Blog do Inácio Araújo

Arquivo : June 2011

Caos aéreo e outros caos
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Inácio Araújo

Não pude fazer mais que um bate-volta no CineOP deste ano. Precioso como sempre. Homenagem a Carlos Manga, um dos grandes artesãos do cinema brasileiro, e ao tempo da chanchada, de que ele foi um dos principais cultores.

No passado a gente ria muito com a história da URSS, cujo passado se modificava conforme as últimas decisões do Politburo.

Mas, é estranho, o passado muda muito mesmo, cada vez mais. A chanchada, que já foi vista como vergonha nacional, passou a patrimônio importante do nosso cinema.

O tempo transforma a visão das coisas.

Penso que hoje existe a tendência a caminhar para uma perspectiva mais equilibrada, e foi isso o que se viu lá, nessa observação dos nossos anos 50/60.

Quanto mais o tempo passa, mais me parece claro que o cinema novo, menos que uma ruptura, é um corolário dos erros, acertos, experiências, tentativas, idéias dos anos 1950.

Há mesmo intersecções interessantes: Anselmo Duarte (cineasta que precisa ser revisto num próximos encontros, sem dúvida, e pelo Brasil em geral), que tem um pé na Atlântida e outro na Vera Cruz.

O Ministério do Medo

No começo do atual governo, Eder Sader estava indicado para um posto e caiu antes de tomar posse porque chamou a ministra da Cultura de “meio autista”.

Não sei o que ele faria na Casa de Ruy e parece que os projetos eram mesmo pouco ortodoxos, mas disso eu não entendo.

Eu sei que apontar autismo não é ofensa a ninguém. Fora do quadro patológico significa que a ministra não se comunica bem. Não era motivo para demissão ou retirada de convite ou lá o que fosse. Ela só se embanana mesmo.

Segue o enterro: Por que a Secretária do Audiovisual não estava em Ouro Preto?

Acaso discutir sobre história do cinema brasileiros e preservação de filmes brasileiros não faz parte de suas atribuições?

O autismo no MinC seria programático e não um estágio superável?

Rico ri à toa

Eu gosto de muitos filmes do Roberto Farias, mas raramente me entendo com as opiniões dele.

Ele acredita que no Brasil, até aqui, as pessoas fizeram os filmes que quiseram. Que agora a situação exige outra postura.

Não sei se é (e foi) bem assim. Sempre houve filmes para mais público e sempre para menos público. Uma coisa não deve eliminar a outra, e não seja a evocação da chanchada motivo para isso.

Na outra ponta, Maximo Barro, professor de cinema e antigo montador, lembra que José Carlos Burle, em “conversas de moviola” dizia detestar fazer chanchadas.

De fato, observe-se as obras “´sérias” e compare-se às chanchadas desses diretores, como Burle.

As coisas sérias hoje nos aparecem, com raras exceções, insuportáveis. As chanchadas, ao contrário, sobreviveram alegremente. Ou seja, detestar fazer ou não detestar acaba não sendo um bom critério.

Tropa de Elite

A Severiano Ribeiro chegou com uma tropa de elite a Ouro Preto, disposta a defender com unhas e dentes sua versão da história.

É importante, isso. Porque a primeira tendência dos historiadores é escutar quem esteve lá, diretores, técnicos, críticos. A impressão é sempre de que o produtor, distribuidor, exibidor, é um belo explorador, etc.

Nem sempre é assim. Nem em tudo é assim.

Acho importante cotejar dados. O pessoal da Severiano Ribeiro fala que os equipamentos eram os melhores do mundo. Só falta dizer que os estúdios punham os da Vera Cruz no chinelo.

Ora, a pobreza das produções Atlântida é franciscana. Isso está na cara. Não é nem um defeito. Era um modo de produção. Era o que dava para fazer.

Severiano Ribeiro era aliado dos americanos? É mais que verossímil. Senão, como sobreviveria naqueles anos uma cadeia de exibição?

Enfim, sempre há o que matizar, porque a visão da história não pode surgir de um lado só. A presença da SR é boa.

Mas convém conter certos exageros. As críticas a SR não são porque ele era nordestino. Isso não tem rigorosamente nada a ver. Esse tipo de visão já é muito subjetiva, algo que parece uma espécie de lenda familiar. Colocada em público, querendo transformá-la em versão final é já caminhar para a eliminação pura e simples do superego. Não fará mal à defesa da história da Atlântida a presença de seus representantes. Mas, como com frequência acontece, a suposição de que a sua história é a única possível vai derivando aos poucos para o burlesco.

