Blog do Inácio Araújo

Arquivo : June 2013

Sonho e pesadelo
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Inácio Araújo

 

Todo mundo tenta entender as mobilizações. Que eu tenha visto, só o cara da Record já entendeu.

Tendo, subitamente, perdido sua bandeira favorita (polícia tem que dar pau com violência) passou a defensor dos pagadores de impostos.

Ah, eis como transformar um movimento que, aos trancos e barrancos, afirma a cidadania, em movimento de consumidores.

Todos os outros, que eu leio, tateiam com honestidade. Buscam pistas. Li coisas muito boas no Safatle, depois no Marcelo Coelho. Mas todos somos cegos tateando o elefante e tentando descobrir o que é isso.

O Jabor, me dizem, fez um voltaface violento. De criminosos um dia os rapazes passaram a heróis nacionais no outro. Mas não vi.

O Antonio Prata e um ministro que apareceu na TV foram os com quem estou mais de acordo: ainda não entendemos patavina.

Vi, gravado, o Roda Viva da segunda-feira. De um modo geral, os jornalistas eram muito, fortemente críticos ao movimento de rua.

A menina e o menino deram um banho neles.

De lá para cá a imprensa virou a favor do movimento, mas em larga medida sem saber a favor do que está verdadeiramente.

Em todo caso, não me parece que o essencial esteja na idéia de Passe Livre, nem de 20 centavos.

Há muito mais nisso.

Acho que o Prata (ou o Marcelo?) fala do direito de sonhar.

Isso é vital.

Chega de realismo!

Todas as decisões parecem muito distantes de nós, isso é certo.

Algumas unanimidades:

Contra a polícia. Contra a violência.

Muito bem, também sou contra. Mas me parece uma coisa que precisa ser mais ampla. É uma questão de ver a vida. Não pode dar pau na passeata, é claro. Mas também não pode pegar o menino da periferia, só porque usa havaiana e bermuda, e encostar na parede e pedir todos os documentos. Ou achacar o guardador de carro que vai ganhando sua vida ao lado do museu (honestamente).

Porque quando as pessoas sentem que sua vida não tem valor (para a polícia, poder imediato), não se pode pedir que dêem valor à vida dos outros, nossa, dos ricos.

Contra o vandalismo.

O vandalismo, na sua versão mais recente, é a violência do pobre.

Em Brasília tomaram o Congresso, para mostrar o quanto não nos sentimentos representados pelos representantes. Estou nessa.

No Rio, quebraram os vitrais franceses da Assembléia. Não estão contra os vitrais, creio eu, mas contra o legislativo.

Em São Paulosaquearam as lojas. Todo mundo está contra.

Mas não me parece tão simples, a partir de uma frase que ouvi nos jornais: A vida inteira nos roubaram. Agora é a nossa vez!

São, portanto, pessoas mais pobres, que se sentem roubadas diretamente pelos lojistas. Não abstraem muito. Quem rouba são as Americanas, é a Marisa e tal.

Mas o sentimento é mais ou menos o mesmo de muita gente que está na rua.

Então, à parte isso provocar reação policial, a onda é a mesma. Cada um surfa como pode.

Se todo mundo está cheio da lenga-lenga que, acho que o Prata escreveu, tudo melhora, melhora, melhora, mas continua horrível, se é preciso mesmo virar a mesa e sonhar, tem esse outro lado, o pesadelo. O que está fora de qualquer sonho.

Como todo o resto, será preciso entendê-lo.

(Muito pessoalmente: entre as coisas decididas às nossas costas está essa regulamentação da meia-entrada.

Primeiro, para sacanear a UNE, tiraram dela a exclusividade de emitir carteira de estudante. Daí virou uma esbórnia, é claro, só podia virar.

Agora querem estabelecer uma quota: 40%.

Ok. (ok nada, só para raciocinar) Mas quem vai controlar quando chegou aos 40%?

E qual o compromisso assumido (e assinado) por exibidores, produtores, o diabo, em troca disso?

E se o limite é 40%, qual a porcentagem da meia-entrada hoje em dia?

Tudo isso é nas nossas costas. E vai cair, entre outros nas costas dos espectadores de cinema).


