Blog do Inácio Araújo

Arquivo : November 2013

Missa Profana
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Inácio Araújo

tatuagem

A cada dia Tatuagem me interessa mais, ou me fascina mais.

É estranho, porque isso acontece meio em paralelo com essas sessões de STF que aparecem na TV: há um quê burlesco ladeando todas aquelas formalidades que o Joaquim Barbosa bota de escanteio, meio como se fosse um Grouxo Marx sem humor.

E o Irandhir, ao contrário, monta no filme um burlesco, com travestis, máscaras, coisas que poderiam parecer Fellini caso não fosse uma agressividade de Pasolini no fim da vida, mas desse burlesco decorre uma solenidade estranha, subversiva, como de um sacerdote numa missa profana.

Isso me chama mais a atenção hoje porque ouço notícias da eleição no Chile, onde se pode usar as cédulas para protestar.  Aqui temos urna eletrônica e a TV vive se vangloriando desse vanguardismo que, aparentemente, não interessa a mais ninguém.

Ele existe porque somos um povo terrivelmente submetido ao autoritarismo. E a urna eletrônica é a excelência tecnológica desse autoritarismo. Ali não se usa a urna para protestar. Só se pode votar. Os nulos não são contados, como se não existissem. A contagem não se deixa recontar.

E Tatuagem se faz de belezas e garranchos. Contra essas coisas. Contra o bemfeitismo também.


Tatuagem
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Inácio Araújo

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Hilton Lacerda tem sido, anos a fio, um dos nomes centrais do cinema de Pernambuco, como roteirista.

Era quase esperado que seu primeiro filme fosse, como Tatuagem, um jorro, um expulsar de antigos fantasmas.

Tatuagem volta a 1978 para situar a república onde abriga toda a diversidade homossexual do mundo. Faz dela um lugar gay, quer dizer, alegre. Mas tenso também.

Estamos na ditadura. Mas o pior não vem disso: o homossexual é forçado a criar um submundo, que tem do poético e do sórdido, como modo de sobreviver aos preconceitos e provocações.

O filme tem um traço do último Pasolini, fesceninamente agressivo, agrupando corpos heterogêneos, produzindo um desfile de fantasmas que, no entanto, se opõem a algo de morto na vida da cidade, introduzindo subitamente a beleza num musical horrível.

Eu gosto do lado Pasolini, não gosto do Fellini, gosto menos, mas que importa? Hilton Lacerda se lança de cabeça em cada plano, e se sai bem. Filma uma relação amorosa homossexual e se sai bem, porque o faz com sinceridade e termina por convencer mesmo os céticos, como eu, de que poderia dar certo. Dá, porque é uma coisa apaixonada, verdadeira.

O filme é uma mistura de várias coisas. Há do bom e do menos bom. Mas é essa desigualdade que faz seu interesse, porque vem da inquietude.

Ao lado de que gostei muito colocaria a montagem, que introduz com tato as imagens envelhecidas.

Não curti muito o parti-pris fotográfico, muito escuro com frequência, como se faltasse luz.

E gosto dos momentos que se impõem pela insistência, como o gran finale, que eu comecei repudiando para depois sair entoando a musiquinha do TemCu.

É um filme de que saí com muitos espantos e poucas certezas. Uma delas é que Hilton Lacerda tem tudo para ser um cineasta complexo, vigoroso, inesperado.

Ah, claro, o primeiro Almodóvar está lá, claro. Isso tinha me escorregado da lembrança, mas estava registrado no blog do Egypto, com um texto muito mais preciso do que este aí, diga-se.

Ah,sim, e claro, não se vê este filme sem lembrar dos Dzi  Croquetes.

Mas uns Dzi Croquetes em versão mambembe, mais agressiva.

Nada, nada, nunca, que lembre o conformismo dominante.

Enfim, uma bela forma de acertar as contas com seus anjos e demônios, chutando a porta.

Dá para esperar pelo que vem por aí.

Cine Hollyúdi

Será essa a grafia?

E o autor do filme poderia sempre se perguntar sobre a grafia do cinema.

O filme cearense é bem primitivo. Mas tem um humor que lembra a TV brasileira de algumas décadas atrás, isto é, não é sórdido.

Repete-se muito e tal. Mas diverte o público simples. Tem uma singeleza interessante, apesar do palavreado que esteia o humor, mas insiste muito num linguajar supostamente local, no exotismo.

