se tornou, mas com algumas diferenças. Os protagonistas do curta seriam ambos homens e o filme seria sobre como esses pré-adolescentes lidam com o abandono, a solidão, a sobrevivência e uma compreensão nascente de autonomia.  Ganhei um prêmio de realização pelo roteiro, mas demorei 3 anos para realizá-lo. Nesse ínterim muita coisa aconteceu. Fiz outros filmes que ampliaram minha visão sobre cinema e minha vontade de pesquisa de linguagem e temática. Me casei, tive um filho. Vivi. Quando retomei o roteiro do curta, sentia que ele não me representava mais. Me coloquei num desafio de reescrevê-lo para ver no que dava. Em pouco tempo tinha um calhamaço de quase 110 páginas, que precisava passar por uma pesquisa in loco para poder se sustentar como roteiro de um longa-metragem.

2. Os tempos longos do filme nos ajudam a desenvolver hipóteses e mesmo estabelecer uma ligação com o filme. Detestamos os pais por desaparecem, em certo momento. Depois, detestamos o irmão, que também desaparece. Da mesma forma, o menino de bicicleta, que parece ameaçador no primeiro momento depois se mostra diferentemente. Como você pensou nessa organização dos sentimentos do espectador, que afinal é o que cria vínculos com o filme?

Sempre acreditei muito na força do tempo/duração do cinema. Me alegra muito ver filmes de cineastas que sabem nos conduzir temporalmente suas imagens e criar vínculos entre o espectador e seu universo particular. Um ato de “esculpir o tempo” para que possamos senti-lo, valorizá-lo e nos abrirmos pra ele. Quase um ato político de nós, que trabalhamos com o tempo, num mundo em que a duração e a sensação do tempo é por demais negligenciada. Sabia que era importante criar esse elo entre a experiência de Cris e o público. E o que basicamente ela vivencia durante toda sua jornada é compartilhar momentos com outras pessoas, em fugidios mas representativos encontros. Os filmes de Ozu, entre outros, me ensinaram muito sobre isso.

3. Ao mesmo tempo, não chegamos a sentir na menina, mesmo quando passa a noite sozinha, uma sensação de desamparo. É como se ela estivesse entregue à situação. No entanto, parece haver ali uma opção sua por evitar a todo custo uma, digamos, solidariedade excessiva com a garota.

Acho que dois pontos foram importantes quando intuitivamente pensava o filme enquanto o fazia. Pra mim Eles Voltam tem um caráter narrativo fabular. O filme nada mais é que a história de um ser em formação despreparado para o mundo que surge em sua frente. Ela passa por esse desafio enorme de ter que sobreviver enquanto volta pra casa. Cabe a ela tirar proveito dessa situação ou ficar estagnada, sofrendo e esperando, sem perceber a potência do mundo que a convida a se jogar nele. Optei pelo primeiro caminho. Nunca quis fazer um filme que apelasse melodramaticamente para a situação de abandono daquela garota, achando que ali criaria um vínculo com o público. Acho que se esse vínculo surge entre Cris e o público no decorrer do filme, é porque ambos compartilham a mesma vontade interiorizada de se arriscar e buscar sua própria jor nada.

4. A menina, sobretudo ela, executa um percurso para chegar a si mesma. A idéia de uma grande aventura. É um caminho de Ulisses, de “The Searchers”, de certa forma. Você pensou em uma aventura que, além de física fosse espiritual?

A Odisséia, de Ulisses, foi uma referência muito forte quando escrevi o roteiro do longa-metragem. Por trabalhar com um cinema calcado também na narrativa, acaba sendo natural que os livros que li surjam de alguma forma nos roteiros que escrevo. E gosto também de pensar estruturalmente os meus filmes baseados em formas/gêneros narrativos presentes em obras que li durante minha vida. Sobre esse lado espiritual, acho que se ele existe (isso vai da interpretação de cada um) ele é consequência de algumas escolhas da forma de realização do filme. Quando revejo o filme (e aqui te falo enquanto público do próprio filme, que pra mim só aconteceu meses depois de ele ter sido parido) em alguns momentos sinto uma energia que excede qualquer tipo de concepção criativa ou intenção racional do filme. Descubro coisas nele que me surpreendem . E acho que isso se deve ao fato dele ter sido quase todo interpretado por atores não profissionais. Pessoas das realidades que o filme tenta representar, que colaboraram e muito com o filme, encenando e expondo corpos, falas, gestos, histórias, vivências na construção de seus personagens e de Eles Voltam. E essa energia, que disse há pouco, aparece pra mim justamente nas cenas dos encontros que o filme propiciou pras personagens/pessoas. Um tipo de sinceridade.

5. O que é a família? O que é a vida familiar? Esse conjunto de silêncios e afetos, em que medida fez parte das tuas preocupações no filme?

A família é uma instituição que permeia todo o filme. Os pais que somem, o irmão que foge, as famílias que acolhem Cris, a família renegada ou hiperprotetora. Pra mim o ambiente familiar é um ambiente formador do ser humano, com seus prós e contras. Digo “contras” porque é natural na nossa trajetória querermos expandir ou nos libertar de determinadas amarras familiares: preconceitos, limitações, imposições, agressões ou proteções. Mas o que me interessa também é o paradoxo relacionado com o conceito de amor dentro da família. Um amor que cria, que educa, mas que às vezes quer ter pra si e não permite o pleno desenvolvimento do outro e sua autonomia, como é o caso de Cris. E que às vezes não percebe o mal que faz, a partir dos seus equívocos e erros, camuflados de amor.

6. Ao mesmo tempo, a família é um grupo perverso. Ela fecha as pessoas em si mesmas, num círculo restrito. Os pais, sem querer naturalmente, ofereceram à menina (sobretudo) a oportunidade de se abrir para o mundo. Até que ponto você considera isso necessário?

Acho essencial darmos oportunidade aos nossos filhos de se jogarem no mundo. Descobri-lo descobrindo-se. O ideal é que sejamos responsáveis, no que podemos ser e fazer, com a formação de nossos filhos, prepará-los. Mas o ideal não existe e eles sempre vão descobrir o mundo ainda incompletos. Isso é fato. Eles vão quebrar a cara, vão sofrer, vão errar. E é assim mesmo, isso é a vida. Foi assim comigo e acho que com você. É o risco de viver. Minha mãe sempre repetiu: “Criei os meus filhos pro mundo”. Acho que tive sorte. Mas um complicador deste ato de desprendimento é o medo. Medo que sempre acompanhou a humanidade e vai sempre estar presente. No caso do Brasil esse medo está relacionado à violência. Pais temem que os filhos sejam assaltados, agredidos, violentados, assassinados por Outros. Que não voltem pra casa. O que o filme propõe a esse público que teme é começar a entender as razões desse medo e que contrastes sociais são esses que em certo ponto criam essas tensões sociais. Começar a entender essa Alteridade através desse painel pincelado com tintas sutis sobre o Brasil que o filme propõe. E como Cris se mobiliza pra temer menos, entender mais e agir sobre esse mundo. E era óbvio que tinha que dedicar o filme ao meu filho, Joaquim. Que mesmo pequenininho já tinha me feito pensar e refletir tanto sobre isso tudo.