No chão e no ar

É o seguinte. Ao contrário do que se possa imaginar, o caos aéreo continua firme e forte. Apenas que agora é mais organizado, de maneira que não dá mais para criar aquelas cenas de gente desesperada na TV.

Mas o princípio é o mesmo. Eu tinha avião às 13h52. Embarquei às 15h30. Atraso razoável. Não dá tempo nem de ir ao Procon reclamar. O problema é que não foi atraso coisa nenhuma.

Juntaram o meu vôo com o vôo seguinte, de tal modo que, na chegada a Belo Horizonte, eu vinha num vôo, mas o número de vôo afixado nas informações era outro.

No entanto, a minha mala estava lá, na esteira com número errado.

Claro, como sempre acontece nesses casos, marcam duas pessoas no mesmo lugar, essas coisas. Enfim, a diferença é que agora as coisas estão entre as aéreas e quem controla o movimento e tal. Enfim, está encoberto, mas ativo.

Como somos um país concebido, há séculos, para poucos terem tudo e muitos não terem nada, uma ligeira mudança nesse panorama parece um cataclisma.

Tentar chegar a um guichê da Gol no dia em que voltei equivalia quase a uma declaração de guerra. Com os funcionários da companhia (que se matavam para organizar as coisas, diga-se), com as pessoas atrás ou na frente da gente (que nos empurram com os carrinhos ou são empurradas, conforme a posição).

É impressionante, aliás, o Aeroporto de Confins. Vai ser ser ampliado? Parece um ovo, comparado a, digamos, Congonhas.

Do jeito que está, mal dá hoje em dia para receber o campeonato mineiro. Que dirá o mundial.

Quando comento essas coisas com minha parceira, ela não está nem aí. “Olha, na Europa e nos EUA é daí pra pior e eles acham que está tudo certo e que a vida é assim mesmo”.

A história precisa de no mínimo duas perspectivas.


Em Paris, Woody Allen está em casa
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Inácio Araújo

Nada mais familiar a alguém de Nova York, a um apaixonado por Nova York como Woody Allen, do que Paris.

Ele está em casa. Não estava em Londres. Nem em Barcelona. Paris é uma festa.

O lugar para jogar com um noivado que tem tudo para ir por água abaixo. E o lugar, por conseguinte, para colocar seu escritor-protagonista em contato com Hemingway, Picasso, os Scott Fitzgerald, Buñuel, Dalí, Gertrud Stein.

Um quê de “De Volta para o Futuro”. Ou antes, de volta ao passado, primeiro. E depois ao presente, ao agora, ao urgente. Ao que age. Eis a questão.

Entrar em Paris é entrar em sua história e dela retirar algo. Sendo americano, claro, nada melhor do que os anos 1920.

E Woody deixa bem claro: não se trata de um sonho, mas de uma viagem no tempo. Ou seja, de um filme fantástico.

Inútil dizer, é de lá que o protagonista voltará com um livro por escrever. Voltará com vida.

Porque a vida está menos na cidade do que nas marcas que o tempo vai deixando nela.

A família da noiva é bem pouco interessante. Mesmo como contraste valeria tirar um pouco daquele republicano. Mas está bem, no geral.

A mãe preocupada apenas com sua pequena sabedoria rica e doméstica (barato é barato).

E o intelectual pedante, porém sedutor, porque falador. Não podia faltar em Allen.

Enfim: está em casa, como se estivesse em NY, mais ou menos.

Um dos filmes mais interessantes deste ano até aqui bem decepcionante.


Carlos, Hitch, Demy
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Inácio Araújo

“Carlos” está terminando. Quarta (dia 15) passa o último capítulo na TV5 Monde. Não dá nem vontade de falar, porque quase ninguém mais tem a TV5.

Só que “Carlos” é uma obra-prima. Mesmo quem não viu os primeiros capítulos se deixará fascinar pela aventura do mais famoso terrorista do século 20, tal como narrada por Olivier Assayas.

O terceiro e último segmento é o da decadência. Nem por isso menos interessante do que os demais. Um filme essencial para conhecer a Europa (e Oriente Médio) da segunda metade do século passado.