Em todo caso, eis um filme que ajuda bem a responder à questão insistente:

Será a neochanchada de hoje a chanchada do futuro?

Digo desde já: não, não e não.

Como os filmes dos Trapalhões continuarão sendo fracos (exceto os que não eram…)

Só se pode dizer isso sem perceber a inteligência e o talento implicados na chanchada. O artesanato de Carlos Manga, a inteligência de José Carlos Burle.

Digo: vamos rever De Vento em Popa, Depois eu Conto.

Ou qualquer Zé Trindade…

Havia inteligência, pulsação, força. Onde nas globochanchadas há cálculo, padrão, essas coisas.

O filme cearense me fazia lembrar um pouco do cinema de bordas, com sua sinceridade comovente, mas alguns degraus acima, e também com sua simplicidade um tanto canhestra, mas ao mesmo tempo cativante, que envolveu bastante o público que lotou a sala do Espaço Pompéia.

Aliás, que cinema: lotado lotado lotado. Gente pra todo canto. Um shopping frequentadíssimo. Para o meu modo de ser, com franqueza, infrequentável…


Breaking Bad, Ano 5, capítulo 7
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Inácio Araújo

bbsaymyname

Não segui Breaking Bad porque você tem de ter um horário para assistir, saber o canal etc. e tal. Eu sobretudo não tenho esse tempo.

Faz algum tempo que meu filho chamou minha atenção para ele. Desde então tenho visto fragmentos, com ele.

Bem, foi sem ele, que nesse momento estudava seu violão, que vi um capítulo inteiro. Verdade que atrapalhei seu estudo uma vez para perguntar quem era quem na trama!

Alguns momentos: Walt senta-se à mesa. Sua mulher está na outra extremidade. Ele prepara o prato e comenta algo. Ela não responde, dá o tempo do não responder, pega o prato, o copo e levanta-se em silêncio.

É assim que se propõe a crise conjugal. Não com gritos, explicações, acusações etc. Com silêncio.

Mais tarde, Mike, um dos gangsters, se vê vigiadíssimo pela polícia. Pede a Walt que pegue uma sacola num carro e leve até ele, em outro carro. Walt, o chefe, o ex-professor de química, faz isso.

Mike recebe a sacola, abre-a, percebe que o dinheiro está lá, assim como a cartucheira, mas não o revolver. Então, Walt, do lado de fora, chega perto do vidro com o revolver e dá um tiro no próprio capanga.

Para sua surpresa, o carro arranca. Eles estão num quase descampado, perto de um rio. Logo o carro bate numa árvore ou coisa assim e para. Walt vai até lá, a porta está aberta, Mike não está mais lá.

Com todos os cuidados de praxe, Walt o busca. Encontra-o sentado, próximo do rio, exaurido, com uma bala na barriga, sangrando.

Walt esboça uma explicação do tipo “por que você fez isso? Não precisava ser assim etc.” Mike diz, sem se virar: “Fica quieto. Deixa eu morrer em paz”.

Ok, a descrição é simplória, elimina um monte de coisas.

Mas não importa: basta ela para sugerir como é invulgar esse seriado. Pior: como ele faz o que o cinema parece já incapaz de fazer. Mostrar as pessoas, seus gestos, seus silêncios, suas pausas.

Nós, em suma.

Os espectadores, não sem razão, ocupam-se cada vez mais dos seriados.

Nos seriados ainda se sabe filmar, ainda se retém o que o cinema ensinou, se tem noção do cinema e dos corpos.

O cinema cada vez mais se ocupa do que não existe.


Frances Ha está com tudo
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Inácio Araújo

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Às vezes eu ficava vendo outros filmes, há muito Truffaut ali, há Godard também, a própria música evocando Georges Delerue forçava isso.

Mas Frances Ha é ele mesmo, como filme, assim como Frances Ha, a personagem. Todo o tempo fiquei seduzido pelo ritmo, pelas alternâncias de situação e lugar, pela inquietação que move as personagens.

O filme serve às personagens, mas com que leveza nos conduz a um olhar agudo sobre eles, sobre o mundo tal como se desenha aos vinte, vinte e poucos anos.

Há, por um lado, a amizade sólida (desculpe, me foge o nome da amiga), as rupturas, as buscas de caminho. Há os encontros fortuitos que podem se tornar duradouros, profundos. Há a luta para pagar o aluguel, sem dúvida. E a perspectiva, sempre, do fracasso: do não ser aquilo que pensamos e sonhamos que éramos.