7. Algumas perguntas de cinema: os filmes que chegam de Pernambuco parecem feitos com pouco dinheiro e muita solidariedade. Parece que dá para ouvir vozes atrás de você dizendo “vai fundo”, “arrisca o plano longo”, “aposta no rosto da menina, no jeito dela”, “foge das convenções”, essas coisas… Será que isso é só uma impressão minha?

Ajudei muitas pessoas daqui a fazerem seus filmes sem concessões. Criando junto com elas. E fui ajudado por uma infinidade de amigos a fazer o Eles Voltam. Sem eles o filme estaria ainda na minha cabeça. Acho que o que rola aqui, e já está rolando há um bom tempo (desde de Claudião, Kleber, Lírio, Paulo, Hilton, Gomes e outros tantos) é uma vontade de fazer cinema, sem amarras, se arriscando mesmo, e sem dever nada a ninguém. Principalmente as expectativas de mercado, público e lucro. Um cinema que acaba respeitando o público.

8. Quando você filma pensa em algum modelo? Tipo: “vou filmar como Hitchcock”, “vou fazer parecido com Kiarostami?”

Não. Sou cinéfilo desde que me conheço por gente. Quantas vezes não ouvi: “Sai da frente dessa TV e vai brincar, menino.” Rato de locadora, Marcelo Cineminha eram alguns dos meus apelidos. Vi tanta coisa (mas tão poucas ainda), descobri tantos autores que se arriscavam em suas formas de fazer cinema que acho que acabei incorporando esse desejo de descobrir que forma se adequa melhor ao tipo de filme que estou me propondo a fazer. Acho que existe um estilo particular de cada autor. Mas esse tal estilo é fruto da vontade de descobrir as potencialidades da linguagem do cinema e da descoberta de como essa linguagem consegue interpretar em imagens e sons pra aquilo que você quer expor na tela. Quando faço meus filmes vou pelo caminho mais difícil: da intuição, advinda da bagagem dos filmes que vi, optando por formas que sejam as mais sinceras possíveis àquilo que realizo.

9. A propósito, quais seriam os cineastas de quem você se sente mais próximo? De repente penso que os cineastas do suspense te atraem, como Hitchcock, Ozu, Kiarostami. Por exemplo, é bem forte a maneira como você introduz um desastre automobilístico via TV e nos leva à suspeita de que talvez algo mais sério tenha acontecido aos pais…

Hitchcock, Ozu, Kiarostami me agradam muito. Estão realmente entre meus favoritos. Mas lembro que pra Eles Voltam também revi muito Orlando Senna, Bresson, Truffaut, Rossellini, Hsiao-hsien Hou, Naomi Kawase, entre outros…

10. E os cineastas de certa espiritualidade? Te marcam?  Penso nesses que citei, mas também em Dreyer, Rossellini… Quero dizer, o percurso dessa menina me lembra filmes desses autores. Há uma espécie de milagre em tudo isso.

Engraçado que durante a primeira conversa com Caçapa, o compositor da Trilha Original do filme, logo depois dele ter visto um dos cortes do filme, ele me falou muito de Rossellini. Que via Rossellini ali. Achei estranho. Rossellini, pô…um tremendo de um elogio!!! Corei. Primeiro pensei que ele falava dos filmes do pós guerra e da maneira que o Neo realismo soube retratar a realidade local da Itália com as ferramentas e métodos que tinha. Aí parei pra pensar nos filmes que vi dele. Lembrei de Alemana Ano Zero, e aquele menino galego a deriva naquela cidade destruída, e lembrei principalmente dos filmes que Rossellini fez com Ingrid Bergman: Stromboli, Europa ’51 e Viagem à Itália. Aí pensei comigo mesmo: ”é realmente tem alguma coisa aí. A mulher e sua jornada de compreensão do mundo.” Acho que isso tem a ver com essa tal espiritualidade que o Eles Voltam  carrega. Mas acho também que isso  corrobora o que falei anteriormente sobre a cinefilia e a mistura de referências que gestam algo novo e antigo ao mesmo tempo. Infelizmente nunca vi muito Dreyer. Tá aí um cara que preciso conhecer…

11. Claro que existe também um conhecimento do outro, e esse outro é pobre, vive à margem da estrada. Gostaria que você falasse do contato com esse povo, aliás, como você os viu e como eles te viram.

Viram-me da forma mais natural possível. Acho que só estranharam esse “doidinho” perguntar tanto sobre a história de vida deles, das coisas do lugar em que eles vivem e ainda por cima convidá-los pra fazer um filme. A questão da abertura dos colaboradores pelo filme está intimamente relacionada com a forma de aproximação que eu e minha equipe tivemos com eles. Todo o processo de Eles Voltam foi o mais simples possível. Fizemos um filme independente, de orçamento baixíssimo, com uma equipe reduzida e, acima de tudo, com uma vontade de entrar “nas casas alheias” da forma mais respeitosa possível. Acho que por isso que o assentamento Chico Mendes, Gercina, Dona Mara, os avôs de Mallu, nos recebiam tão bem quando íamos filmar em suas casas e nos “dengavam” tanto. E a forma como vi eles faz parte do filme que fiz com eles .

12. Da primeira vez que vi o filme fiquei com a impressão de que algo faltava ali, o percurso do menino, porque e como ele desaparece etc. E você disse que era uma história tão complexa que era melhor nem mencionar. Hoje estou mais convencido de que você estava certo, mas ficou a curiosidade: o que houve afinal com o menino para ele desaparecer como desapareceu.

Acho que Peu, o irmão, descobriu sua forma de voltar pra casa. Mas como a energia dele, que tem a ver com a maneira como age e está construindo sua afirmação masculina, fizeram que o caminho dele fosse mais pedregoso. Lembro que escrevi algumas anotações sobre a trajetória do irmão e o que aconteceria na jornada dele depois do final do filme, mas isso é outro filme. Assim como Elayne, Jennifer, Pri e Geórgia e suas jornadas particulares dão outros tantos filmes.