É de amargar
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Inácio Araújo

O movimento de rua impressiona muito por seu caráter de movimento. Quero dizer que o Brasil está acostumado a ver protestos como “subversão”. Essa é a visão histórica. Essa é a que persiste: não se pode parar a av. Paulista, não se pode parar o trânsito. Manifestação e greve só se não atrapalharem ninguém.

O governador de SP é bem paulista: por trás das passeatas há motivação política.

Claro que há. Não pode haver?

Onde já se viu coisa igual? É de amargar isso.

A PM:

Me parece que existe algo muito profundo em relação à PM, e talvez não só a paulista.

Na periferia esses caras vivem destratando as pessoas.

Já vi, por nada, só por causa da cor ou da roupa modesta, pessoas serem conduzidas ao muro, mãos na cabeça, essas coisas.

A todo momento a PM está lá para mostrar que a vida dos pobres não tem valor nenhum.

Não são os únicos: o transporte é outro momento em que dá para sentir a falta de consideração pela vida das pessoas.

Bem, quando alguns bandidos demonstram que a nossa vida (nós os brancos, nós abonados, nós que eventualmente tiramos dinheiro do banco) também pode não valer nada, basta que eles atirem, ou que botem fogo nas pessoas, estranhamos, pedimos a lei do talião e tal e coisa.

O que aconteceu quinta, em SP, foi a transferência disso para o centro.

Mais que R$ 0,20

Não sei se são 20 centavos que motivam os protestos.

Não seria a população sentir que não temos avanços reais, do ponto de vista social, desde o governo Lula?

Que acontece certa burocratização, certa frieza no trato das coisas dos pobres?

Não digo que o governo está errado ou certo, não é isso.

Penso que há uma letargia política (“motivação política”) que ninguém aguenta mais.

A oposição não tem uma ideia que preste, vamos falar a verdade, desde que promoveu o Plano Real.

A situação está acomodadíssima no comodismo da oposição.

Os vinte centavos são uma ideia, ao menos.

Claro que na manifestação haverá um tanto de gente de extrema esquerda, outros de extrema direita, e também anarquistas (direita e esquerda), baderneiros, nazistas o que for.

Não há clareza. Há uma sensação de saco cheio.


No teatro com Bob Wilson
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Inácio Araújo

Achei uma beleza “A Dama do Mar”, o espetáculo que Bob Wilson montou no Sesc Pinheiros.

Pela primeira vez trabalhou com atores brasileiros, e eles me pareceram impressionantes, quase sempre, como a atriz principal do dia em que estive lá.

Chama-se Ondina Clais Castilho. Não tem nem nome artístico. Não faz parte do circuito “ricos e famosos” que povoa nossos elencos e mentes.

Não gostei da marcação muito agitada de Bete Coelho. Francamente, é uma atriz com expressão tão forte, que fica, me parece, melhor quando não faz nada (aparente).

Mas isso é muito pouco. A concepção de luz e cenário é, como sempre, muito forte em Bob Wilson. Se tudo mais falhar, isso não falha, não tem como.

A luz me lembra em vários aspectos os filmes de Douglas Sirk, a luz de Rudolph Maté, com seu hábito de jogar os personagens da luz na sombra em apenas um passo.

Mas, claro, Bob Wilson é todo clean.

Agora, o som faz parte imensa da peça: há sons e músicas, que encontram por vezes o movimento dos atores (há um momento muito interessante, acho que é Ligia Cortez, uma das filhas, que se move parecendo uma gaivota).

Por fim, me deixou feliz saber que o amigo André Guerreiro Lopes fez a assistência de direção da peça. Deve ter aprendido um bocado. E ele é um diretor teatral com intuição visual muito forte, de maneira que a experiência deve ser extremamente proveitosa para seus próximos trabalhos.

Mas vejo essas visitas estrangeiras ao Sesc (ah, anda faltando o Peter Brook, o incomparável) como importantes para o teatro brasileiro, e não só, em geral. Nos ensinam, por exemplo, a necessidade de rigor. E, ainda, que nem só de atores da Globo se faz o mundo.

CineOP

Estarei longe do CineOP que está começando.