Hoje começa Hitchcock, a maior mostra que já houve. Total. Todos os filmes dele. E ainda um pouco de TV. Pena que a obra completa entra no CCBB e sua sala minúscula, apenas. Pelo que me disseram, uns 20 filmes vão para o Cinesesc. Melhor que nada e menos bom do que se fosse tudo. A mostra merecia.

E há também uma mostra Jacques Demy na Cinemateca, segundo me disseram. Não sei quando começou. Mas Jacquot de Nantes também não é pequeno, não. E a sala da Cinemateca é uma beleza.


Um fillme começa quando eu entro…
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Inácio Araújo

Uma experiência que não se pode ter mais é a de entrar no meio dos filmes.

As bilheterias são informatizadas, de maneira que o computador impede a venda de ingressos a partir do momento em que começa o filme principal. Para mim, perde-se em prazer. E também em saber.

Como dizia o Jairo Ferreira: o filme começa quando eu entro e termina quando eu saio. O que significa dizer que cada um de nós monta sua fábula conforme seu olhar, mas também durante o tempo em que permanece lá dentro.

Quando eu entrava no meio dos filmes, como não sabia o que tinha acontecido, na verdade iam se passando dois filmes. Um se desenrolava a partir da minha entrada na sala. O outro, ia de trás para frente, construído na imaginação a partir dos dados que os personagens agora nos forneciam.

A história nunca ficava completa, fechada. Quase sempre surgia um elemento para perturbar a ordem do que havia sido contado e a compreensão do início, da parte perdida.

Depois, costumava-se (se o filme não fosse vagabundo) ficar para ver o começo de novo. E, surpresa, normalmente aquilo que eu (mas creio que não só eu) imaginava mostrava-se muito mais rico, cheio de detalhes e aventuras do que o que realmente se passara na tela.

Não quer dizer que a imaginação do espectador fosse melhor do que o filme. Cada um tinha sua função. A da nossa fabulação de espectadores consistia em imaginar o maior número de hipóteses possível.

Estranho Encontro

Outro dia isso aconteceu na TV, na TV Justiça para ser mais preciso, em algo chamado Sessão Cinemateca.

É claro, devem ser filmes vindos da Cinemateca. Mas ela não faz alarde a respeito: tudo que diz respeito a difusão do cinema parece embaraçar nossa velha instituição.

O certo é que corria na tela um filme brasileiro, claramente anos 50. Eu sabia que era brasileiro porque essa é uma sessão de filmes brasileiros. E também porque se falava em português sincronizado, não dublado.

Mas havia uma loura com cara de atriz estrangeira, num carro. Uma loira apavorada que lembrava a Janet Leigh, mas não era. Quem seria essa atriz que nunca vi em parte alguma?

Ela tem um diálogo estranho com o homem que dirige o carro, e que não distingo quem seja. Sei que ele ameaça uma espécie de duplo suicídio no carro mesmo.

Por fim, o carro pára e a loira desce. Não se vê o homem que desce pouco depois, apenas que ele segura um bastão para ajudá-lo a caminhar.

Todo o clima é de um filme noir. Não de um arremedo de filme noir. Seria um filme da Maristela?

O homem com a bengala é uma pista: onde vi isso antes? Seria uma lembrança de “Gilda”?

O cenário seguinte elimina a idéia de Maristela: o quarto é muito amplo, a decoração chique demais. Tem cheiro de Vera Cruz. Mas uma classe que a Vera Cruz não tinha. Não é luz da Vera Cruz.

Aí aparece Sergio Hingst. Então a hipótese Vera Cruz existe, mas apenas como lugar físico. Pela época, o filme é mais Brasil Filmes. Mas não “Ravina”, com certeza.

Quem poderia fazer um filme na Brasil Filmes com tamanha classe? Anselmo Duarte poderia, mas não era filme dele.

Então era filme do Walter Hugo Khouri, só podia ser.

Observando melhor, essa luz leve, delicada, precisa, só podia ser de Rudolf Icsey.

Então era filme do Khouri. E eu entendia porque Glauber fez tanta questão de vir a São Paulo mostrar seu primeiro filme a ele. Decupava como pouca gente. Controlava a imagem perfeitamente.

O que vem a seguir: o homem da bengala aparece. É Luigi Picchi. Então fica claro que o filme é “Estranho Encontro”, que eu não via há tanto tempo. Pelo que vi, continua ótimo.