13. Como você trabalhou a direção de atores, especialmente da menina? Como eles se prepararam para o filme?

Quando estava escrevendo o roteiro do longa-metragem, mudei o personagem principal para uma menina. Isso tinha a ver com o tipo de filme feminino e de encontros que queria fazer. E aí vieram outros tantos personagens femininos. Acho que isso tem a ver também de me colocar numa posição de ter que lidar com uma relação de Alteridade de gênero, tinha me colocado num desafio de ter que entender mais o universo feminino. Outra coisa foi que sempre quis que Eles Voltam fosse interpretado por atores não profissionais. Iracema, uma Transa Amazônica, filmaço doOrlando Senna e do Jorge Bodanzky e Os Incompreendidos, de Truffaut, me deram muita confiança nesse caminho. Mas a chave virou mesmo quando conheci Mallu. Foi ali que tive certeza de todas essas vontades, por que encontrei nela a encarnação disso tudo e a confiança de que mesmo sem experiência anterior ela seguraria a onda.

Mas pra tanto eu também precisava da força de uma profissional que me ajudasse a preparar esse elenco e que fosse uma mulher pra intermediar questões do feminino que fossem surgindo no caminho. Convidei Amanda Gabriel, atriz e preparadora de elenco de Recife, com quem já tinha trabalhado em outros filmes e fizemos um trabalho intenso com o elenco. Leitura de texto, adequação de falas e conteúdos para que soassem mais sinceros, jogos e atividades para deixar o elenco mais a vontade, ensaio, ensaio e ensaio. Descobrimos as particularidades dos talentos de cada um, seus pontos fortes e fracos e trabalhamos muito com eles. Lembro que Amanda falava muito que o mais importante do elenco de Eles Voltam era a vontade de todos em fazerem o filme acontecer e a inteligência e perspicácia de todos que havíamos convidado para colaborar com o filme. Foi um processo de aprendizado pra mim que não tenho muita formação de trabalho com atores ou estou começando a fazer filmes de ficção narrativos, que sempre demandam um trabalho profundo com o ator.

14. Qual o tempo de filmagem? Qual o orçamento? Quais as fontes de financiamento do filme?

Filmamos quase um mês e meio entre janeiro e fevereiro de 2010. Mas como o filme foi feito na raça com equipe reduzida e dependente de muitos apoios, algumas locações foram negadas ou o tempo de filmagem foi muito curto.  Sobraram umas 4 sequências, que foram filmadas no decorrer de 2010. Tínhamos um grande problema: o dinheiro tinha acabado e Mallu estava crescendo a olhos vistos. Mas “aos trancos e barrancos” a gente conseguiu filmar tudo.

O orçamento total foi de quase 400 mil reais. 50 mil pra produção (prêmio do roteiro do curta – Firmo Neto/Ary Severo da Prefeitura do Recife, 180mil pra finalização e 180 mil pra distribuição (ambos através do Edital do Audiovisual FUNDARPE do Governo de Pernambuco)

15. Você, como o Kleber Mendonça, participam de uma, digamos, nova geração de cineastas pernambucanos. Como se sentem diante do grupo dos mais antigos? Existe solidariedade entre vocês? Existem diferenças que os separam ou algo assim?

Sinto-me muito a vontade em trabalhar e produzir num Estado cheio de gente em busca de um cinema tão autoral e afim de se arriscar e ser sincero na tela. Conheci Cláudio e Lírio mais a fundo há pouco tempo. Tive conversas bem interessantes sobre as experiências deles no cinema enquanto trabalhávamos numa pesquisa de um projeto novo dos dois. Hilton e Gomes já conheço há mais tempo, e os ajudei um pouco numa fase inicial de projeto deles. Trabalho mais com meus amigos e sócios da Trincheira, Leonardo Lacca e Tião (temos 3 longas quase prontos pra lançar em 2014). O clima por aqui é de entusiasmo quando sabemos que todos estão de alguma forma conseguindo fazer seus filmes, como Pedroso, Mascaro ou Daniel Aragão. Torcemos uns pelos outros. Às vezes rolam convites pra ajudarmos uns aos outros em filmagens, pra vermos e opinar nos filmes dos outros em fase de montagem, mas isso depende muito de como se montam as equipes e os tipos de afinidades entre os realizadores.

 

 


UMA NOTÍCIA BOA E UMA…
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Inácio Araújo

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A má notícia:

Os amigos que lamentam o fim deste blog terão muito mais razão de lamentar no ano que vem: o número de Filme Cultura que está saindo agora será o último.

Se não estou enganado, a nova fase durou 11 números, por obra e graça de Gustavo Dahl, cuja habilidade política ainda vigorou por um tempo depois de sua morte. Ele, aliás, havia ressuscitado o CTAv, que eu temo volte a ser a instituição moribunda de algum tempo atrás.

Houve 11 números que servirão de referência sobre um período, assim como no tempo do INC a primeira Filme Cultura. Que, aliás, foi reeditada em fac simile.

Uma lástima, enfim.

A boa:

A boa, infelizmente, não é bem notícia. Mas quero aproveitar o fim de ano para saudar o trabalho da Vitrine Filmes.

É a estratégia da brecha: pegam os filmes que ninguém quer e estão conseguindo mostrar que há pessoas que querem ver Las Acacias, ou Eles Voltam…

(e O Som ao Redor também, ao menos no DVD, que está ótimo, duplo, com cenas suprimidas, entrevista e, sobretudo, uma coleção dos curtas de Kleber Mendonça Fo.)

Tudo isso me lembra o Adhemar quando começou com o Espaço, nos anos 1990, e ninguém queria exibir filmes brasileiros e ele já exibia.

Decepção de Natal:

Para mim é o filme do Jia Zhang-Ke. Que é talentoso e tal, mas me pareceu antiquado.

Um filme de autor, no sentido velho, que só se salva porque para nós a China é um território desconhecido.

Mas Jia faz um filme comentário, onde afirma “a verdade” daquilo que mostra.

Já eu me pergunto: será?

Será que a China é isso ou isso será apenas a visão, a experiência que ele tem da China?

Porque o cineasta de hoje mostra, dialoga com o espectador, não diz o que devemos pensar.

Assim ao menos eu vejo que fazem os melhores…

Mas não é essa minha bronca principal.

O filme me lembrou um Fritz Lang às avessas. O Lang se orgulhava de nunca ter mostrado uma morte em seus filmes.

E olha que ele filmou algumas centenas de crimes.