Frances é tudo isso: aquela que dá suas cabeçadas, em busca daquilo que deseja, mas também a menina que sai dançando pela rua.

Provas de que é completamente fora do convencional:

1. O  sexo não é uma obsessão das personagens (principais ou secundárias);

2. Frances é capaz de deixar Nova York e ir a Sacramento para o Natal em família e a festa é de aproximação. É feliz, pode-se dizer.

Que diferença de “Bling Ring”, que parece se deliciar mais à medida que seus personagens se deterioram…

E já nem falo daquele documentário infeliz sobre a moça brasileira que se matou ao tentar a sorte em Nova York…

É  filme de um tal frescor que, por um vez, o preto-e-branco não me incomodou nem me pareceu forçado (aliás, que linda fotografia P&B).

Eu nunca conseguia ver esse filme (problema de horário meu ou do cinema…). Agora quero rever e rever…


Exercícios do Caos
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Inácio Araújo

marcha

Não é, não por enquanto ao menos, do filme maranhense de Frederico Machado que se pode falar.

O caos vem das decorrências do artigo de Antonio Prata na Folha e, sobretudo, de suas decorrências na coluna dos leitores. Está ficando cada vez mais maluco.

Vejamos o que diz o leitor Sebastião Feliciano, de Taubaté, na edição de terça, 5/11:

“Como assinante da Folha, estou decepcionado. Não fica bem pegadinha de mau gosto, que nada acrescenta à credibilidade do jornal. Senti-me traído, pois elogiei a coluna de Antonio Prata (“Guinada à direita”), já que com ela concordei no que se refere à Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que é o que estamos precisando no momento. O Brasil necessita urgentemente de um governo forte, capaz de pôr fim à corrupção, entre outros grandes males que precisam ser combatidos.”

Minha dúvida agora é a seguinte: o Antonio Prata propôs um texto cheio de ironia, que muitos leram como sendo sua sincera opinião.

É um pouco espantoso: um texto daquele não nasce na cabeça de alguém da noite para o dia.

Mas o que propõe o leitor?

Será que está de gozação? Ou será que é mesmo a favor da tal Marcha?

Caramba: nem o papa sabe mais o que é a família, como ela se compõe, até ele já declarou ter momentos de dúvida, será que o leitor marchará com Deus, e quem é ele? e com a família, mas que família?, e pela liberdade?

Será tudo isso um repique do texto do colunista?

Será um humorista que nasce na cidade da minha avó ou será que ele acredita mesmo nisso?

Estamos caminhando para o exercício de um certo caos, talvez?

Meu Passado Me Condena

Meu-Passado-Me-Condena

Gostei do Fábio Porchat muito mais do que pensei que gostaria.

E do filme, que tem o título acima, também.

Não é aquele apanhado de grosserias que se passam por humor.

Mas o filme, em si, é horrível.

Agora, fosse eu o Fabio Porchat, faria uma imersão cinematográfica profunda.

Saber um pouco de Chaplin e Jerry Lewis, de Keaton e Tati, Gordo e Magro e tutti quanti.

Porque por ora o talento do cara vem mesmo é da stand up, da comédia falada, e suas gags são boas.

Mas não são visuais nunca. E nem são preparadas. Elas vêm em jorros verbais de que a ação é apenas complemento.

A direção do filme é de uma nulidade digna do cinema paulisto-carioca. Acho que é carioca, porque é um pouco mais crítica a coisa.

Só se sabe fazer campo-contracampo.

Exceto quando a filmagem é no Marrocos, coisa mais improvisada, e muda toda a linguagem, e passa a correr atrás dos atores só para cumprir roteiro.

E o personagem do amigo de Fabio que entra é um mala. Não só para o casal, Fabio e Miá, como sobretudo para o espectador.

Ainda assim, foi a primeira vez que vi algo fora da estrita imitação da Globo pegar o público. E isso é muito bom.

Agora, essa geração atual de comediantes tem como referência a TV. Pode funcionar no cinema, ao menos o Porchat, mas tem que dar uma de Jerry Lewis, se enfronhar em tudo, saber de tudo, ir atrás de tudo, ver os clássicos, muito.