Quase não lembrava da intriga, o que me permitiu aproveitar melhor certas fusões, certas associações de imagens que o filme traz. Depois foi só esperar o momento principal: aquele em que a loira levanta o vidro do carro e, no reflexo, terrível, podemos ver, ao mesmo tempo que ela, a imagem de Luigi Picchi.

Foi um bom, agradável exercício de retorno ao tempo em que se entrava no meio dos filmes. De passagem, pude rever uma boa parte desse filme admirável, que não via há tanto tempo e que é, me parece, talvez o melhor de Khouri.

Em tempo: vi no Imdb que a atriz se chama Andrea (ou Andréia) Bayard. Não me lembro dela em nenhum outro filme.

Em tempo 2: a Tv Justiça irá reexibir “Estranho Encontro” neste domingo, às 18h30.


Quem ganhou Cannes?
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Inácio Araújo

Com toda franqueza, não me lembro.

Claro, se consultar os arquivos, o nome aparece. Mas não preciso de nenhum arquivo para lembrar de Lars von Trier e “Melancholia”.

Ou seja, ele soube como chamar a atenção sobre si. É uma arte.

Hitchcock a dominava como ninguém, na era clássica: tornou-se ele próprio um personagem.

Depois houve Godard. Sabia se fazer amado e odiado. Para cada ocasião tinha uma frase cortante. Uso o pretérido não porque ele tenha morrido, mas porque representa um tempo já passado. Hoje ele continua um bom publicitário, mas mais por inércia.

Na atual geração, Von Trier parece ser o único a topar essa parada. Desde o Dogma, num momento em que o blockbuster esmagava tudo que encontrava pela frente.

Ele conseguiu, com muito barulho e produções mínimas, impor o cinema nórdico. É um aspecto importante do cinema, goste-se ou não dele (da publicidade e de Lars).


Tropa de Elite 2 papa o Grande Prêmio
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Inácio Araújo

Peguei por acaso, no Canal Brasil, a cerimônia do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Décima edição.

Algumas homenagens interessantes: Norma Bengell, Remo Usai, Luis Carlos Barreto. Salvo que este quase recontou a história da humanidade. Achei boa a parte pessoal (namoro e casamento, iniciação ao cinema, etc.).

A ideologia (nacionalismo às antigas) podia ter ficado de fora. A horas tantas aquilo virou comício, praticamente.

A premiação obedeceu à ordem do dia: Tropa de Elite 2 ganhou tudo que podia ganhar. Significa que os eleitores (os membros da Academia de Cinema Brasileiro ou algo assim) estão, hoje, perfeitamente alinhados à idéia de um cinema em que o sucesso é o começo e o fim.

Entendo: um desejo louco de estar perto do público. Não é de todo injusto.

E Tropa é, digamos, um filme hoje indiscutível. Não vou nem argumentar: não se discute com 11 ou 12 milhões de bilhetes vendidos.

No entanto, a seleção geral, com exceção dos documentários, ia praticamente em linha direta nessa direção. Chico Xavier, Lula, Nosso Lar… É a idéia de “cinema indústria” que se celebrou ali.

Estamos num desses delírios triunfais a que o cinema brasileiro se entrega de tempos em tempos.

A cerimônia sub-hollywoodiana não deixa dúvidas a esse respeito.

Não sou contra certo cerimonial nas entregas de prêmio. Fazem parte do jogo.

Mas, caramba, já que é para ser assim pelo menos contrate uma pequena orquestra, ou faça uma sonoplastia honesta. Colocar um par de músicos desengonçados no palco não ajuda nada. (Melhor nem falar da apresentação musical no fim da festa).

Outra: se é para transmitir pela TV precisa fazer uma luz de TV. Dava a impressão de que as pessoas iam receber o prêmio numa boate de chanchada dos anos 50.

Se é para ser indústria, por favor, comportem-se como tal.

Em poucas palavras: está mais do que na hora de reabilitar o Prêmio Jairo Ferreira, da velha ala dos dissidentes dessa geléia industrial.

Outro espetáculo

Esperei para ver se algum especialista tocava no assunto, mas não encontrei nada.

Bem: o jogo Barcelona vs. Manchester United foi, como se sabe, um baile do time de Messi.

Nesse jogo belíssimo, o time inglês correu atrás da bola o tempo todo, mais parecia um jogo de João Bobo.

No entanto, se se for ver, o número de faltas foi mínimo. E a maior parte delas acho que foi feita por um jogador sul-americano por nome Valencia.