Mas nunca o espetáculo da morte, ali, direto, em nossos olhos.

Não precisa chegar a tanto. Mas a crise coreana do Zhang Ke não me entusiasmou nada.

Achei tudo uma grande e estúpida brutalidade.

Sem pudor

Isso no final de um ano que a gente passou a pão e água: só filme devagar, quase.

E de repente, agora, uma penca de filmes.

Muito interessante, aliás, a integração pornô/mainstream no momento. Grandes filmes (já comentei aqui) e nenhum pudor.

Isso porque ainda não chegou aqui o Ninfomaníacas do Lars von Trier. Está chegando.


A solidão
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Inácio Araújo

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Não, “Pirocas ao Vento” não era um título que sinalizava despedida do Uol.

Sinalizava, apenas, que em “Um Estranho no Lago” os caras ficam pelados, na boa, enquanto tomam sol e esperam parceiros.

Há, porém, algo mais decisivo no filme, que a mim se mostra aos poucos.

Quando um chega à praia, vários olhares se voltam para ele.

E são de pessoas sós. Tremendamente sós.

A solidão é a marca deste filme, mais que a sexualidade, bem mais.

Esses caras que andam no bosque, sozinhos, atrás de companhia, parecem zumbis, não têm caminho definido, parece não terem nada a fazer, exceto encontrar uma companhia.

Uma companhia invariavelmente passageira.

Ninguém se encontra à noite, ninguém sai para jantar. Trepa-se, ponto.

E ninguém ali é diferente de Henri, o solitário declarado, que busca apenas uma companhia para conversar.

É como se a relação sexual cobrisse tudo, ou encobrisse tudo, ou tomasse o lugar de tudo.

Pensei que fosse um filme sobre desejo e morte, mas já tenho minhas dúvidas.

Hoje, este me parece um filme que veio mesmo para marcar, como o Azul-Kechiche.

A solidão II

Neste filme, os personagens olham sempre para aquele que chega.

Aquele que chega é, também, o espectador, a quem o filme dirige seu olhar.

Porque, se esse é um filme sobre a solidão, estamos todos implicados por ela.

Este é um filme sobre solidão de férias.

E, fora de campo, sobre aquela, de um mundo em que os contatos são limitados ao mínimo.

(e o trabalho expandido ao máximo).

Outro aspecto inquietante de “Um Estranho no Lago”: os caras nunca usam camisinha.

Ou já gastaram todas as que trouxeram, ou esqueceram em casa, não importa.

Porque, talvez, o contato imediato seja o único possível.

O único sinal de vida, na verdade.

Viver não parece tão indispensável assim.

Como encerrar um ciclo

No caso do nosso blog:primeiro, tenho que agradecer aos muitos amigos que, via facebook sobretudo, têm manifestado tristeza pelo fim do blog.

Não vou nem falar do Giannini, que me trouxe para o Uol, nem da Beatriz Seigner,
que se oferece para montar um novo blog comigo.

O que encerrará o blog aqui no Uol, em todo caso, é a entrevista com Marcelo Lordello. Porque seu filme, “Eles Voltam”, entra apenas em fevereiro. Assim, que fique a entrevista, muito boa, garanto, o mais perto possível do lançamento do filme.

Em seguida: claro que posso ter outro blog, mas a verdade é que minha necessidade de expressão ainda é menor do que a de receber pelo que faço. Me parece urgente que paremos de trabalhar de graça. Hoje em dia ninguém mais quer pagar pelo que fazemos referente a cinema ou artes  em geral. Como se fizéssemos isso apenas por prazer. Não é bem assim.

Uma resposta

Ao Marcus, que me toma por homofóbico, mas se mostra bem gentil.

Não confundo filme com orientação sexual: é um filme de primeira, acho que isso está claro.

E nem acho que a orientação sexual tenha muito a ver com o filme propriamente dito.

Não sou homofóbico, meus amigos poderão comprová-lo.

Mas não acho que tenha de aderir à sua orientação sexual para demonstrá-lo.

Uma das boas coisas deste filme é ser um filme fora do circuito homossexual (como Tatuagem, como Azul É a Cor Mais…) e colocar em cena essa sexualidade.

Desculpe, mas não vejo mal nenhum no título “Pirocas ao Vento”, longe disso: é uma praia onde os caras ficam pelados a maior parte do tempo. Seria menos homofóbico se se falasse de “Xoxotas ao Vento”? Algum deles é ofensivo?

Mas vamos parar de não me toques: não tenho de achar legal a ideia de beijar um bigodudo. O que não me parece correto é condenar quem goste. São coisas diferentes.

(P.S. – A resposta vai aqui porque não sei mais entrar no lugar de mandar respostas do blog).


Pirocas ao vento
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Inácio Araújo

estranho-no-lago

No fim do ano as coisas ficaram, de repente, boas, com muitos filmes fortes entrando. Mas, vendo uma lista de filmes brasileiros de 2013, caramba, havia uns cinco ou seis bons. Não é nada de se jogar fora.

“Um Estranho no Lago”: incrível a profusão de bons filmes franceses em que os personagens são gays. Este se passa à beira de um lago, numa praia de pegação, e, com o perdão do preconceito e da franqueza, acho meio esquisito aqueles bigodudos se beijando. Sobretudo pelados, porque a praia é francesa e todo mundo fica bem à vontade.

Mas não eu. É piroca a dar com o pau. Acho que o autor do filme sabe disso, porque a mise-em-scène é bem sintomática. A câmera assume o ponto de vista daquele que chega. Quando alguém vai entrando na praia os outros levantam a cabeça, curiosos. O sujeito vê e é visto. E o espectador, de certa forma, também é visto pelo filme ao mesmo tempo em que o vê. Confronta seus fantasmas e preconceitos. Eu, inclusive.

É um mundo de solitários absolutos. Quando não estão na praia, ficam andando por um bosque, que nem zumbis, procurando parceiros. Tem um que gosta mesmo é de olhar os outros e se masturbar.

Mas o que pode parecer o folclore de um filme homossexual muda bem depois que o mistério se estabelece. Então, o personagem de Michel passa a me lembrar grandes personagens do cinema: o Bruno de “Strangers on a Train”, o marido de “O Segredo da Porta Fechada”, o pastor de “Night of the Hunter”. Respectivamnte, Hitchcock, Fritz Lang, Charles Laughton (na direção).

Ou o “Império dos Sentidos”, de Nagisa Oshima: desejo e morte muito próximos, quase como siameses. Bom filme, menos que o filme do Kechiche, das garotas, que é mais original, mais forte. Mas essa evocação do grande cinema clássico não é coisa secundária, não.