Porque, no fim das contas, “Meu Passado Me Condena” não é senão uma comédia de recasamento. Anos 30. Do século 20. Não é que seja mal fazer isso hoje. É que é bom saber o que se está fazendo. É importante para o futuro, porque me pareceu que o Porchat tem ainda o que dar para o cinema.


Um tira e um Prata
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Inácio Araújo

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Li o artigo do Antonio Prata na Folha de domingo apenas depois de ler a espantosa, antológica coluna de cartas ao leitor da segunda-feira.

Não é apenas o direitismo agora atrevido das pessoas que assusta.

Somos um povo de direita, ao menos nós da classe média, marcados profundamente pela ditadura e pelo rancor (não sei se um e outro vêm juntos) – isso é sabido.

Queremos lei e ordem, sobretudo aparência de lei e ordem contra os fracos, contra os pobres. Penso nisso cada vez que vejo um desses carrões de vidros escuros fazendo conversões absolutamente proibidas, ou subindo na faixa de pedestres como quem entra em casa… Estamos construindo um novo Brasil, dizem. Ok.

Mas o que mais me espantou foi essa incapacidade tão paulista para o humor.

Quer dizer: de quatro pessoas que escreveram, três ao menos não perceberam que se tratava de um texto inteiramente sarcástico, uma paródia do que fazem os colunistas de direita.

Quem me ensinou a gostar do Antonio Prata foram os meus filhos. Eu sou da geração do pai, que é um grande e bem humorado sujeito.

Acho mais difícil a vida do jovem Prata.

Lida com uns caras que, num parágrafo, gritam contra o que chamam de politicamente correto e no momento seguinte se queixam de bullying

Mas, como dizia, o problema não são os escribas. São os leitores.

Essa gente que emporcalha a internet com sua bela ausência de cérebro, por exemplo.

Eles é que mantêm o debate ao rés do chão e se deleitam que ele esteja ali, onde acreditam poder entender alguma coisa.

Mas não entendem nem um humor um pouco mais sofisticado.

Sim, só lhes resta o Pânico. Em todos os sentidos.

Quero dizer: essa crônica de tantos méritos do Prata tem seu maior mérito fora dela. Vem desses boçais, desses bárbaros que compõem a classe semi-alfabetizada de São Paulo.

A meritocracia

Ele apareceu domingo no TV Folha. E hoje apareceu numa bela entrevista.

Um homem muito inteligente. Não esperava isso de um ex-PM.

Mas é justamente a questão da polícia que ele aborda em sua tese, que vai ser lançada em livro, que foi orientada por Celso Lafer.

Em resumidas contas diz: o espírito policial é herdado da ditadura (eu diria que vem de muito antes, vem de Canudos pelo menos, mas isso é detalhe); diz que o criminoso suposto é visto como inimigo, portanto deve ser morto (por isso ele fala de ditadura: é da guerra contra a guerrilha); diz que a polícia incentiva os assassinatos, isso é bem visto e premiado pela direção; diz que quando a coisa esquenta, sai na mídia, dá rolo, as chefias tiram o corpo fora e falam de “falha individual”; diz que se há tantas falhas individuais o sistema policial é perfeito.

Diz muitas outras coisas, que traduzo no meu estilo tacanho: a polícia foi feita para perseguir, prender e eventualmente matar, ou seja foi feita para oprimir pobres e pretos por todos os meios disponíveis.

Isso que alguns dos meus colegas favoritos chamam de meritocracia.


Mostra 37: Tsai Ming Liang e outros
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Inácio Araújo

cãeserrantes3

Uma coisa é absolutamente certa: entre Tsai Ming Liang e eu não existe nada em comum. Deixei “Cães Errantes” no meio, não revoltado, mas entediado.

Fui ver o filme por causa do simpático e convincente monitor da Mostra cujo nome não me lembro para quem Tsai é um “inventor”, segundo a classificação de Ezra Pound.

Já eu diria, como Macedonio Fernández: não durmo desse lado.

E, no entanto, existe algo de fascinante em alguns momentos: aqueles homens-placa no meio do trânsito, debaixo de um vento-chuva inclemente, ou o plano do homem usando toda sua força para mover seu barco.

Mas o conjunto parece se aproximar desses trabalhos meio desajeitados de artistas plásticos se aproximando do cinema. Não que Tsai não seja um cineasta, isso é óbvio que é, mas não gosto dessas coisas todas muito calculadas, desses tempos artificialmente esticados. Não são tempos mortos, são vazios. Tornam-se vazios à custa de permanecer.