É muito diferente do que se passa aqui: quando se perde a bola, aqui, a primeira providência é passar a perna no adversário, dar uma canelada, coisa assim.

Não há noção de dignidade. A menor. Devia ser algo a ser pensado em algum nível (dos níveis oficiais sabe-se que não se pode esperar nada).

O Manchester perdia a bola e saía correndo atrás, sem brutalidade. O jogo não parava. O juiz não marcava falta a cada vez que um chegava perto de outro, como aqui.

Hoje em dia esse papo de país do futebol não está com nada. Nossos jogos são horríveis. Não por falta de jogadores, mas por falta de dignidade. São noções que vêm de cima.


No silêncio do cinema
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Inácio Araújo

O que acontece nas telas? Pouca coisa. Restam sempre os DVDs para nos salvar. Por exemplo, essa bela edição de “Alma em Suplício” da Versátil.

Um desses filmes que mostram não apenas o quanto Joan Crawford podia ser carismática, como o quanto era competente Michael Curtiz. O húngaro não era propriamente um autor, mas o artesão mais representativo da Warner. Tudo em que tocava dava certo, não importa o gênero, e tinha a cara da Warner.

E ver pela televisão o Barcelona, que coisa absurda!

Mas, melhor ainda: pegar, no intervalo do jogo, um fragmento de “O Bagunceiro Arrumadinho”. Um grande Jerry Lewis, sem dúvida.

Mas dá para perguntar: e o que é feito de Frank Tashlin? Onde andam seus filmes?

(A propósito: Milton Leite é um desses locutores à parte. Não transmite apenas o jogo, transmite também sua alegria de estar lá.)

A DVD World anuncia que volta ao estoque “A Batalha de Burma”. Que batalha de Burma? O filme do Samuel Fuller, “Merril’s Marauders”, no Brasil teve o nome cem vezes mais poético de “Mortos que Caminham”.

Seja como for, a edição não é repulsiva e o preço é de colher: R$ 12,90.

Quem leu o artigo do Paulo Coelho sobre pirataria, na Folha de domingo?

Não tenho o menor interesse pelos livros dele, mas o artigo me pareceu decente demais, sobretudo por partir de um cara que vende livros às pilhas.

Mas ele diz que ninguém escreve para ganhar dinheiro. Que o cara russo que denunciava as atrocidades do Stalin não só não ganhava nada como ia para a Sibéria. E no entanto continuava a escrever.

Saiu um novo Filme Cultura. A vanguarda como tema central. Passei batido. Acho que a vanguarda é uma preocupação um tanto obsessiva nossa. Mas há coisas boas a ser lidas, sim.

O melhor, no entanto, não tem nada de vanguarda. É o perfil apaixonado de Rubem Biáfora por Gustavo Dahl.

Dahl é possivelmente o único cinéfilo de sua geração que conseguiu juntar os pólos contrários, Biáfora e Paulo Emilio, e compreendê-los devidamente.

Havia ali um conflito de Patrícios e Plebeus, é claro. O terno parisiense de Paulo Emilio contra o terno Lojas Garbo de Biáfora. O quatrocentão vs. o italianinho.

Bem, há outras questões: Paulo Emilio, o cara de uma visão ampla sobre a sociedade e o cinema nessa sociedade.

Já o Biáfora, para quem a única nação parecia ser aquela que acontecia dentro da tela. Sua nação, sua religião.

Quem tomou Biáfora por um cara meio maluco estava certo. Ele era mesmo. O que não o impedia de ter um olho extraordinário.

Paulo Emilio era homem de esquerda. Biáfora odiava os “esquerdinhas”.

Paulo Emilio partia do mundo para chegar ao cinema. Biáfora, partia do cinema para enxergar o mundo.

Podiam ser opostos, não deixavam de ser complementares.

Uma vez sugeri a Calil, há muitos anos, uma mostra em homenagem a Biáfora (na época, Calil era um indispensável diretor da Cinemateca).

Ele disse que não podia fazer isso por fidelidade a Paulo Emilio. Disse que Biáfora chegou a ir ao Dops (ou correlato) para denunciar Paulo Emilio. Bem, ainda assim me parece que o Calil estava errado no episódio.

Porque uma delação de um maluco como o Biáfora equivalia a um salvo-conduto. E depois porque uma coisa não tem nada a ver com outra.