Além do que teria a lamentar habitualmente, o festival (não é bem um festival, é um encontro sobretudo, com restauros, com discussões muito ricas entre especialistas) de Ouro Preto este ano homenageará Walter Lima Jr., que é um diretor de cinema excepcional e uma pessoa idem.

É uma lástima que ocorra tão perto do Cinema Ritrovato. Espero no ano que vem ser convidado, até porque tudo indica que este será meu último ano no Cinema Ritrovato de Bolonha: as passagens aéreas estão caríssimas este ano, e olha que fiz a compra antes do dólar, também ele, começar a voar.

Mas, caramba, só de ler a programação já começo a chorar por tudo que não poderei acompanhar, porque há muito mais filme interessante lá do que se pode assistir.

Vamos lá.

Faroeste caboclo

Não entendo muito bem o ambiente de violência em que vivemos.

Ele é um tanto generalizado.

Todo mundo sabe que PMs me assustam, não é de hoje.

Prefiro manter distância.

Mas a imagem do PM sangrando no UOL é horrível.

Essa questão de violência tem de começar a ser vista como geral.

Não é só o cara que bota fogo nas pessoas, que mata gratuitamente.

A sociedade está contaminada por isso.

Ou bem se cria um plano para mudar o estado de espírito das pessoas, que decidiram resolver no braço qualquer divergência (essa “percepção de que não existe justiça” tão divulgada pelos meios de comunicação não pode se isentar disso, nem de longe) ou bem vamos para a barbárie geral.

De passagem: as passagens de metrô e ônibus subiram de R$ 3,00 para R$ 3,20. Há um bom tempo não havia aumento. E ele não chegou a 10%. Me parece que foi inferior à inflação do período. Então não vejo motivo para tanta indignação. Já se engoliram aumentos bem mais salgados, ah, muito mais, sem dizer uma palavra. Não entendo o que está havendo agora, mas o desarranjo é profundo.


O pior do mundo
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Inácio Araújo

Chamavam Ed Wood de “o pior cineasta do mundo”.

Evidentemente, o mundo ainda não sabia que existiria Baz Luhrman.

Claro, entre os dois houve Zefirelli.

Mas Zefirelli é quase uma amador em matéria de ruindade, perto de Luhrman.

E assim, depois de descaracterizar Shakespeare, de destroçar o Moulin Rouge, ele ganha a oportunidade de desmoralizar Fitzgerald e o Gatsby.

De tal modo que a elegância e a discrição de Fitzgerald são encostados em favor da estética mais afrescalhada e espalhafatosa do mundo.

O “Grande Gatsby” já havia enterrado a carreira de um cineasta digno, que o reduziu a uma espécie de desfile de modas à beira da piscina.

Mal sabíamos o quanto tudo aquilo era discreto e eficiente…

O pior é que isso foi produzido e, pior ainda, promovido como uma espécie de oitava maravilha.

Uma demonstração mesmo de que quem tem a menor afeição pelo cinema são os produtores.

À americana

Olha, eu entendo que em geral essa gente que fala qualquer besteira na internet não sabe o que diz.

Mas as coisas significam alguma coisa.

De onde vem a crença de que “nos Estados Unidos cumprem a lei”? O que sabemos disso?

Sim, quem nos dá essa informação é o cinema (e a TV em menor medida). Daí essa crença boboca.

Serão eles tão perfeitos assim? Devemos imitá-los tanto assim?

Bem, talvez seja o caso de lembrar quantos massacres de malucos que saem atirando a esmo acontecem anualmente por lá.

São Paulo, Brasil

Bem, quanto a nós, estamos no centro de uma onda de barbaridades ainda incompreensível.

Não é “a impunidade”, nem “a pobreza”.

É preciso entender o Brasil e sua cultura em múltiplas dimensões se quisermos entender porque um sujeito, ou um bando deles, bota fogo nas pessoas como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Que idéia da vida, e de tirar a vida do outro, eles se fazem?

E que valor à vida cultivamos?

Não sei dizer nada sobre isso, mas tenho a impressão de que a desconsideração pela cultura, pela idéia de cultura, que dá na incapacidade completa de criar um povo único, em que o outro não seja visto como inimigo por ser preto ou branco, rico ou pobre, alto ou baixo, tem muito a ver com isso.