E Tsai até pega fatos, coisas. Mas coloca o estilo à frente deles.

Não é o primeiro. Taiwan é o paraíso do estilismo.

Não me fazem feliz esses chinas. E a arte existe para nos fazer felizes.

Achei mais correto um rapaz perto de mim que tomava notas o tempo todo. Sim, eis aí um filme conveniente para fazer anotações: o que não falta é tempo para isso.

GriGris

Como era justo esperar, ninguém deu nada por Grigris, filme do Chade.

Como diz Alcino Leite Neto, no imaginário ocidental, a África é basicamente fornecedora de epidemias, pragas, desgraças.

Mas também tem bons filmes e bons cineastas, como esse Mahamat-Saleh Haroun. O filme é curto e grosso. Vai ao ponto: contrabando de gasolina, prostituição, esgotos a céu aberto…

O filme me fez lembrar o Simão quando diz que não vai ver filme de país que não  tem água encanada.

Nem sempre.

Nesse lugar onde parece não haver emprego, lutar pela sobrevivência é o que vem na frente.

E o próprio ator que faz Grigris foi danificado na infância por uma injeção que lhe pegou o ciático e estragou uma das pernas. No entanto, esse cara virou um dançarino exímio.

Sua parceira, que na verdade é francesa e consegue como poucas unir espiritualidade e beleza física com tal intensidade.

Um filme que será subestimado em favor desses chineses.

Coutinho

Uma beleza a Mostra fazer a retrospectiva completa do Coutinho. Mas não consegui ver o que mais queria, que é O Fio da Memória, que me impressionou muito quando o vi pela primeira vez.

E também esses filmes ficcionais que ele fez e detesta, e parece que são ruins mesmo, mas eu queria ver.

E mais as coisas que eu fui vendo e esquecendo, ao menos por ora, não quer dizer que não sejam legais…


Duas ou Três Coisas que Vi Nela (na Mostra 37)
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Inácio Araújo

3x3D ou Godard vs. Greenaway

Greenwaway faz hoje o cinema publicitário de amanhã;

O episódio português se enfia por um caminho e parece não saber aonde ir. Não sabe mesmo: perde-se todo.

Godard: tem que ver ainda umas dez vezes, mas está no seu andamento crepuscular.

Três dés-astres. Continua pessimista e afiado. Um lance de dados e três desastres. Três dimensões.

Qual é a profundidade? Perguntou o patrão do Titanic.

Aquelas duas câmeras acopladas questionando o século 20, as guerras, as palavras que assinalam o que não está lá, porque só a imagem traz o mundo.

As imagens que não me deixam

as de Miss Violence.

Fui ver o filme por causa do nome e porque filme bom quem faz são os países em crise.

Desespero é o que não falta. Talvez sobre. O andamento até o segundo terço é fantástico. mulheres: quem é mãe, quem é avó, quem é filha?

O rosto do ator-mentado principal é sublime.

Mas fiquei com a impressão de que o filme não fecha bem, que o encaminhamento do final reduz o personagem masculino a um anormal, e a anormalidade, sendo fora da norma, não interessa à ficção.

Será o filme uma metáfora da Grécia?  Quer dizer: um país vende tudo que lhe é mais caro para sobreviver, mas não sobrevive… Algo assim.

as de A Fuller Story:

Uma frase apenas para resumir tudo: Há três maneiras de voltar de uma guerra: morto, ferido ou louco.

Uma frase de Fuller, claro.

O filme de episódios de Guimarães: ou O Retorno de Victor Erice. Episódio fabuloso.

Oliveira não brilha: às vezes acontece.

Brasil

Riocorrente

O Lauro Escorel disse que eu gostei mais do que ele acreditava que eu teria gostado do filme do Paulo Sacramento (isso se eu entendi bem o que disse).

Na verdade não é bem o tipo de filme que eu goste. Mas, sendo objetivo, eis um filme que se diferencia muito do nadismo reinante na produção paulisto-carioca.

E, sendo subjetivo, foi também uma homenagem ao Jairo Ferreira. Acho que ele ia gostar imensamente do filme.

O Escorel gostou mesmo foi da visita ao cemitério, da homenagem aos clássicos. É realmente bem bonito, uma reflexão do Sacramento que indica seus escrúpulos cinematográficos, talvez certo lamento por já não ser possível ser clássico.