O fim e o princípio

Quero agradecer aos muitos amigos que se queixaram do fim do blog, mas é assim que as coisas são.

Fiquei mais chateado do que todo mundo.

Como disse, vejo agora possibilidades boas de trabalhar sobre coisas não comerciais.

Não prostituídas, entenda-se.

Os Filmes do Caixote em São Paulo.

O pessoal que está aparecendo em Belo Horizonte.

A Anna Muylaert, e não só ela, na geração do meio.

Essa corajosa Vitrine Filmes.

Enfim, coisas boas, quase todas novas.

E Pernambuco sempre.

E o Mateus Trunk está lançando uma biografia do Virgilio Roveda, o Gaúcho. A biografia de um técnico que viveu quase todos os momentos do cinema desde os anos 60, que trabalhou com meio mundo.

Mateus é da Revista Zingu. Vou dizer uma coisa: quem no futuro quiser saber o que foi o cinema brasileiro em dado momento terá que se entender com essa revista, com esses fuçadores fantásticos, que vão atrás de pessoas que a gente julgava desaparecidas e tal.

Pesquisadores-detetives.

Isso tudo para ficar no Brasil, claro.

Porque o blog pode não ser nacionalista, mas é daqui.

E aqui se fala com liberdade das coisas da imagem.

Da TV também. E da TV não quero nem falar. Estou cheio desses noticiários que não dizem o que são as coisas, o que aconteceu afinal. Só querem se aproveitar dos pobres, porque eles gostam de aparecer na televisão.

Mas, no fim, quero dizer aos amigos que acompanham o blog (não que sejam seguidores, que quem tem seguidor é guru, líder religioso, psicopatas, essas coisas) que também isso dá um trabalho louco e vou poder descansar um pouco.

Que fim de ano!!!!

Depois de aguentar um ano duro de roer, tudo que entra parece que é bom, tirando o Hobbitt.

Nem falei, mas tem o filme do Jia Zhang Ke estreando.

E o filme israelo-palestino-americano, “Alem da Fronteira”, que é menos bom, mas é bom também, bem digno. E, pra variar, gay.

O fato é que do que está entrando em cartaz quase tudo está na lista dos dez mais dos Cahiers du Cinéma:

O eleito foi “Um Estranho no Lago”. Mas acho um baita exagero.

O filme do Kechiche é o mais original, de longe.

E há o Jia Zhang Ke. Eu ainda não vi, mas quem viu gostou.

E, para não dizer que só falei de flores, e também na linha gay, está entrando “Doce Amianto”.

É uma barulheira só, um travesti berrando ou chorando o tempo todo (que eu consegui ficar lá), mas não vou dizer nada: há gente respeitável que gosta e eu nem vi o filme todo.

Eles Voltam

Não sei se já falei. Para o final, guardei a entrevista com o Marcelo Lordello, porque o filme entra só em fevereiro.

Uma pena.

Mas é uma boa entrevista. Como já tinha visto o filme há tempos, preparei as perguntas com calma.

E acho que o Marcelo também teve tempo.

Minha vocação

Isso eu acho que nunca escrevi.

Não nasci cinéfilo.

Antes mesmo de ler eu sabia poemas de cor. Passava o tempo lendo os livros que meus pais me emprestavam. Via aqueles escritores e achava que eram uns superstars.

Depois o cinema me levou.

Mesmo meu romance, Casa de Meninas, saiu de um roteiro. Era um romance de imagens.

Mais ou menos na mesma época me apareceram algumas histórias, que não eram da ordem da imagem. Aconteciam de outro jeito.

Deixei de lado.

Abri a gaveta onde estavam 20 anos depois, em 2007. Achei que não eram ruins. Precisavam de um trabalho.

Enquanto buscava fins e inícios outras histórias vieram.

Algumas boas, outras acho que nunca consegui resolver direito.

Mas no fim deu em 13 histórias.

Estou superfeliz que Samuel Leon, da Iluminuras, quis publicá-las. Nunca vi um livro cafona nessa editora.

Então o meu também deve não ser.

Espero…


Dezembro é o mês mais quente
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Inácio Araújo

azul

1. Kechiche e Azul É a Cor…

Não é nem uma sequência, apenas um instante de “Azul É a Cor Mais Quente” que, para mim, resume suas virtudes. A jovem Adèle trocou um beijo com uma colega de colégio. Mais tarde, encontra-a no banheiro, tenta beijá-la outra vez, mas a menina recua, diz que aquilo que aconteceu foi apenas um momento e tal.

Mais tarde, quando outras garotas atacam Adèle por lesbianismo vemos essa colega recuada: não defende Adèle nem ataca. No que pensa? Na coragem da amiga, que ela não tem? No horror pelo qual deixou de passar? No que pode ter perdido? Trata-se de um personagem secundário, que desaparece depois daquilo, mas o mistério daquele instante é absurdo.

O filme é isso: uma capacidade de captar momentos de vida com facilidade, como se isso fosse de fato fácil. E de medir as pessoas a partir disso. Lembrei muito do velhinho de O Segredo do Grão, em seu esforço de tornar viável a estreia do restaurante.

São as medidas do homem – talvez ele seja mais hawksiano que John Carpenter, afinal. Mas se não for, tudo bem.

2. Os meninos da Guatemala

Não aguento muito filme com choramingação sobre nossa pobreza latina. Ela é horrível, sabe-se. Não há porque insistir sobre o assunto.

Mas a viagem dos meninos da Guatemala para os EUA não é uma questão de choro, mas de constante bravura.

Trata-se de sobreviver a condições extremamente duras: a ferrovia, o perigo, os coiotes, os ladrões, os assassinos. Para tal, contando apenas com a magra solidariedade dos colegas.

É como um bom faroeste, pelo épico, e como um bom filme sobre a Depressão (com aquele trem, aqueles despossuídos que viviam na ferrovia)

Não são só esses. Existe um filme israelense, “Alem da Fronteira”, de que gostei bem. Dezembro parece que vai compensar esse ano perdido.

3. E mais virá…

Porque “A Filha de Ninguém” é outro que não veio ao mundo a passeio.

4. Mensalão, o espetáculo: uma nova cena

Fez bem José Dirceu de renunciar ao emprego que lhe foi oferecido.

De um momento para o outro, aquele covil de ladrões que era o hotel Saint Peter voltou a ser um local plácido.

O problema não era o hotel, nem o covil de ladrões. Era, exclusivamente, o prisioneiro.