É coisa que deveria preocupar muito os governos, os professores, a universidade, os jornalistas


Abrindo caminho a bala ou Faroeste Caboclo
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Inácio Araújo

 

Cá entre nós, Faroeste Caboclo não é o melhor dos filmes.

Assim como no filme do Karim Ainouz a partir da música de Chico Buarque eu não consigo ver muito bem a relação entre as duas coisas, aqui a fidelidade à música de Renato Russo é, por assim dizer, canina.

Então há uma necessidade quase insana de tudo aproximar à música.

Isso, claro, dentro da dramaturgia arcaica do nosso cinema comercial.

Mas o filme faz sucesso.

Os filmes em que a música é de certo modo tematizada têm  sido um porto seguro do filme comercial brasileiro.

Há 2 Filhos de Francisco, Somos Tão Jovens, Cazuza e agora Faroeste.

Deu menos certo no Gonzaga, talvez porque o velho Gonzaga já não seja tão popular, talvez porque Gonzaguinha nunca tenha sido. Talvez porque fosse a mais intelectual de todas.

De todo modo é uma história muito bem construída, acho que a mais sofisticada de todas elas, embora a direção tenha lhe dado um tom meio sentimental que, em definitivo, não a beneficiou.

E a constância do sucesso ou meio-sucesso é incrível, porque a música do Brasil é incrível.

Mesmo o documentário musical dá pé: Cartola, O Mistério do Samba, Uma Noite em 67, Tropicália, todos deram certo à sua moda (desses só me parece meio fraco O Mistério, meio fraco como imagem, mas a música segura o rojão).

Não é apenas uma questão comercial que está envolvida nisso.

A música é esse lugar,no Brasil, em que todos nos encontramos. Aquilo que pode abrir caminho para uma democracia, isto é, um país onde todos nos reconheçamos, uns aos outros.

Anda difícil. Eu, pelo menos, voltarei a isso.


Um pouco de tudo
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Inácio Araújo

DE DVD

Não há como os DVDs brasileiros, normalmente muito pobres, sem extras, sem nada, concorrerem com a possibilidade de baixar filmes na internet ou mesmo com os piratas.

Por isso é importante e belo esse “Acossado” que a Versátil acaba de lançar.

São dois discos, um deles só de extras.

Nem sempre muito bons, mas no fim resta sempre algo a reter.

E por vezes muito interessantes, como a intervenção do Luc Moullet, que por sinal está no disco principal mesmo.

Aí vale a pena comprar ou mesmo alugar. Fora isso… esse é um mercado morto.

DE TV

Há um enorme exagero com essa história de séries de TV.

São tratadas como se os americanos tivessem acabado de inventá-las.

Quem viu Rim-Tim-Tim, Lassie, Roy Rogers, Bonanza, Rota 66 etc. sabe que não é bem assim.

Elas são contemporâneas mais ou menos do início da TV.

Digo isso:

1. porque existe um esforço para criar séries no Brasil. Muito bem. Há precedentes. Vigilante Rodoviário fez um sucesso louco nos anos 60.

É preciso buscar ali o exemplo. Foi feito todo por pessoal vindo da Maristela, Alfredo Palácios produziu e Ary Fernandes é quem dirigia.

Não era genial, mas pegava muito bem o nascimento da indústria automobilística, a massificação das estradas (como virtualidade ou não).

Enfim, isso que eu não vejo as séries atuais se mostrarem capazes de captar: atualidades, desejos, transformações.

2. Mad Men é notável mesmo.

DE CINEMA

Falar o quê? Faroeste Caboclo é pífio. Começa com um plano, um único, com a responsabilidade de imitar o Sergio Leone. E não consegue nada.

O roteiro é banal, previsível todo o tempo. A direção vai atrás. Parece que essa gente nunca entrou num cinema. Não é possível…

DE FUTEBOL

Como são-paulino eu tinha obrigação de torcer para o Atlético Mineiro. Afinal, lá á quase uma sucursal do meu time. Tardelli, Richarlyson, Josué, Junior César. Sem contar o Cuca.