Helena Ignez

Passeia por quatro telas e talvez cinco continentes. De uma oficina de atores tira um mundo. Um mundo de altos e baixos, momentos assaz interessantes e outros assados.

Um espírito anos 70 baixouem mim. Legalque sobreviva.

O Sacramento atrás da idéia que se convertaem ato. Helenavai ato, e se for preciso sem idéia: black bloc.

Ana Arabia ou Amos Gitai ressuscita.

É disso que me lembro por ora. Entre tantas coisas perdidas, por trabalho, por cansaço, por coincidência de horários.

Entre elas Avanti Poppolo. É linda a imagem do Carlão no catálogo.

Não vale falar de Ozu ou Kubrick, ó obvio.


Mostra, ano 37
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Inácio Araújo

 

Caminha, a Mostra. Já sem Leon, já sem Carlão.

Continua sendo uma ótima oportunidade para se manifestar o inesperado.

O melhor para mim são as filas.

Essa bela instituição foi banida pelas vendas por internet e, sobretudo, pelos lugares marcados, essa praga.

Agora a única chance de topar, numa fila, com velhos amigos, que a gente não vê há muito tempo, na Mostra.

Ainda bem que ainda não deu para marcar lugares previamente.

Conversa-se, troca-se ideias sobre os filmes, sobre as coisas etc.

Outra coisa muito boa são os inesperados.

Fui ver o filme português sobre Novais Teixeira, mas não conseguiram projetar (ah, a tragédia do HD está aí), acabei vendo um filme georgiano que nem entendi direito o que era, o que é uma virtude, aliás.

Não posso falar agora dos filmes que vi.

Depois conversamos.

Por ora, me surpreenderam: o novo do Amós Gitai e a estreia do Paulo Sacramento na ficção. Mas devo estar esquecendo de alguns, sem dúvida


Sobre Biografias
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Inácio Araújo

Recebi o ótimo texto abaixo, por email, do João Carlos Rodrigues. É muito abrangente e concordo em quase tudo com ele. Abaixo dele, acrescento duas ou três linhas, talvez até para divergir um pouco.

João Carlos Rodrigues

Nada poderia ter feito mais mal às biografias de Caetano-Gil-Milton-Chico (e os outros todos, também) do que ter assinado o manifesto Procure Saber. Nem o panfleto mais apócrifo, mais caluniador, mais nauseabundo, cheio de calúnias e/ou insinuações teria um efeito tão nefasto. Pois, se algum deles fosse vítima de uma infâmia dessas, entraria como vítima e teria a solidariedade nacional, como ótimos artistas há mais de quatro décadas encarapitados na árvore evolutiva da música brasileira. Como signatários do Procure Saber assumem uma nova face até agora oculta, a face do obscurantismo, o lado escuro da força. Que decepção para os que, como eu e outros muitos, sempre os tivemos como faróis libertários, mesmo nos momentos mais tumultuados da vida brasileira, 45 anos atrás. O tempo não lhes foi bondoso, constatamos tristonhos. Os reis estão nus, como na fábula. E velhos. Não apenas nas faces já não tão faceiras, mas principalmente nas suas opiniões sobre o que é a Liberdade (de expressão), que na brilhante definição da Rosa Luxemburgo, é “a liberdade dos que divergem de nós”.

Escrevi duas biografias. João do Rio e Johnny Alf. Os dois não tinham parentes, sorte minha, pois suas vidas tinham segredos que não podiam revelar, mas que elucidam (e muito) suas obras. Teriam sido interditadas pela lei vigente. Em ambos os casos recebi informações bombásticas, algumas certamente verdadeiras, outras jamais, mas que, por não possuírem provas idôneas ou realmente contribuírem para a compreensão do trabalho deles, simplesmente ignorei. Sim, é preciso que o biógrafo tenha discernimento. Mas, assim como a liberdade de imprensa implica também na liberdade dos maus jornais e dos maus jornalistas, é melhor que sejam publicadas biografias mal intencionadas do que sejam impedidas as que realmente contribuem para o andar da carruagem.

