Alguns problemas no “Banco Central”
Inácio Araújo
Quem foi o cabeça do assalto ao Banco Central de Fortaleza, agora retomado pelo filme?
Foi o Barão, nos diz o filme. E quem é o Barão?
É um sujeito inteligente, simpático porém implacável, calculista, um pouco ingênuo quanto a amizade e mulheres (pois ocupa-se excessivamente com seus planos). Ok.
Mas quem é o Barão?
Ele joga xadrez (pois é calculista). Envolvente (pois monta o bando que rouba o banco). Audaz (porque rouba o banco).
Mas quem é o Barão?
Uma explicação que se dê repete sempre outra. No fim, não sabemos quem é o Barão.
Também não sabemos quem é Mineiro, exceto que é mais bonitão, mais sedutor, mais levável por mulher.
Não sabemos quem é a mulher do Barão, exceto que se trata de uma in-femme fatale capaz de descer num túnel que está sendo aberto com salto sete e meio, ambiciosa e autoconfiante o bastante para trair o Barão porque quer vida boa e queimar o dinheiro do assalto.
Não sabemos a rigor nada de nada.
Se não houvesse cinema de aventura policial antes de “Assalto ao Banco Central” o espectador ficaria completamente na mão, porque tudo são procedimentos. A femme é fatale? Então tem que fazer aquelas caras de gostosa e andar de salto em qualquer circunstância. O Barão é inteligente? Então tem que jogar xadrez. E por aí vamos, sem saber a rigor quem são essas pessoas, de onde saíram, o que pensam da vida (além de quererem ficar ricos, claro).
O binômio que comanda o filme é estreito, embora não seja mentiroso: cama e grana. É, porém, vago.
Vamos ver um que escapa a isso: o Engenheiro. Quem ele é? Ah, um comunista.
Acha que assaltar banco é mais honesto do que fundar um banco (Lenin dixit). Mas um Banco Central não é um banco como os outros, conviria lembrar. Seria mais fácil encontrar um bom engenheiro desempregado, ou falido, ou qualquer coisa assim. Um comunista que entra num golpe por ser comunista? Me poupe.
Sobretudo se o futuro, bem ambíguo, mostrar que, com dinheiro, esse comuna não é exatamente um comuna. Então: ele mentia, ele mudou?
Eis aí um tema que o filme poderia desenvolver e não desenvolve: o dinheiro muda as pessoas.
No mais, o roteiro prevê alguns surgimentos tirados da manga (o de Cássio Gabus Mendes: quem é esse cara?) e alguns desaparecimentos idem (o de Abujamra: o que acontece com esse cara?).
Isso para não falar de uma figura muito especial, que é o advogado Daniel Filho. Ele entrar na história como o mentor. O sujeito atrás da escrivaninha. Talvez o financiador.
Mas aí tem um problema: a trama teria dois cérebros? Não dá para saber. Em todo caso, é sempre mais seguro, sempre mais próximo da convenção, jogar a culpa para cima de um engravatado: garante a qualidade intelectual do golpe e suja um colarinho branco.
Suspeito que Daniel Filho entre como “o Mentor” mesmo. Não da trama, mas dos responsáveis pelo filme, provavelmente do diretor, Marcos Paulo. Daniel acertou alguns filmes na mosca e, além do mais, é uma espécie de guru da seita “cinema de comunicação”. Sabe o que faz no ramo, mas a densidade não é grande.
Melhor seria, no caso, tomar por guru Carlos Manga, do formidável “O Marginal”. Ou não tomar como guru: bastava ver o filme, ajudaria bem.
Por quê? Porque as referências do “Assalto” são escandalosamente americanas. De “Onze Homens e um Segredo”, como escreveu o Leonardo na Folha, pois é o que domina o início da trama, até “O Silêncio dos Inocentes”, para o final.
Por que eu falo do Manga? Porque o Carlos Manga, quando faz um filme, é porque tem algo a dizer.
A escola da TV não tem nada a dizer, porque se baseia em convenções, esse me parece ser o problema do Marcos Paulo (do qual o Daniel Filho escapa, diga-se de passagem, até porque no caso dele o cinema precede a TV). E “Assalto” não tem a rigor nada a dizer.
No entanto, é um filme que dá para ver do começo ao fim.
Porque o clichê, a convenção, acabam um pouco apagadas, num primeiro momento, pela narrativa, que avança e recua, em segmentos razoavelmente curtos, de maneira que se evita um suspense desnecessário (todo mundo sabe no que deu o assalto) e se cria uma dinâmica aceitável para o desdobramento da trama.
Por isso mesmo é que se sente com mais intensidade a presença de artifícios, o vazio dos personagens, o triunfo dos procedimentos.
Falta a esse empreendimento não competência, mas autoria. No velho e bom sentido: o desejo de assinar. O que Marcos Paulo queria, afinal, dizer com esse filme?
Há um quê cínico ali, para o bem ou para o mal, como se preferir, mas que termina atrofiado sob o peso dos clichês, sob a necessidade de “fazer certo”, “comunicável”.