Todo o pessoal que os mauricinhos diretores mandaram embora desprezando e tal. Meu herói deles é o Richarlyson. Não é um craque, mas, caramba, como o cara é esforçado. Só a torcida do SPFC que não reconhecia isso. Porque ele é gay. E daí? Acho que devia ser acolhido até mais que os outros por isso. Mas a turma, não, não pode, nós somos machões… Ah, vai, esses torcedores (de todos os times) são uns enrustidos bobocas.

Agora, saiu o Richarlyson, veio o Junior Cesar, saiu o Junior Cesar, veio o Juan, saiu o Juan, veio esse Cortez, saiu o Cortez… Bem, eu já perdi a conta.

Esses diretores boçais, esses mauricinhos se acham o máximo, são uns bocós.

São bem a elite paulista mesmo. Está bem representada. Uns bobos alegres.

Dito isso, as transmissões de futebol me irritam. Toda hora o comentarista diz que o nosso time (qualquer um) é “tecnicamente muito melhor”. O time deles é sempre catimbeiro, malandro… E o juiz sempre um criminoso em potencial.

O que isso gera? Bem, quando jogam aqui no Brasil os brasileiros se vêem na obrigação de se jogar na área, fazer fita, ver se cava pênalti. Acham que o juiz tem de roubar para nós. É quase coisa de direito divino.

Os locutores acompanham, de um modo geral.

Isso é uma palhaçada.

O Atlético não mostrou em momento nenhum ser melhor que o time mexicano. Nem tecnicamente, nem taticamente, nem nada.

Teve sorte.

Mas eu acho que foi marcado pela própria torcida.

Quem foi o cretino que teve a idéia daquelas máscaras?

Sabe que estava jogando contra um time mexicano?

Que o misticismo é o fundamento do México, praticamente?

Quem vai brincar com isso quer brincar com fogo, não?

É que nem brincar de vudu contra um time do Haiti: não dá pé.

Os caras são especialistas nisso.

Mas não é disso que eu queria falar.

Quero falar um dia da completa falta de honradez do futebolista brasileiro.

Era preciso começar criando lições de ética.

Produzindo valores.

Mas chega de falar besteira, não é?


Dois suicídios
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Inácio Araújo

Todo mundo já sabe, acho, que prefiro filmes “vazios”. Sem mensagem. Sem apoio excessivo nos temas.

Mas o canadense “O que Traz Boas-Novas” não se deixa intimidar pelo tamanho do tema.

Temos, de início, o suicídio de uma professora. Ela se enforca na classe onde leciona e, ao que parece, de modo a que seja vista por um determinado aluno.

Como não encontra um substituto para ela, em seu lugar entra um argelino, que não é bem imigrante, é um cara que está pedindo asilo político ao Canadá (a ação se passa em Montréal).

A partir de então temos o tema da pedagogia em destaque no filme. Da pedagogia moderna. Detesto quando se observam os métodos educacionais como chave para o entendimento do mundo. Se fossem, a URSS não teria ido aonde foi parar.

Mas existe algo a discutir no cinema a respeito desde “Zero de Conduta”. A França é quem eu vejo ter sido mais consequente em relação ao tema. Veio depois Truffaut, com “Os Incompreendidos” e houve um filme mais recente, não lembro o nome agora, sobre o problema da escola francesa (republicana) em relação a imigrantes, religiões, convivência de cultura distintas (e conhecimentos idem) numa mesma classe, etc.

“Boas-Novas” não tem o mesmo alcance, mas possui uma sensibilidade a reter, na medida em que o M. Lazhar, o novo professor, cuidará de ensinar aos alunos certas coisas que parecem esquecidas: autores clássicos, certa disciplina, sentido de organização. E tal.

Quer dizer: se “Zero” e “Incompreendidos”, sobretudo o segundo, tem no caráter repressivo da escola um inimigo do estudante, o filme canadense joga no sentido contrário: uma pedagogia excessivamente liberal tende, nessa visão, a criar crianças superprotegidas (ou mimadas), que sabem se servir muito bem de prerrogativas há pouco obtidas para oprimir seus mestres, tornando-se, conforme o temperamento (ou o dos pais, com idéias tipo “não me toques”) pequenos tiranos. E mestres oprimidos não ensinam: estão contra a parede.