Eram, por todos os motivos, dois pólos, igualmente necessários a nossa vida cinematográfica.

Mas chega de falar: acho que vale a pena correr atrás do artigo do Gustavo Dahl, que é uma beleza.


O Homem ao Lado
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Inácio Araújo

Há filmes que provocam impacto, mas, uma hora depois, a gente é incapaz de lembrar do que viu: não marcam.

Há outros que não impressionam na hora. Mas, depois, as imagens não saem da cabeça. O filme cresce. É esse o caso, comigo, do filme argentino “O Homem ao Lado”.

Fui revê-lo no fim de semana e confirmei a boa impressão. Não é um filme perfeito. Mas é essa coisa que vem se tornando rara: é intrigante. Termina a sessão, você vê todo mundo conversando, trocando idéias…

A trama é mínima. Leonardo é um designer de sucesso internacional. Vive em La Plata numa casa desenhada por Le Corbusier (um personagem assegura, no filme, que é a única dele na América; alguém cá fora sustenta que existe outra no Chile). Uma casa magnífica, claro.

Esse homem se crê acima do mundo, ou antes, livre dos importunos que o mundo pode causar a nós, mortais. Mas eis que seu vizinho, um tipo grosseiro chamado Victor, decide abrir uma janela bem para a tal casa.

O incidente se torna motivo de mortificação para Leonardo.A mulher (uma chata, na verdade) o pressiona. Ele tem de abandonar seu casulo de proteção e se relacionar com o homem ao lado. Exigir que tape a janela, etc.

O filme é o questionamento de Leonardo, mas não o promove pela psicologia, pelo drama. Isso vem, em parte, pela comédia (a cena em que Leonardo e o amigo pedante escutam música é das melhores).

Vem também por certos procedimentos formais: a hiper-estetização da casa, por um lado, e por outro a desconexão entre os ambientes da casa (nunca chegamos a formar uma idéia de conjunto) são dos mais marcantes.

Um filme que lembra um tanto o trabalho de Anna Muylaert aqui no Brasil, inclusive pelo humor e pela forma indireta de abordar o aspecto social da história (que não é o único, longe disso).

Mas não deixa de lembrar “O Invasor” do Beto Brant, embora neste o terror não esteja ao lado, e sim venha da periferia (nesse sentido, a solução do filme argentino me parece mais intrigante).


Lars von Trier nazista?
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Inácio Araújo

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Assisti ao vídeo inteiro da conferência de imprensa de Lars von Trier em Cannes.

Von Trier nazista? Admirador da estética nazista? De Albert Speer?

Só quem não viu filme dele pode levar isso a sério.

Se estivesse no nazismo e ele fizesse um filme com a câmera balançando daquele jeito ia se entender com a Gestapo direto.

E que maluquice é essa do Festival exigir desculpas dele?

Está certo, o tempo todo ele sacaneou a imprensa. Sacaneou as atrizes. Deixou a Kirsten Dunst envergonhada.

Enquanto se desenrolava a entrevista ele, visivelmente, bolava na sua cabeça um outro filme. Uma comédia, evidentemente.

Dito isso, há uma outra coisa:

Lars von Trier é um gênio da publicidade.

Quando inventou o Dogma 95 havia uma enorme presença, quase um paredão que a indústria americana havia montado, não passava nada.

Pois bem, ele inventou essa história e a Dinamarca se impôs ao mundo.

Fez todos aqueles mandamentos, que aliás foram para o espaço já no primeiro filme…

Ele faz publicidade e gozação ao mesmo tempo.

Acho que foi a última pergunta da entrevista, que já estava completamente maluca, o cara perguntou se ele achava que Melancholia era um blockbuster.

Ele enrolou um pouco e depois disse algo como: acho que é, sim, sabe, nós, nazistas, gostamos de coisas grandiosas.

Ah, que belo nazista foram me arrumar.


As raparigas do Manoel e outras histórias
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Inácio Araújo

É fantástico “Singularidades de uma Rapariga”, o Manoel de Oliveira que acaba de entrar em cartaz. Já tinha passado na Mostra, na penúltima, mas a gente vai correndo ao cinema, assim que pode, para rever. É um gesto quase automático.

Oliveira cria, a rigor, várias raparigas. A garota por que Macário se apaixona ao ver através de uma janela, protegida por um véu, a imagem de sonho da linda garota, Luísa.
Rapariga ficcional: personagem de um quadro, ou de um filme visível pela janela indiscreta de Macário.