Na Folha, um leitor que se assina como juiz, compara José Dirceu e Marcola. Parece-lhe o correto: todos os presos são presos. Mas e se aproximarmos esse juiz daquele Nicolau que roubou uma fortuna? Poderemos dizer que todo juiz é juiz?

A questão com JD não é, para mim, política. Sempre foi um cara com muito cartaz com as mulheres. No meu tempo, era uma espécie de Brad Pitt das passeatas. Eu morria de inveja dele. Acho que todo mundo morria: não havia garota que não sonhasse em dormir com ele. Consegui superar o problema, mas foi custoso…

Acho que essa é a razão profunda que hoje leva a esse desejo muito mais de vingança do que de justiça em relação a ele: não é político, a política é o pretexto.

Aliás, para ser bem franco, acho que não existe a menor preocupação com justiça em tudo isso. Tanto que aquele deputado com um monte de cocaína no avião todo mundo já deixou pra lá, já virou o rosto para o outro lado (o emprego do JD).

 


No Coração das Trevas
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Inácio Araújo

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A imagem do domingo vem do futebol. Ou quase isso: foram as torcidas de Vasco e Atlético Paranaense que se enfrentaram com uma selvageria que, só de olhar, metia medo.

Em dado momento, um rapaz com uma caveira gravada no calção, chutava a cabeça de outro, deitado, que tinha uma caveira tatuada nas costas.

Que absurdo triunfo de thanatos no país do Carnaval!!!

Seria preciso Zé Celso organizar a festa, talvez, como fazia ali no tenebroso final de anos 60 e começo de 70, no século passado.

O que me incomoda nesse ressurgimento da selvageria mais completa, é a quantidade de explicações. Todo mundo parece ter uma boa explicação para isso. Algum culpado e alguma solução também.

Eu, deste canto, tenho mais perguntas: quem são esses rapazes, meio fortes e meio gordos? Como e por que desenvolveram esses impulsos agressivos? Por que eles me lembram tanto aqueles confrontos sangrentos e também irracionais de “Gangues de Nova York”? Ou: qual a necessidade desse ajuntamento em gangues? Que tipo de frustração pode se esconder sob esse amor desmedido pelos seus clubes? Existe uma questão afetiva (sexual ou familiar, ou ambas) não resolvida aí?

Trata-se de uma questão de Estado, é evidente. Me parece insano o MP de Santa Catarina ver um jogo de futebol como evento privado, como se fosse um baile de formatura.

Mas não apenas no lado repressivo. Essas coisas se repetem. Aconteceram na morte de um garoto na Bolívia (estranhamente, a imprensa, sempre tão preocupada com a imagem do Brasil no exterior, ficou de bico calado quando fomos a outro país matar alguém. De bico calado, não: o que se fez de lobby pela libertação dos presos foi um foguetório).

Bem, sabe-se que esses mesmos libertados da pátria estiveram em outras sanguinolências, e os jornalistas se fizeram, em linhas gerais, de mortos.

Agora têm as respostas de hábito: precisa de polícia, precisa disso e daquilo, porque a imagem do Brasil no mundo, a Copa do mundo,o diabo a quatro.

Estou meio cheio de respostas, para falar a verdade.

Elas me inspiraram essas perguntas acima, que infelizmente não tenho capacidade de responder, mas me parece necessário, urgente, que gente com talento, olhos abertos, capacidade intelectual, volte a se preocupar com quem é o brasileiro.

Não adianta mais olhar para Sergio Buarque ou lá quem seja: as coisas são dinâmicas, esse brasileiro é outro (talvez o mesmo em vários aspectos).

Espetáculos assassinos como esse de domingo não são coisas circunstanciais, não se restringem ao esporte (ele é o lugar onde outras coisas desembocam, talvez).

A imagem do Brasil?

Me parece uma palhaçada essa história repetida dia e noite a respeito da “imagem do Brasil” com os fracassos da Copa do Mundo, brigas de torcedores e tal.

A Copa será uma enorme bagunça, como tudo aqui. Há quem gostasse se nós fôssemos a Alemanha…

Ah, Alemanha… de tão doces lembranças, não é?

O problema é o seguinte: o mundo está pouco se lixando para a imagem do Brasil.

Até parece… Quem já viajou pela Lufthansa e não teve uma mala extraviada não viajou… Quem não se perdeu no Aeroporto de Washington, quem não foi maltratado em Barajas, quem não pegou filas de imigração monstruosas em toda parte etc. etc…

Então vamos parar com essa bobagem.

Morte ao nacionalismo

Preocupante, sim, é a investigação da OMC, falando da ineficiência do SUS.

Não creio que seja apenas o SUS. Todo o serviço público é ineficiente.

A educação é ineficiente. Tudo que é reservado aos mais pobres é ineficiente.

O público, sem dúvida. O privado também, aqui entre nós.

Aliás, com todo o respeito, o serviço privado também.

Há pouco tempo, nossos médicos fizeram um vergonhoso estardalhaço contra a vinda de profissionais estrangeiros para a saúde.

Talvez tenham razão ao dizer que o governo não fez nada pela saúde, não lhes deu plano de carreira, não equipou hospitais devidamente etc. Tudo isso é relevante.

Mas deviam dar apoio aos estrangeiros, não boicotá-los.

Considerando que a Europa está numa baita crise de desemprego hoje seria o momento apropriado para o Brasil importar profissionais capazes de promover inovações, que tragam insatisfação com o status quo.

Me parece uma grande besteira do governo encher empresas brasileiras de dinheiro subsidiado para que concorram internacionalmente, quando não têm capacidade tecnológica nem administrativa de fazê-lo.

Nosso problema educacional estoura em toda parte, essa é a questão à qual o país precisa responder, em vez de ficar com essa lenga-lenga partidária insuportável.

Precisamos de estrangeiros para ensinar os brasileiros, para estimulá-los. Sempre foi benéfica a sua vinda para cá e o intercâmbio, para além de congressos.

Ainda no esporte

Acho uma besteira esses filmes que os times de futebol patrocinam para reverenciar a si próprios.

No exterior há coisas melhores. Infelizmente, o ESPN Brasil não dá muita bola aos filmes que de vez em quando eu pego pela metade.

Outro dia passaram um documentário sobre Mandela e a célebre Copa do Mundo de Rugbi espetacular.

Produzido por Morgan Freeman.


Fauzi Arap
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Inácio Araújo

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Não via Fauzi Arap há décadas. Décadas mesmo.

Acredito que se me visse hoje não lembraria de mim.

Houve um momento, logo que entrei na faculdade, que andava com um pessoal do teatro. Em particular José Vicente, que estudava na Maria Antonia e logo ficou conhecido como autor de “O Assalto”.