Evidentemente, começar pelo suicídio é uma apelação. Pode até ter havido algum caso assim, mas isso não quer dizer nada, nadinha… Me parece que não ajuda na discussãoem nada. Maso assunto levantado é mais que pertinente.

Há mais de uma geração que cresceu sob esse tipo de ideologia pedagógica, a da liberdade total. O número de pessoas malcriadas cresceu muito, e não sei se a inteligência floresceu enormemente por isso.

Elena

Muitas pessoas vêm me falar bem de “Elena”, entre elas minha irmã. Estou longe de partilhar desse entusiasmo. Por inúmeras razões. A primeira delas é que, ao final do filme, constato que não descobri nada, praticamente, sobre a moça, exceto que tinha um desejo quase insano de se tornar atriz.

Tudo mais a seu respeito permanece, se não perdi nada, intocado. Quem era ela à parte isso?

Existem seus diários gravados, e os filmes caseiros, e alguma coisa de apresentações de Elena (ela aparece numa bela dança, espécie de dança de serpentina no programa Metropolis).

Muito pouco para um filme que se justifica como algo que vai em busca de Elena, de seus enigmas, de sua morte.

Ler a sua carta de despedida me parece uma invasão de privacidade que a fraternidade não chega a perdoar. Elena diz ali que se mata porque não consegue exercer sua arte, a única coisa que a justificaria.

Bem, vamos ver um pouco essas palavras. Ela é uma brasileira que vai estudar arte dramática em NY. É uma estrangeira, portanto. Sonha com Hollywood e, talvez, a Broadway.

Como todos sabemos, o que não falta é quem sonhe com Hollywood e a Broadway. Se cada um que não tenha sido bem sucedido nesse aspecto se suicidasse não haveria braços para enterrar todos eles.

Às vezes a gente vê um jovem ator, acaba de se consagrar, e sabemos em seguida o quanto ele pastou antes de chegar lá. E o quanto a sorte contou. E o quanto contou um bom agente. E outros acasos. O número de garçons e garçonetes (lembremos “Mulholand Drive”) nesse ramo não é grande por acaso.

Na verdade não estamos diante de um filme sobre Elena, mas sobre os sentimentos da irmã a seu respeito. À irmã ocorre ser a diretora do filme, Petra Costa. Trata-se, portanto, de um desses documentários confessionais que têm se multiplicado nos últimos tempos, alguns interessantes outros nem tanto. Petra é também a narradora em primeira pessoa. A primeira pessoa é ela: sua dor, sua perplexidade face à morte da irmã. A necessidade de juntar documentos, de visitar os lugares, de rever as imagens… Essa necessidade de explicação gira em falso. É compreensível, do ponto de vista pessoal: quem poderia encontrar uma explicação plausível para a morte de um ser querido? Para uma morte prematura? E violenta?

Mas um artista tem o dever de buscar uma explicação fora de si mesmo. Assim, o que me chama a atenção é o número de omissões a respeito de Elena e sua família.

Petra não avançou nada no conhecimento da irmã, a julgar pelo filme. Como ela era, realmente, à parte as aparências? E a família? Por que vai a estudar no exterior, longe da família? Etc.

Eu entendo que à autora do documentário interessem basicamente os aspectos sentimentais da história. Mas não entendo porque eu deveria me deixar seduzir por eles. Ou antes, eu sei que o espectador de cinema é um ser especialmente seduzível por sentimentalidades.

Eu me pergunto apenas uma coisa: se Petra colocasse suas palavras, seu monólogo sobre a irmã em texto, num livro, será que as mesmas pessoas iriam suportar a coisa?

Sei que para parcela imensa da população o cinema é um depósito de sentimentos. Que uma boa música triste leva milhões às lágrimas diante de uma cena sem nenhum valor. Mas, por favor… Dentro de certos limites.

Passemos a uma questão importante: a família. O filme nos informa que os pais eram do PCdoB, que só não foram para o Araguaia não me lembro mais porquê. Daí cessa toda informação. É bem errado, tratando-se de um documentário, pois por mais belo que seja estar no PcdoB, na guerrilha, lutar pela liberdade e tal, isso não acrescenta nada ao destino de Elena. Vira uma espécie de título nobiliárquico: ele lutou no Araguaia. Pois pois.