Aos poucos, Luísa deixará o reino da ficção para se tornar palpável. A encontraremos na loja do severo tio de Macário, Diogo. Mais tarde, no estranho círculo literário onde enfim será apresentada a Macário.

Haverá ainda mais uma Luísa. Não se pode falar dela. Seria estrepar com quem ainda não viu o filme.

Mas pode-se dizer que ela será tão surpreendente que deixará de ser real ou realista para assumir uma terceira natureza. Ou terceira personalidade, acho que no caso dá no mesmo: esta última vai atirá-la num registro de franca irrealidade.

Essa última personalidade de Luísa existe, fiquei com a impressão desta vez, em relação com o tipo de trabalho de Oliveira sobre o tempo.

Num momento estamos no Portugal moderníssimo da União Européia: um trem belíssimo a embalar a história que Macário conta à mulher (Leonor Amarante).

De repente, chegamos à loja. À austeridade quase demente do tio Francisco (Diogo Dória). À idéia de uma viagem a Cabo Verde como se fosse o exílio (não conheço o original, não sei se é assim que as coisas se passam lá). O círculo literário criado por um ministro da Informação de Salazar!!! Luís Miguel Cintra declamando O Guardador de Rebanhos, nesse jogo que vai do literário e o teatral.

Enfim, é como se o filme revolvesse várias camadas de tempo, várias histórias, várias sensibilidades portuguesas a partir da saga de Luísa, que é, no mais, bem esquiva, bem Capitu.

É impressionante como Oliveira enfileira filmes insubstituíveis, um atrás do outro.

* * *

Faz-me rir

Não assisto programas de humor na televisão. Quando sintonizo, mais para saber que existem, tiro um minuto depois, tal a barulheira, tal, em suma, o que me parece falta de humor.

Minha filha uma vez falou daquele Pânico como uma coisa dadaísta. Pode ser que seja uma sensibilidade contemporânea que já não acompanho. Pode ser.

Mas não creio que seja. Não creio que esses caras saibam do que se trata.

Tudo isso me parece horrível, mas talvez seja isso mesmo: você vai envelhecendo, tudo que está ao lado começa a parecer hostil, decadente, desprovido de sentido. Pode ser.

Agora, o que Marcelo Coelho escreveu na Folha é coisa de outra ordem. Diz ele que o tal sujeito pediu desculpas. Como desculpas?

A referência a Metrô, velhinhos judeus, Auschwitz ultrapassa, evidentemente, qualquer limite do racismo. É simplesmente abjeta.

Não sei, fico com a impressão de que, por serem esses arremates de humanidade (não raro travestidos de jornalistas) esses caras acham que podem falar tudo que a boçalidade possa lhes sugerir.

Marcelo pensa num caso de fascismo. Acho que nem chegamos a isso.

Não estamos diante da banalidade do mal: trata-se mais de cretinismo elevado à condição de livre direito de pensamento.

A TV tem muito a ver com isso.

A TV mais a internet pode ser uma mistura que ainda vai dar rolo.

* * *

Nóis e a língua

Como todo mundo sabe ou suspeita, nós, jornalistas, temos a língua pátria como ponto de honra.

Não que sejamos mestres nela. Até onde vai minha experiência não somos lá grandes coisas nesse particular.

Vivemos pendurados no prof. Pasquale ou outro. Ele ensina uma coisa e na semana seguinte a gente vai lá e fica encaveirando a ignorância alheia – que é tão nossa.

Bem, na sexta passada a bancada do Jornal Globonews ficou em pé de guerra por um livro, licenciado ou comprado pelo MEC, “ensinar errado”.

Foi uma espécie de êxtase, porque a hipótese do erro alheio, sobretudo de um erro de quem deveria ensinar – a professora que escreve o livro, o Ministério da Educação – revelava um pouco a superioridade dos jornalistas. Somos os que conhecem a norma culta.

É óbvio que ninguém tem obrigação de conhecer linguística ou a questão das particularidades.

Mas é um vício dos jornalistas, nosso, a precipitação. Me ocorreu às vezes. Não quero falar de ninguém.

Mas é algo que a TV potencializa, porque o jornalista é revestido de certa autoridade.

Então ele não diz: eu quero entender tal coisa. Não. Ele imagina que sabe e o mundo inteiro é composto por idiotas.

Quase sempre não é bem assim.