E uma das pessoas mais gentis, mais talentosas, mais abertas desse grupo (de que fazia parte Antonio Bivar também) era Fauzi.

Esse grupo desapareceu. Nunca mais se dedicaram ao teatro, acho, com exceção de Fauzi Arap.

Ele não teve muitas aparições em cinema, mas algumas delas foram marcantes, como a sua participação em Todas as Mulheres do Mundo.

É curioso que o outro diretor que conheci nessa época, o Emilio di Biasi, era menos ator do que Fauzi, mas acabou aparecendo muito muito bem em filmes do Carlos Reichenbach, em particular no “Filme Demência”, onde faz o Mefisto.

É estranho como nos fazem falta pessoas com as quais privamos por algum tempo e depois, por qualquer razão, deixamos de ver. Fauzi era um grande e afetivo camarada. Acho que sofria para ser ator, mas era notável. Esteve muito bem na montagem acho que de Pequenos Burgueses, uma montagem clássica do Oficina.

Mas gostava mais de Augusto Boal do que do José Celso, mais por uma questão de trato do que outra coisa.

Dava-se muito bem com Clarice Lispector, o que era difícil. Acho que ambos se encontravam na angústia (ela era bem mais, em todo caso, pelo que ele contava). Era alguém que se buscava intensamente, em cada realização. Não é dizer pouco.


Bouvard e Pécuchet ou No Reino do Lugar-Comum
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Inácio Araújo

Illustration from 'Bouvard et Pecuchet' by Gustave Flaubert (1821-80) (coloured engraving)

Às vezes, os dois parceiros criados por Flaubert encarnam em um cara só.

No momento, em alguém que me inclui numa estranha lista do que chama de “esquerdistas reacionários”.

Deve ser porque eu admiro Howard Hawks e Godard, ou Robert Bresson e Buñuel, Céline e Primo Levi ao mesmo tempo.

Enfim, o conceito ainda é vago, embora não desinteressante como lugar comum.

“Put it on a paper”, como dizia um professor diante de coisas absurdas.

Isto é: convém esquecer esse tom de estar revelando de um grande segredo.

Em vez, escreva uma tese a respeito.

Ou aprenda com esse grande reacionário de direita que foi Griffith: Intolerância é o nome do filme.

Jovem e Bela

A verdade é que de um mês para cá o cinema melhorou muito.

Mas não incluo nessa melhora o filme mais recente de François Ozon.

Me parece coerente com sua inquietação com o corpo.

Por conta dela gostei muito de um filme de que ninguém gostou, sobre um menino que nascia com asas.

A garota de Jovem e Bela também nasce com asas.

No entanto, tenho a impressão de que o filme é que não voa.

Ameaça esse lado esquisito do Ozon, mas acaba ficando ali, como um Belle de Jour envergonhado de evocar Buñuel.

Azul É a Cor Mais Quente

O filme que ganhou a Palma de Ouro. Fiel ao meu princípio de não furar a Folha, não vou me deter sobre um filme sobre o qual devo escrever para a Ilustrada.

Mas um trailer vale: o filme de Abdellatif Kechiche me pareceu um exemplo de inteligência, de filme em que a pergunta central é “o que é um homem?” (vale para mulheres também). O que é estar à altura de si mesmo? Porque ser homem não é um dado da natureza, mas uma conquista cotidiana.

Essas questões hawksianas Kechiche capta classicamente: como se não houvesse cinema antes. Sem comentar o cinema, as imagens, nada. Está perfeitamente confortável dentro daquilo a que se propõe.

Além dos Limites

Um filme americano-isrealense-palestino sobre amor homossexual entre um judeu e um árabe.

No começo sugere uma bobagem interminável.

Mas engrossa na medida em que as intolerâncias de parte a parte engrossam e invadem a vida privada.


Na Papuda
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Inácio Araújo

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Não sei porque, algo soa muito estranho no presídio da Papuda.

A toda hora, as prisioneiras Simone não sei do quê e uma outra aparecem “tomando banho de sol”.

Tenho minhas dúvidas: elas são vistas tomando banho de sol.

Mas pode-se exibir imagens de prisioneiros assim sem mais nem aquela?

Isso não atenta contra a dignidade delas?

Elas têm que se submeter à exposição?

Ou por outra: prisioneiros não têm qualquer direito?

É essa a ideia?


Hilton Lacerda fala de seu “Tatuagem”
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Inácio Araújo

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Agora que o blog está para acabar me veio essa ideia de pedir a realizadores de que me sinto próximo para que falem bem à vontade sobre seus trabalhos. Hoje é a vez de Hilton Lacerda, do estranhamente belo e envolvente “Tatuagem”

Entrevista de Hilton Lacerda ao blog.

Você tem sido roteirista por vários anos, desde pelo menos “Baile perfumado”. Como sentiu a passagem à direção?

Apesar de estar mais diretamente ligado ao roteiro, a direção sempre esteve presente em meu horizonte. Desde os curtas que dirigi (“Simião Martiniano, O Camelô do Cinema” e “A Visita”), os documentários para a TV e o próprio “Cartola – Música Para Os Olhos”, onde divido a direção com Lírio Ferreira, o que sempre me guiou foi o processo narrativo do cinema. – e isso levando em consideração todas as nuances que a narração pode trazer. Na grande maioria dos roteiros que trabalhei, acredito que a cumplicidade com a direção e a produção foi fundamental para a construção dos projetos. E quase sempre estou no set, conversando com a direção, com o elenco… Acho que é uma mecânica que interessa para nosso grupo, quando isso é possível. E isso para, juntos, aproveitarmos o máximo nossas contribuições. E no meio de tudo o embate, a defesa, a problemática.

Mas a natureza do roteiro é bastante diferente da direção. E no filme o que mais interessa é onde você coloca seu olhar, seu enquadramento, sua noção narrativa. Então, passar de uma função para outra, principalmente na complexa produção de um longa-metragem de ficção, me puxou para uma responsabilidade mais apurada. Mais autônoma. E muito mais excitante. Costumo brincar dizendo que agora já não posso culpar possíveis deslizes do outro para me justificar.

A passagem do roteiro para direção tem, para mim, uma tomada de posição. E o “Tatuagem” escrevi com essa intenção. Com a idéia de colocar ali minhas convicções narrativas e minha imensa paixão ao cinema brasileiro. Uma prestação de contas comigo mesmo e usado o público como cúmplice.