Mas por que o pai desaparece da história? E como desaparece? E a mãe, além do seu justificável olhar de tristeza, o que sabemos a respeito dela?

E essa tristeza vem da morte da filha? Aceitemos. Mas ela se culpa pela morte ou não? Ela aceita a versão de que a filha morreu porque não conseguia um bom papel? Isso me cheira a lorota, com toda franqueza. Se Elena estava deprimida não haveria algo mais profundo nisso? Por que não se toca no assunto?

Isso é o que no fim o filme me passou: que existe para lançar sentimentos e sentimentalismo sobre o assunto, ao mesmo tempo em que preserva certos mistérios familiares com muito cuidado.

* * *

Bem, eu sei que, se existe tradição na internet, vai chover gente dizendo que eu sou um coração de pedra, que digo isso porque nunca perdi nenhum ente querido etc.

A esses só posso dizer que o filme lembrou-me o “Poema à Minha Irmã Morta”, que escrevi um dia. Felizmente esses não terão como chorar à leitura desse texto adolescente que, felizmente, rasguei e joguei fora antes que tivesse chance de chegar à celebridade.


Virada à paulista
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Inácio Araújo

Não acredito, francamente, que seja obra do governador a produção de eventos policiais durante a Virada Cultural.

Tendo a acreditar (é uma crença, apenas), sim, que a PM tenha feito corpo mole na vigilância, até porque leio vários testemunhos nessa direção.

A PM teoricamente é responsabilidade do governador, assim como a segurança pública. O problema é que na prática a PM age como melhor lhe convém. Isso não é de agora, vem dos tempos da chamada “gloriosa Força Pública”.

A PM não só pratica como patrocina indiretamente a violência, de cujo combate vive (e em cujo combate não raro morre, pois enfrenta reações cada vez mais organizadas e mortais).

Dito isso, a PM pode não ter combatido efetivamente os arrastões, mas também não os promoveu, isso é certo.

Mas quem teria promovido esses arrastões? Seria o crime organizado? Parece improvável: a Virada não afeta seus interesses, até onde se pode perceber.

Apenas como exercício de ficção não me parece impossível pensar que isso se organize a partir de grupos tipo neofascista, para quem a cidadania é a primeira inimiga. Pois arrastão na Virada, do ponto de vista econômico (e a menos que houvesse mesmo acordo com a PM) não creio que compense o risco.

Na Virada quase tudo é de graça. As pessoas não levam dinheiro, a não ser para alimentação ou uma comprinha no camelô, essas coisas. Não é um lugar de reunião de ricos. Um arrastão numa praia do Guarujá, em janeiro, de acordo, pode compensar os riscos. Mas na Virada?

Sim, porque o mais interessante da Virada não é que seja uma reunião de eventos gratuitos, mas que durante 24 horas todos possam desfrutar de uma igualdade de direitos e deveres diante das coisas. Vamos todos de metrô ou similar. Caminhamos pelas mesmas ruas. Podemos ver a Gal ou lá quem seja, os ricos e os pobres. Não faz diferença. Que tudo isso se dê em torno de eventos culturais, tanto melhor.

A Virada é uma conquista da cidadania, criada, aliás, num governo do PSDB. Apesar de serem evidentes as tendências suicidas desse partido tenho dúvidas de que seria tão suicida assim.

Já uma quase insignificante questão me parece, sim, de responsabilidade de alguma instância do governo estadual. A falta de luz por quase quatro horas bem na região onde estava a alimentação poderia ter gerado tumultos sérios. E isso sim podia cair como veneno no colo do governador.

Em suma, não vejo como partidarizar sucessos e problemas da Virada Cultural. Vejo esse evento como uma espécie de guerra, onde todo mundo fica junto independentemente de visões divergentes.


Sayad, a cultura e a Cultura
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Inácio Araújo

 

O que João Sayad lega à Cultura é, em grande medida, a recuperação da TV Cultura.

Não se vê mais (pelo menos eu não vejo) aqueles anúncios das Casas Bahia, aquela feira ordinária em que o canal tinha se transformado.