Pensemos agora além das frágeis intimidades dos quatro semideuses, mas pensemos grande, além do horizonte. Como se farão os estudos da História do Brasil apenas com biografias chapa branca? Como se elucidará a personalidade de políticos, e, por conseguinte, dos seus mandos e desmandos? Então Sarney, Renan, Dirceu, Collor, Maluf e outras jóias do nosso cancioneiro político terão de aprovar previamente o que for escrito sobre eles? O eleitor nunca terá a oportunidade de conhecer a face oculta da lua? Devem estar às gargalhadas, brindando o apoio inesperado recebido por tão ilustres personalidades. Pois é isso que vai acontecer, caros menestréis, se o seu estouvado e inoportuno manifesto for levado a sério como se pretende. E é assim que construiremos um país que valha a pena? Cedendo aos pudores póstumos das madalenas arrependidas? Vergonha. Vergonha. Vergonha. Que herança maldita deixarão para seus filhos e netos! De recuo em recuo, qualquer Bakunin vira Pastor Malafaia.

Então, para arrematar, repito o que disse no primeiro parágrafo. Nem o mais infame pasquim da imprensa marrom fará algum dia maior mal às biografias de Caetano-Gil-Milton-Chico do que o fato de terem assinado o Procure Saber. O que é isso, companheiros? Quem não deve, não teme. Agora é tarde. Podiam morrer sem essa. Daqui a um século talvez as belas canções tenham sido esquecidas, mas o manifesto não será, infelizmente. Uma nódoa indelével que o futuro repetirá ad aeternum através de suas biografias, autorizadas ou não. Pois tenho esperança e quase certeza de que a sensatez e a liberdade de expressão vencerão. Para o bem de todos nós, inclusive deles mesmos. Adeus, meus caros. “Bato o portão sem fazer alarde, levando a carteira de identidade e a leve impressão de que já vou tarde”. Mas no caminho certo.

RJ, 17 outubro 2013

Questões pontuais

Agora sou eu, Inácio, e minhas dúvidas.

Me parece que, desde o início, há duas questões misturadas aí: uma, o do direito à intimidade (inclua-se nela o direito à verdade e tal); outra, o do direito a indenização monetária por uso da imagem.

A segunda, partindo de quem parte, é uma coisa indefensável. Eu posso entender que a família do Garrincha precise desse dinheiro (que, aqui entre nós, nem é tanto assim). Mas o Chico Buarque? O Caetano Veloso? O Roberto Carlos? Não dá.

A primeira teria de mim alguma simpatia. Não me parece que intimidades da vida de um cantor ou compositor, por exemplo, devam ser expostas, pelo menos enquanto ele estiver vivo, primeiro porque existe o seu direito à privacidade e não convém confundir isso com torturadores. Segundo, porque não está claro para mim que conhecer algo sobre os casamentos de um ou as separações de outro, a sexualidade de um terceiro possam ter algum interesse para a cultura nacional.

Por uma questão de bom senso, apenas isso, em princípio essas biografias deveriam ser sempre póstumas, até porque o tempo é que poderá dar a medida da importância de determinada vida.

O que Noel ou Guimarães Rosa representam para a cultura, sabe-se. O que representará Roberto Carlos daqui a 20 ou 30 anos? E nesse caso surgirá algum biógrafo interessado no assunto ou o interesse é mesmo apenas mercantil?

Estava eu nessa simpatia por ao menos essa parte da argumentação, quando li que Paula Lavigne, num programa de TV, interpelou a jornalista Barbara Gancia sobre sua sexualidade.

Uma interpelação cuja baixeza não deixa dúvida sobre a personagem, pois seu único objetivo era embaraçar a interlocutora justamente naquele ponto – a vida pessoal – cuja proteção tem sido tão reivindicada pelos artistas em questão.

Aliás, para falar a verdade, a questão que me fica é a seguinte: se você se expõe na TV ou na Caras, ou algo assim, com objetivos publicitários, produzindo uma falsa intimidade, com que cara interditar que uma outra intimidade, talvez verdadeira, seja produzida?

Enfim, quase não tenho certezas finais a esse respeito, mas me sinto próximo ao raciocínio do João Carlos.

Se eu legislasse sobre isso, pediria em contrapartida que herdeiros devessem ser excluídos de direitos diretos ou conexos sobre a obra de seus pais ou parentes. Impedir que se fale de Guimarães Rosa, que se exiba o “Matraga” de Roberto Santos, que se proíba biografia de daqui a 20 ou 30 anos? E nesse caso surgirá algum biógrafo interessado no assunto ou o interesse é mesmo apenas mercantil?