Vendo “Tatuagem” me pareceu um filme por tantos motivos distante e próximo ao mesmo tempo de seus outros trabalhos. Próximo, por exemplo, de certo gosto iconoclasta do Claudio Assis, por exemplo. E ao mesmo tempo bem diferente, talvez mais próximo do último Pasolini… Ao mesmo tempo, tive a impressão de uma estrutura bem livre, bem pouco roteirizada, no sentido de uma organização prévia estrita. Não estou certo do que digo, por isso pergunto como você vê seu novo trabalho, deste ponto de vista…

A liberdade que tenho nos trabalhos com Cláudio Assis, que costumo usar como referência, pois temos uma produção mais contínua – pelo menos uma trilogia palpável – permeia algumas de minhas investigações com relação ao cinema e suas possibilidades. Mas claro que Claudio é uma personalidade muito específica, tem um furor imensamente criativo e iconoclasta. Ele é sua principal marca. E diante disso a paixão de trabalhar com ele passa por essa troca, por esse respeito de um libertar o outro em relação as suas funções. Mas mesmo aí tenho uma afeição muito grande pelo roteiro. Sei que está bem em voga a busca pela libertação das amarras da escrita, da criação no momento etc. e tal. Mas não consigo escrever levando isso em consideração. Não acho que o roteiro cinematográfico seja uma receita de bolo. Perco muita energia e atenção construindo detalhes, imaginando passagens, detalhando ambientes, dando formas a personagens…  Não que isso seja uma fórmula, ou que deva ser cumprida por quem dirige. Provavelmente é um defeito de quem, quando jovem, gostaria de fazer cinema, mas não tinha instrumentos.

Tudo isso é para dizer que a estrutura na qual trabalhamos não foi “bem livre”, mas foi trabalhada para que o filme exalasse essa liberdade. Claro, estávamos mexendo com elementos que nos permitiam interferências muito interessantes. O próprio teatro anárquico, a utilização do público nas apresentações do Chão de Estrelas (este não sabia os números que veriam durante as filmagens; queríamos surpreender nosso elenco de apoio). Além de experimentar uma vivência entre o elenco – principalmente do grupo de teatro – que nos emprestasse uma intimidade maior que o tempo que tínhamos para prepará-los. E ali tínhamos atores, bailarinos, fotógrafos… E o grupo tinha participação ativa na construção do espaço, na execução dos figurinos e fantasias. E o grupo, durante as semanas de preparação, montou os textos teatrais que estavam no roteiro. E isso foi um dado importante: trazer os atores pelo teatro, mas colocá-los numa dimensão cinematográfica.

E os atores trouxeram uma carga de participação muito impactante. Claro que várias passagens vieram da liberdade desses atores durante as filmagens, as gags, as brincadeiras… Não existia uma prisão, obviamente. Mas uma intenção muito clara de não perder de vista o que me interessava.

Como foi o trabalho com Irandhir? Foi a primeira vez, acho, que o vi fazendo travesti, e achei extraordinário. O momento em que ele canta é de uma força muito grande…

Irandhir Santos é um ator com quem mantenho uma afinidade muito grande. Gosto muito de sua conduta, de sua entrega, de sua generosidade. Um animal cinematográfico bem robusto. E o tipo de ator que você conta como parceiro. Como parte dessa cumplicidade que já falei anteriormente.

Quando escrevia o roteiro já imaginava Irandhir como o personagem Clécio. Ele só veio a saber disso quando o convidei para o papel. A partir daí estreitamos nossa amizade, nossas conversas, nossas intenções. Ele foi uma peça bastante importante na preparação do filme. E peça fundamental, junto com Amanda Gabriel – que nos ajudou na preparação do elenco –  a excitar o resto do elenco em busca de uma tomada de posição sobre o que fazíamos. Ele provocava a ação do gesto na construção desse corpo político. Apesar de se passar no fim dos anos setenta, tinha uma discussão sobre pós-gênero que ele entendeu muito rapidamente. Parte importante de nosso projeto da corrupção do olhar.

Ainda a propósito desses momentos: o musical está bem presente em “Tatuagem”, não? Mas não como instituição familiar. É uma espécie de musical a serviço da subversão, ou de subversão do musical, talvez… Ou ambos?

Desde o início do “Tatuagem”, quando ele ganhou uma forma em torno de um grupo de teatro, o musical estava rondando nosso projeto. Claro que um musical subvertido, repensado como processo narrativo, mas que essa junção não tivesse uma leitura fácil. E que bebesse em alguns filmes brasileiros que tocassem nessa questão. E aí é bom lembrar, de maneira muito pessoal, como foram importantes o “Sem Essa Aranha” (Sganzerla) e “A Lira do Delírio”* (Walter Lima) na busca dessa atmosfera. E assim, subvertendo um gênero o colocamos a serviço da subversão.

DJ Dolores, parceiro de longa data, foi acionada para dar musicalidade às idéias que estavam no roteiro. A maior parte da trilha teve que ser composta para ser interpretada nas filmagens. E todas foram gravadas ao vivo, no set. A única dublagem que temos é a da música Álcool, interpretada por uma transformista (Diego Salvador, integrante da trupe).

* apesar de Mair Tavares ter montado meus dois curtas e o “Cartola”, não é a toa que ele também assina a montagem do “Tatuagem”.

Existe, ainda desse lado da subversão, alguns momentos bem fortes, em que chocar parece ser o objetivo final, como no número final, o das bundas, ou no da transa entre dois homens. Parece que o filme, nesses momentos, visa de maneira explícita tirar o espectador de sua letargia de espectador, de seu conforto. É mais ou menos isso?

O que pode ser chocante para alguns talvez não esteja em meu rol de preocupações. Mas tenho a dimensão daquilo que demove um olhar mais conservador. E não pela violência. Acredito que nos dois casos que você cita, o da Polka do Cu e as cenas de sexo entre Jesuíta Barbosa e Irandhir Santos – com certo grau de ingenuidade no número musical e de afetividade nas cenas de sexo – existe o propósito de provocar o espectador a sair da letargia e do conforto. Podemos lançar mão de várias artimanhas para atingir um alvo, um interesse. E em cinema sempre me pareceu interessante como podemos nos constranger pelo outro. Como temos vontade de fechar os olhos para não sermos atingidos por determinada imagem. Mas aí duas conflituosas forças entram em cena. Uma mais reativa, que é a moral quando colocada em cheque. A outra mais provocadora, que é nossa ética, quando colocada à prova. A tentativa do campo de batalha.

“Tatuagem” foi realizado com uma intenção bastante política no sentido de provocar, de estabelecer discussão que não esteja na superfície do que você vê.