A parte de cinema enriqueceu-se enormemente: há uma sessão nas quintas às 22h (podia não ser apenas na versão dublada, mas enfim…), há documentários regulares, preservou-se a sessão da Mostra etc.

Sempre dá pra reclamar, claro, mas eu penso no essencial.

Não foi só no cinema. O Metrópolis ganhou mil por cento, acrescentando a Marina Person, o Manuel Costa Pinto, as apresentação de músicas ao vivo, tudo isso animou muito o programa, que era bem precário, bem feito na base da boa vontade.

Bem, o negócio é o seguinte: sai o Sayad e entra o Marcos Mendonça.

Que no passado… Não sei, não vou dizer que foi ele quem destruiu o que o Roberto Muylaert tinha feito, não sei se foi ele.

Mas ele comandou o projeto Vera Cruz, quando era Secretário da Cultura e simplesmente arquivou o programa, e mais a colaboração cinema/TV, que era uma coisa importante na época.

É verdade que ele arquivou a Vera Cruz porque se encheu dos cineastas. Eles de fato são uma categoria chata. Mas têm lá seus motivos, também.

Enfim, se voltar aquela coisa varzeana de Casas Bahia, de anúncio o tempo todo e tal já sabemos a quem isso vai se dever. Além do governador, claro.

P.S. – A primeira afirmação de Mendonça, aliás, beira a catástrofe. Ele critica a exibição da série “Mad Men” na Cultura. “Mad Men” é uma série muito forte, em primeiro lugar, e além do mais aumentou a audiência da emissora. Ou seja, é tudo que Mendonça não quer. Pelo jeito quer é anúncios das Casas Bahia entupindo a programação.


O que se move ou… Um Biscoito Fino
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Inácio Araújo

Porque de uns tempos para cá a idéia difundida é que o cinema é que precisa correr atrás do público.

Vide RioFilme, GloboFilmes, Conspiração etc etc.

Todos esses querem saber “o que o público quer” e, em seguida, “dar o que o público quer”.

Mas desde quando o público sabe o que quer?

Nós somos aqueles que não sabemos: o artista é que indica, mostra, vai na frente.

Essa é sua função no mundo.

Mas é preciso separar o artista do fazedor. Fazedores há muitos. Artistas, nem tanto.

Eu digo isso depois de me encantar com “O que se Move”, o belo filme de Caetano Gotardo.

É um filme perfeito? Longe disso.

No primeiro episódio, sobretudo, há escolhas incompreensíveis: um menino que fica olhando meia hora para um cisne, para um cisne, enquanto a gente pede: “corta, corta, pelo amor de Deus”.

E, mesmo avançando no terreno pegajoso do verossímil, me pareceu bem incômodo uma família paulistana com um filho que fala que nem se tivesse crescido no interior, com uma outra família (ah, não, nenhuma relação com o terceiro episódio).

Há também algumas distâncias incômodas. Por que Cida Moreira entra em PP logo de cara? O que isso quer dizer?

As coisas aos poucos se acomodam. Compreendemos logo que ali há uma experiência estética, a busca de um entendimento das coisas.

Não é um desses filmes alienados que vivemos fazendo sobre vidas paulistanas.

Estamos no território Bresson. É justo que um estreante apanhe um pouco. Quase necessário.

E ao longo do filme mesmo as coisas melhoram. O elenco se ajusta. As distâncias também.

Algumas soluções de elenco se mostram muito, muito boas: O menino do terceiro episódio é notável.

Enfim, esse filme não correu atrás do que eu, público, queria. Eu é que tive de correr atrás dele. Que alegria, isso. Ir buscar um filme dentro de nós…

Pernambuco nos tem dado essa satisfação regularmente. São Paulo, muito pouco. Havia Anna Muylaert, por exemplo, mas isso não faz volume. É preciso outros filmes, outros artistas, de tal modo que o espectador compreenderá, pouco a pouco, que não quer tanto assim ver as ficções que a Globo exporta da TV, que a vida tem outras coisas a dizer.

Arrisco dizer que a massa ainda pode muito bem comer desse biscoito fino: o artista não pode correr atrás dessa massa. Ela é que virá atrás, interessada, lembrando que está viva.